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Renato A. A. Manzano


Head da Manzano Consulting, empresa de Estratégia, Gestão e Ativação de Negócios e Marcas (Branding),  Marketing e Estratégia de Vendas, Comunicação Organizacional, Relações com Clientes e Públicos Estratégicos (RCPE), e Reestruturações Corporativas. Possui 30 anos de experiências de mercado. Durante 22 anos foi executivo em corporações de grande porte. Estudou Comunicação Social na PUC SP e graduou-se em Administração de Empresas, com ênfase em Gestão da Produção, pela PUC Campinas. É pós-graduado em "Gestão Estratégica da Comunicação Empresarial", pela PUC Minas. Concluiu extensões acadêmicas em: "Management of International Communication", pela Syracuse University/Aberje (Brasil/EUA), "Corporate Entrepreneurship", pela Babson School of Business (EUA), "Total Quality Management", pela AOTS (Japão), e "Comunicação Empresarial", pela PUC SP. Participou do "MBA Executivo Nacional e Internacional", da Amana-Key e do "Programa de Formação de Lideranças Empreendedoras", pela Fundação Dom Cabral. É provider em BSC, CCQ e NLP. Em 2014 tornou-se Empreteco (ONU) pelo SEBRAE. Liderou centenas de grandes projetos em algumas das mais importantes corporações brasileiras e globais; entre eles, foi o team leader do "Projeto Marca Global Vale" - o maior case de corporate brand da história brasileira. Entre 2011 e 2014, foi professor de Branding no MBA do Instituto Aberje de Educação.  Entre seus reconhecimentos estão o "Prêmio Aberje de Personalidade do Ano em Comunicação Empresarial", em 2004. É palestrante ativo e autor de diversos artigos sobre Branding, Estratégia, Comunicação e Marketing, Administração e Política. 

A Ressignificação da Comunicação Organizacional: um Manifesto Sistêmico

              Publicado em 21/12/2015

A comunicação está no centro das grandes transformações globais. Porém muitos ainda a tratam como mera “ferramenta”, ignorando todo o seu potencial, bem como utilizam as novas tecnologias, orientados pelo velho mapa mental mecanicista. Compreender o fenômeno da comunicação como a energia vital que a todos envolve - e as profundas implicações dessa abordagem - é uma condição fundamental para o sucesso de qualquer organização na Sociedade da Informação e do Conhecimento.

 

Sempre que pergunto às lideranças qual é o papel da comunicação em suas empresas e organizações em geral, as respostas, ainda que expressas de formas diferentes, giram sempre em torno da mesma ideia: a dos meios, técnicas e procedimentos utilizados para o relacionamento com os diversos públicos. Ocorre que esse conceito comum, instrumental e processual, é apenas um viés diminuto do que vem a ser comunicação.

Pensar a comunicação apenas como “ferramenta”, por mais importância e atenção que se dê a ela nessa contextura, é não apenas um equívoco, como uma enorme fonte de desperdício de recursos. Nas organizações como um todo, incluindo aqui as empresas, os governos, as ONGs, universidades e todas as demais instituições humanas, se faz necessário compreender a comunicação, de uma vez por todas, como a própria “energia vital” que as conduz, e não o contrário. Diante dos desafios atuais, perceber a diferença entre essas duas abordagens e as suas consequências é de tal forma importante que pode significar o sucesso ou o completo fracasso dos negócios e das relações organizacionais.

Assim, tenho repetido à exaustão que é preciso “ressignificar” (1) a Comunicação Organizacional, como de resto as próprias organizações, cujos modelos já não atendem mais às exclamativas premências da Sociedade da Informação e do Conhecimento.

