Eles conseguiram nos partir ao meio... A quem isso interessa?
O Brasil possui hoje uma sociedade polarizada e perdida em meio a um enredo odioso, claramente manipulado por uma classe política perversa e uma mídia comprometida até o pescoço. O povo continua a buscar um “salvador da pátria”, mesmo que seja um regime autoritário, porque talvez nunca tenha acreditado em si mesmo. Enquanto isso, as transformações civilizatórias que poderiam mudar a face do país e nos trazer à vanguarda do mundo estão ficando para trás. Afinal, que “Democracia” é essa?
O discurso que vem se repetindo nos últimos doze anos de jogar os "pobres" contra a classe média, e a classe média baixa contra a classe média alta deu certo. Lembram-se do emblemático discurso de Marilena Chauí, aplaudido por Lula: "Eu odeio a classe média”? Quem não o viu, acesse e compreenderá de modo exemplar a que me refiro:
O país está dividido! Nas eleições, nos comportamentos, nas cores (há agora os verde-amarelos e os vermelhos). Em radicalizações perigosas que vão desde pedir uma nova intervenção militar, até a ameaça de colocar guerrilheiros do MST para defender o governo Dilma, conforme disse Lula, recentemente, referindo-se ao "exército de Stédile" (sic). Como se o próprio ex-presidente já não estivesse "tramando" contra ela (ou com ela?).
Agora, cogita-se organizar uma manifestação nacional de apoio ao PT, em contraponto aos que foram às ruas no dia 15 de Março pedir a saída da presidente Dilma. Considero igualmente legítimo! Mas seriam respeitados os manifestantes? Ou isso seria visto como um ato de provocação e haveria conflitos nas ruas? Seremos uma Venezuela?
Pois há o povo nas ruas. Mas há o ódio que semeia o ódio, em meio às manifestações legítimas - algo que me assusta e me preocupa.
Mas o que me passa pela cabeça, sobretudo quando acompanho a cobertura da mídia, em especial "aquela" mídia, é se isso tudo não faz parte de um esforço deliberado para incitar um clima de instabilidade tal que justifique, isto sim, não a queda de Dilma, objetivamente, mas um mandato tampão do PMDB. Algo finamente desenhado e orquestrado pelos dinossauros da política, e em cujo plano a presidenta não seja uma vítima, mas uma partícipe utilíssima para que se cumpram os "quarenta anos no poder" - explícitos na cartilha situacionista.
Não se espantem! O gado não tem ideia de que já está marcado. Há tempos! De que come a ração que lhe é dada. Que se movimenta ao tom do berrante manipulador da mídia, a qual é tão contestadora quanto um sindicato pelego e tão subserviente quanto uma agência de publicidade diante de seu maior cliente. E assim, o povo se deixa iludir pelos discursos veiculados, tão eloquentes e incitativos quanto insidiosos.
Os cidadãos votam acreditando que isso dá a eles o "poder” de eleger seus representantes. Mas, na verdade, há o sistema de cotas partidárias, o uso da máquina pública, o voto obrigatório, os votos de cabresto - ainda muito frequentes e eficientes em várias regiões do Brasil, os acordos escusos entre os caciques da política – sobre os quais vamos dizer a verdade: estão aí desde o regime militar, ou são filhos ou netos dele. Aliás, o próprio regime militar deu a Lula o melhor palco que ele jamais teve. O Lulismo, afinal, não será um filho bastardo do regime militar? A face oposta da mesma moeda?
Há ainda a mídia que confunde para dizer-se isenta e se isenta para acobertar seus rabos presos. As decisões pós-eleições que descumprem sem a menor cerimônia o prometido, as mentiras e as falcatruas. O envolvimento vergonhoso de grandes corporações a financiar a corrupção, desde que obtenham com isso vantagens e lucros. Tais empresas pisam com seus pés imundos sobre seus bem escritos statements e “códigos de ética” – sinal de que nem mesmo elas acreditam nos conceitos fundamentais dos seus negócios. Mentem? Sim, descaradamente! Para o povo, para o mercado e para elas próprias. Capitalismo? Não, hipocrisia.
Pois bem, tudo isso já nos mostrou que eleições diretas são apenas uma entre as muitas dimensões da Democracia a qual, no Brasil, convenhamos, está muitíssimo distante de seu sentido mais basilar, o de garantir e representar a soberania do povo.
A "Democracia brasileira" é um arremedo tão grotesco quanto uma cópia pirata de uma marca renomada dessas que os camelôs trazem do Paraguai. É uma piada de extremo mau gosto. Mas é pior do que isso: é de um fedor nauseante. A classe política, esta sim a verdadeira “elite”, é atrasada, aguerrida ao ópio de um poder perverso, depressor e jamais transformador. São pessoas amaldiçoadas pela forma como encaram a vida. Pelo fato de se julgarem ungidas por algum poder divino, acima do bem e do mal, assim como acreditava Hitler. E por saberem que o povo sempre sobreviverá com as cascas que lhes são atiradas, a manipulação continua. E se perpetua o jugo dos que tomam o Estado de assalto, seja pela força das armas, seja pela ilusão das urnas. Quando dominam o "lugar de poder" fazem dele o seu quintal, o seu Olimpo. Como são malditos os nossos deuses!
Creio que é por isso que alguns defendem a volta de um regime autoritário; mesmo os muitos jovens que nem mesmo o viveram. Como nunca tiveram a experiência de uma Democracia legítima e plena, confundem isto que aí está com "Democracia" e a rejeitam. Não é Democracia! Estamos muito longe disso. Mas, convenhamos: a troca de canalhas "de esquerda" por canalhas "de direita" não é uma solução.
A política brasileira é uma fábrica de coronéis e seus descendentes, assim como os presídios são fábricas dos piores criminosos e seus sucessores. E é igualmente eficiente na manipulação, a ponto de ter nos rachado ao meio, de ter criado “duas espécies de brasileiros”, de incutir em nós uma dicotomia míope - mais do que isso, cega. Assim, tirou-se da sociedade o foco da discussão sobre uma reforma política ampla e estrutural. De uma mudança efetiva no modo de ser da Nação, mirando o futuro, harmonizando as nossas vocações mais promissoras. De um Estado moderno, o qual promova as condições para uma sociedade mais justa, melhor educada e preparada para enfrentar esse novo mundo, que incentive seus empreendedores, que respeite suas crianças, que proteja seus cidadãos. Que elimine, enfim, as correntes do atraso civilizatório - uma das nossas mais tristes e emblemáticas