O que é particularmente preocupante nesse cenário é o fato de que os especialistas na matéria - os profissionais de comunicação das organizações - sejam, na maior parte das vezes, os mais encarcerados por essa visão diminuta e os grandes responsáveis por não haver avanços mais significativos nessa área. Diante das arguições do mundo que aí está, deveriam se antecipar a elas, trazendo inovações radicais. Talvez por vícios tecnicistas, acomodação ou medo, muitos profissionais, ainda que em posições elevadas, persistem em uma visão muito restritiva sobre o tipo de contribuição que a comunicação pode e deve dar a uma organização. Desse modo, não chegam a produzir respostas estratégicas e transformadoras, fazendo jus ao papel meramente secundário que parte expressiva das organizações lhes reserva ou, na outra ponta, se escondendo por trás da imponência dos cargos elevados. Em ambos os casos, adotam aquilo o que eu chamo de “comportamento do cardume”, ou seja, ir para o lado em que todos os demais estão indo. Afinal, fazer diferente implica em riscos e não são todos os que estão dispostos a fazer o que as organizações mais precisam neste momento: inovar radicalmente!

 

Mecanicismo e Manipulação: antíteses da Comunicação

Para que possamos compreender a distinção entre as duas perspectivas - a da comunicação como “ferramenta” e a da comunicação como “energia vital” – observemos primeiramente como funciona a comunicação em uma sociedade tipicamente industrial, na qual vigora o pensamento mecanicista por excelência. Nela, os meios e as possibilidades de comunicar encontram-se restritos nas mãos de poucos, controlados por aqueles que detêm o poder. Os grandes monopólios radiofônicos, fundados principalmente a partir dos anos 1920, como a NBC e a RCA, nos EUA (2), tipificam de maneira clássica o caráter industrialista na utilização da comunicação como ferramenta, ou seja: um meio para se alcançar um fim. Neste caso, uma ferramenta poderosa com objetivos bem definidos: desde impulsionar a venda em larga escala de produtos de consumo, até manipular a opinião pública e induzir a sociedade a aceitar ideias e a adotar comportamentos bastante convenientes aos detentores do poder. Em virtude desse legado, a maioria das organizações ainda patina no mecanicismo de suas estruturas e mentalidades aguerridas a esse modelo, mesmo diante das mudanças revolucionárias trazidas pelas novas tecnologias da informação. Entre elas estão a produção descentralizada, colaborativa, multifacetada e viral de conteúdos por meios digitais, e a crescente e aglutinadora consciência ecológica global – forças estas que se polarizam em relação aos fundamentos da sociedade industrial.

De fato, Fischer (3) constatava ainda no início dos anos 1980, antes, portanto, do advento da Internet, da mobilidade digital etc. que já havia “uma aceitação mais ampla do fato de que as disparidades existentes na posse de tecnologia da comunicação são não só injustas como perigosas”. Para ele, começava a existir naquele momento uma “compreensão mais profunda da importância fundamental do ato da comunicação propriamente dito, tanto para o desenvolvimento do indivíduo como para o bem da sociedade da qual ele(a) fazem parte”.

É inegável, contudo, mesmo reconhecendo avanços, que a prática manipuladora da informação tornou-se sinônimo de comunicação nas organizações. É um pensamento que está tão incrustado na matriz cultural de empresas a governos, que passou a ser algo “natural”, “invisível” e praticamente inquestionável dentro dessas estruturas; como se fosse algo absolutamente normal. Neste ponto, coloquemos em perspectiva, como exemplo, tanto as marcas institucionais das empresas quanto as de seus produtos e serviços, e compreenderemos a afirmação de Marc Gobé (4) segundo a qual as pessoas são naturalmente apaixonadas pelas marcas, mas as marcas não são apaixonadas pelas pessoas...

Ocorre que, se por um lado encarar a comunicação como mera ferramenta é algo empobrecedor, por outro há um perigoso desequilíbrio estrutural quando a comunicação é utilizada como um instrumento de manipulação. Sob uma análise eminentemente científica, ao se restringir o acesso à informação, por meio da omissão ou manipulação dos conteúdos, em linha com determinados interesses de uma organização, junto a seus públicos, reduz-se tão dramaticamente a riqueza do fato comunicativo, isolando-o, que não é mais possível observar-lhe a manifestação fenomenológica em toda sua completude e riqueza. Bloqueia-se a potencialidade vital da comunicação, restringindo-a a tal ponto que ela se torna, mais do que algo diminuto e mesquinho, uma corruptela: a própria antítese do que é “Comunicação”.

Quando corrompemos a natureza intrínseca do fenômeno da comunicação, embutindo nele elementos manipuladores e/ou limitando-lhe a propriedade inter-relacional, ocorre, na prática, algo semelhante a como se injetássemos um agente altamente infeccioso e letal, como um vírus ou uma bactéria, por exemplo, em um corpo saudável e esperássemos daí extrair algum resultado positivo. Cedo ou tarde, não importa o ciclo do tempo, essa contaminação se espalhará e muito provavelmente nos colocará também em risco, ainda que nos pareça uma ótima estratégia no curto prazo. Creio que a vida nos tenha ensinado que o princípio evocado na Terceira Lei de Newton não se aplica “apenas” à Física: ele tem implicações bastante similares nas relações sociais e organizacionais.

Aqui muitos dirão: “Em nossa organização estamos sempre abertos ao diálogo e a ouvir os nossos públicos”. Mas o que se observa quanto a essa excelente política é que, mesmo assim, ela tem convivido, em maior ou menor intensidade, com a conjugação de verbos pouco recomendáveis, tais como: mentir, restringir, adulterar, mascarar, omitir, deturpar etc. os quais, reafirmo, são vetores contrários ao bem comunicar. É assim que muitos comunicadores “descomunicam”, na maioria das vezes “sob ordens”, o que, contudo, não lhes reduz o pecado. Afinal, o excelente comunicador, assim como qualquer outro profissional, tem de aliar à experiência, ao conhecimento e ao domínio da técnica, a coragem e a honradez.

 

Um cenário de mudanças radicais: o choque entre a velha e a nova mentalidade

Na Sociedade da Informação e do Conhecimento, o que define uma organização - seu êxito ou sua derrocada - é a teia de relações humanas que a constitui e envolve, e a forma com que os atores se posicionam em relação a ela nessa tessitura. Assim, na medida em que as organizações procuram demonstrar para seus públicos todo o seu valor e a importância da sua perenidade e crescimento, precisam utilizar a máxima potencialidade da comunicação. Organizações que não são capazes de compreender e vivenciar a comunicação como a energia vital das suas relações serão mal compreendidas, mal interpretadas, mal percebidas e se tornarão pouco confiáveis e indesejáveis, muito rapidamente. E, neste caso, ou o que as organizações dizem de fato não corresponde à verdade sobre o que fazem, ou o que ocorre é justamente a incapacidade de comunicar. Até porque, para comunicar bem e obter sucesso, uma organização tem de ser verdadeira e transparente. Caso contrário, ela certamente ampliará o já crescente rol das catástrofes de reputação que têm se abatido mesmo sobre marcas e instituições importantes, sempre que o velho pensamento prevalece.

Quanto isso custa aos acionistas e à sociedade? Será que os pragmáticos de curto prazo, os quais sacrificam conceitos mais amplos em função de objetivos mais imediatos, ainda não compreenderam o porquê de fatores intangíveis, tais como a imagem e a reputação - filhas legítimas da comunicação - influenciarem no valor de mercado das empresas? Ou não perceberam que um dos fenômenos contemporâneos mais notáveis é justamente o fato dos ativos tangíveis, físicos ou financeiros, estarem rapidamente se transformando em commodities, enquanto o crescimento da economia global é cada vez mais orientado por ativos intangíveis - notadamente os ligados ao conhecimento? (5) Ora, será que é preciso dizer que a comunicação é alicerce básico no desenvolvimento do conhecimento?

Mergulhemos no mundo dos negócios e vejamos: o que está em pauta hoje é um conjunto amplo e complexo de expectativas e fatores intangíveis que não se restringem mais à relação primária por meio dos produtos e serviços. Por exemplo: a conexão cada vez mais forte e consciente sobre a importância do desenvolvimento sustentável faz com que a finalidade de uma empresa não possa mais se restringir a “apenas” trazer retorno para o acionista. Para a sociedade atual isto já se demonstrou danoso demais para as pessoas e o meio ambiente. As organizações têm procurado se adaptar rapidamente, orientando suas ações e decisões cada vez mais pelo princípio da sustentabilidade, o qual, por definição, inclui também a dimensão econômica, envolvendo-a, contudo, em uma equação mais ampla e complexa, na qual o lucro não se sobrepõe à Vida.

Cada vez mais, a sociedade quererá saber: que empresa está por trás dessa ou daquela marca? Como a empresa utiliza os recursos naturais? Que tipo de tratamento dá aos colaboradores e seus familiares? Ela remunera adequadamente, compartilha os lucros com os empregados por meio de um programa com regras claras e transparentes? Ela se coloca como mais um ator dentro do contexto social ou ainda trata as pessoas como pertencentes ao seu “entorno” como se a empresa fosse o centro do mundo?  Sua cadeia de produção respeita o ser humano, ou ela explora direta ou indiretamente o trabalho escravo e infantil? Como são tratadas as pessoas com necessidades especiais? Age com equidade quanto à origem, gênero etc. ou há discriminação e assédio moral ou sexual? Como é o seu plano de crescimento sustentável? Qual o investimento em inovação? Que esforços a organização está fazendo para se reinventar? Ela possui um programa social consistente ou ainda permanece presa à visão arcaica dos projetos reativos e meramente assistencialistas e ao greenwashing? Age estritamente em obediência à Lei, ou vai além e se coloca na vanguarda de importantes conquistas para a sociedade?

Ou seja, fazer negócio ficou muito mais complexo. Mas também ficou muito mais rico: que grandes oportunidades esperam as empresas! Mas é preciso saber se comunicar nesse novo ambiente. Como fazê-lo? Do velho modo? Com as velhas premissas? A simples reflexão sobre as questões acima e centenas de outras, as quais compõem o verdadeiro repertório que envolve uma organização atualmente, comprova que aquela visão restrita, arcaica e mesquinha sobre a comunicação como mera ferramenta traz cada vez menos resultados. No âmbito dos negócios ela tende a ser cada vez mais danosa à empresa, aos acionistas e à sociedade, pois gera entropia e coloca em risco a própria sobrevivência dos negócios. Os próprios colaboradores são os primeiros a questionar. Eles não acreditam mais no modo incongruente de pensar e agir de seus empregadores, e estão cada vez mais confusos e insatisfeitos. Minha experiência de campo, nos últimos anos, ao lado da colega especialista organizacional, pesquisadora e professora Nádia Rebouças – que já entrevistou em profundidade mais de 10 mil trabalhadores no Brasil e em outros países, dá-nos uma base muitíssimo consistente quanto a isso e tantas oportunidades de melhoria das empresas.

Mesmo os grandes monopólios e setores da economia que até algumas décadas atrás se julgavam protegidos por não terem contato direto com os públicos finais, sem se preocupar em aperfeiçoar suas comunicações, têm enfrentado crescentes resistências da sociedade civil organizada e dos governos. As áreas de mineração, óleo e gás que o digam! E esses choques tendem a se intensificar se não houver uma mudança de postura efetiva, rápida e inovadora por parte desses grandes conglomerados.

Hoje, apenas na cabeça dos dinossauros os negócios se restringem aos muros, relações e interesses exclusivos da empresa. De fato, isso nunca foi uma verdade estrutural e sim um desvio comportamental. Ocorre que as conseqüências danosas desse pensamento eram ignoradas ou escondidas debaixo do tapete. Agora, o tapete sumiu e pobre dos acionistas, empresários e executivos que não tiverem a compreensão ampla e profunda do fenômeno da comunicação e das relações humanas, diante da “nova gramatura do mundo” (6).

 

A filosofia da Comunicação como “Energia Vital”: implicações e aplicações

A visão reducionista que trata a comunicação como mera ferramenta manipulável, ignora por completo que essa força é o próprio elã que move as pessoas e as organizações, desde as comunidades locais até a sociedade global, em nossos dias. Mas, principalmente, não nos esqueçamos de que isso não é e nem poderia ser algo novo: a história da civilização é a própria história da comunicação. Não há como distinguir ou tentar separar uma da outra.

Se quisermos ir ainda mais a fundo - e isto pode nos ser útil como um exercício filosófico de desconstrução daquilo o que acreditamos saber sobre a comunicação - basta lembrar que se trata de um fenômeno que antecede o humano. As manifestações bioquímicas que fundaram o edifício da Vida, a de todos os seres que nos precederam e daqueles que ainda convivem conosco, no globo terrestre, são a própria comunicação manifestada ininterruptamente entre os diversos sistemas em plena evolução na Natureza. Se a Natureza parasse de comunicar neste exato momento, nada mais existiria. Essa lei se aplica a todo o Universo conhecido.

Por extensão dessa dinâmica, a comunicação humana pode ser vista como uma decorrência natural da própria forma como fomos criados pelo Verbo da Vida, não importa se sob uma ótica criacionista ou evolucionista – isto funciona em ambos os casos. Em outras palavras, somos capazes de nos expressar, porque somos também e fundamentalmente uma expressão viva. Lidar com a comunicação, portanto, implica mergulhar em um universo causal, intangível e poderoso, cujos matizes ainda mal conhecemos – por mais que nossa arrogância nos diga o contrário. Estamos mergulhados na comunicação tal como os peixes o estão na água. Mas, afinal, o que isso tem a ver com as empresas e seus negócios, governos e organizações em geral?

Como vimos, a comunicação é um fenômeno caracteristicamente sistêmico, e é isto o que a torna essa energia vital, poderosa e transformadora. Profissionais de comunicação têm de ter a habilidade de navegadores experientes: eles sabem que por mais que já tenham navegado em determinadas águas, elas nunca serão as mesmas. No decorrer do processo comunicativo, e dependendo do ambiente e das condições em que ele ocorra, pode haver imensa variância de “respostas” que reverberam como ondas: envolvimento e combinação, descoberta e produção de conhecimento, coletivização da informação, impulsos criativos, dúvidas, questionamentos, discordâncias, discussões e enfrentamentos, abertura de negociações, firmes tomadas de posição entre as partes etc. Em seu desenvolvimento, é pressuposto no “êthos” de qualquer ato de comunicação que haja entre as partes envolvidas no processo dialógico, não excluindo outras condições basilares, sobretudo as de ordem técnica: a) espírito aberto e respeito às diferenças, e b) o compromisso com a superação de eventuais conflitos, a busca pela elevação, o bem comum e a verdade – o que evoca a alma dialética do platonismo.

É somente desse modo que se pode obter um entendimento integral das relações envolvidas. O modelo oriundo desses princípios, holístico por definição, é de valor incomensurável para as organizações, assim como para todas as partes envolvidas. Entre os muitos resultados de fundamental importância, nossa vasta experiência de campo nas últimas três décadas, nos mais diferentes mercados, tipologias organizacionais, localidades, condições e com os mais variados públicos, nos permite afirmar categoricamente que existe uma espécie de equação, um encadeamento cognitivo particularmente capital à abordagem que defendemos. Isto poderia ser resumido de modo bastante simples da seguinte forma: a construção da confiança (ligada à dimensão psicológica do afeto), seguida de uma riquíssima interação entre os mapas mentais das diferentes partes envolvidas – trazendo motivação para a continuidade e evolução do processo comunicativo –, e a conseqüente geração das condições ideais para que as decisões mais pertinentes e adequadas sejam tomadas de forma volitiva, ou seja, mais objetiva e consciente. As ações efetivas decorrentes desse encadeamento são sempre avaliadas entre as partes, gerando feedback e incrementando a transformação da realidade de maneira realmente impressionante, quer para a organização, quer para os públicos envolvidos.

Aqui reside um dos aspectos mais valiosos da abordagem da comunicação como energia vital: ela gera “consciência organizacional”. As comunidades humanas em geral, incluindo as organizações, parecem responder de maneira dinâmica aos mesmos processamentos dos indivíduos, nos quais o intelecto e o afeto “estão inteiramente enraizados em suas inter-relações e influências mútuas” (7). E isso reforça mais uma vez os motivos pelos quais é tão importante não amordaçar a essência sistêmica da comunicação com o atomismo da abordagem mecanicista e ferramental, a qual trata os elementos, sejam eles técnicos ou humanos, ou mesmo os fatos, como partes isoladas do todo – uma estupidez inominável. Como se pode perceber, a abordagem da comunicação como energia vital é globalizante pelo seu caráter holístico e sistêmico. Por nenhum outro motivo creio ser este o modelo mais adequado em um mundo cada vez mais conectado em termos globais. Não é um mero jogo semântico, é uma potencialidade qualitativa compartilhada entre o método e o ambiente dado. Portanto, este modelo deve ser o Norte da nova Comunicação Empresarial e Organizacional, orientando todas as suas manifestações, sem distinção. Este é o caminho para o que chamo de “Ressignificação da Comunicação Organizacional e Empresarial”, em substituição a um modelo arcaico, desumano e perigoso para as próprias organizações, por tudo o que foi aqui apresentado.

Retrocessos? Sim eles existem. E são causados em sua totalidade pela interrupção desse processo construtivo e participativo, em estágios ainda iniciais ou intermediários, na maioria das vezes quando da assunção de novas lideranças pouco comprometidas com a comunicação e insensíveis em termos de relações humanas.

 

Imensos desafios a superar: tecnologia sozinha não é resposta para nada!

Como vimos o conceito de comunicação amplo - no qual o fenômeno simbólico é compreendido em toda a sua extensão, beleza e singularidade -, implica uma dinâmica de natureza simbiótica entre a organização e seus públicos, a ponto de, pouco a pouco, ao longo do tempo e da maturidade do processo, esvanecerem os “muros” que ainda traçam os limites entre uns e outros.  Em outras palavras, a comunicação como energia vital das relações extrapola os estreitos e mesquinhos limites da própria organização e se traduz em um fenômeno de agregação social – este, o principal objetivo da ressignificação.

Mas como praticar a boa comunicação nas empresas, por exemplo, se, como afirma Kotler (8), os departamentos das empresas, ainda “operam para maximizar seus próprios objetivos e não necessariamente os objetivos da empresa”? O que se dirá, então, da empresa em relação à sociedade? Como superar esse desafio? Ora, os mais avançados e reputados institutos e centros de excelência em inovação do mundo são unânimes: a simbiose entre as organizações e os atores sociais multiplica exponencialmente a capacidade de inovação. E nesse contexto, a comunicação é o elemento mais importante para o envolvimento dos públicos e a criação das condições ideais para inovar. Tendo a acreditar que prevalecerá o bom senso.

A função da comunicação organizacional é deixar fluir as energias dos atores envolvidos e, ao mesmo tempo, ser proativa em relação a elas: compreendê-las, estudá-las fenomenologicamente, edificar novos princípios e construir novas alternativas, mais adequadas às expectativas de uma sociedade capitalista em plena reorganização, na difícil, porém explícita “modernidade líquida” de Bauman (9), com todas as suas “condições cambiantes da vida social e política”. É trazer isso para dentro das organizações como base fundamental para a evolução de suas legítimas aspirações, na construção de propósitos profundos. É prover e dar suporte às lideranças capacitando-as, com compreensão e sensibilidade, de modo a ajudá-las na desafiadora tarefa de gerir pessoas. É mandatório criar sentidos que, por sua vez, gerem felicidade motivacional – a melhor, senão a única forma de retroalimentar a inteligência processual das organizações e permitir inovações radicais, aí sim, com geração real de valor à luz dos novos tempos.

A função da comunicação organizacional é também utilizar a tecnologia em benefício do contexto, da mudança, e não se colocar no papel ridículo de gastar uma enormidade de recursos para expressar em uma “vitrine digital” as mesmas velhas ideias e premissas requentadas, embaladas em modernidade (às avessas), só porque se utilizam de plataformas tecnológicas. E é isto o que é mostrado a mais das vezes em muitos seminários e congressos que se tornam cada vez mais inúteis e difíceis de serem “engolidos”. Felizmente é algo que está ficando ridiculamente visível; o joio está se separando do trigo, afinal.

Sim, é claro: pela primeira vez na história estamos diante de uma geração verdadeiramente globalizada. Conectada pela tecnologia. Esses jovens e seus tablets e smartphones, navegando pelas redes sociais, apreendem, criam e redesenham o mundo à sua volta por meio de modelos mentais digitais. Mas não se deixem enganar: é o modo como as organizações utilizam as novas tecnologias, as quais estão apenas engatinhando, e não o uso em larga escala de tecnologia com a velha mentalidade, o que fará toda a diferença e trará reconhecimento dos públicos, e fará eclodir possibilidades transformadoras. Se não for assim, a tecnologia apenas acelerará a nossa derrocada.

Enquanto isso não acontecer, muitos comunicadores em suas organizações continuarão a se prestar a um papel dispensável e patético: o de produzir conteúdos inúteis – antes para abastecer os house journals e murais, e hoje as redes sociais e a intranet. Será tudo mais do mesmo, incluindo fotos sorridentes que mascaram a mesquinhez, a arrogância e a prepotência a oprimir trabalhadores e comunidades, realidades ainda típicas em boa parte das estruturas empresariais capitalistas, enquanto se tenta passar a falsa imagem de “um mundo ideal”.

É nesse ponto exato que repito e finalizo meu artigo: a Comunicação não é uma “ferramenta” para a transformação das empresas e da sociedade. A comunicação é a própria transformação das empresas e da sociedade! e, talvez, a tradução mais natural, moderna e contundente do que venha a ser liberdade e igualdade para os seres humanos e suas organizações prosperarem em um novo mundo, quem sabe de paz e fraternidade... Ou não é isso que almejamos? Ou não é para isso que trabalhamos arduamente?

Eu os convido a pensar nisso com a devida seriedade e consciência. Sobre a compreensão ampla do fenômeno da comunicação como energia vital das empresas e do mundo. Disso depende – acreditem – grande parte do destino que estamos a construir neste exato momento para a nova humanidade que emerge e está sendo gestada, ainda que em meio a tantos riscos, ódios e desequilíbrios.

 

 

Referências bibliográficas

  1. BANDLER, Richard; GRINDER, John. ‘REFRAMING’. Real People Press, USA, 1982.
  2. DA SILVA, Francisco Carlos Teixeira; MEDEIROS, Sabrina; VIANNA, Alexander Martins (organizadores). ‘ENCICLOPÉDIA DE GUERRAS E REVOLUÇÕES – Volume III 1945 – 2014: A Época da Guerra Fria (1945 – 1991) e da Nova Ordem Mundial’, Campus/Elsevier Editora, Brasil, 2015.
  3. FISCHER, Desmond. ‘O DIREITO DE COMUNICAR: Expressão, Informação e Liberdade’. UNESCO/Editora Brasiliense, Brasil, 1984 .
  4. GOBÉ, Marc. ‘A EMOÇÃO DAS MARCAS: Conectando Marcas às Pessoas’. Negócio Editora, Brasil, 2002.
  5. LEV, Baruch. ‘INTANGIBLES – Management, Measurement and Reporting”. Brookings Institution Press, Washington, D.C., USA, 2001.
  6. NASSAR, Paulo. ‘A NOVA GRAMATURA DO MUNDO’. Entrevista a Pedro Venceslau, ‘REVISTA IMPRENSA’, Edição 228, Brasil, 2007.
  7. DE LA TAILLE, Yves; OLIVEIRA, Marta Kohl; DANTAS, Heloísa. ‘PIAGET, VYGOTSKY, WALLON: Teorias Psicogenéticas em Discussão’. Summus Editorial, Brasil, 1992.
  8. KOTLER, Philip. ‘ADMINISTRAÇÃO DE MARKETING’. Atlas, Brasil, 1998
  9. BAUMAN, Zygmund. ‘MODERNIDADE LÍQUIDA’. Zahar Editores, Brasil, 2001.

Os artigos aqui apresentados n�o necessariamente refletem a opini�o da Aberje e seu conte�do � de exclusiva responsabilidade do autor. 1851

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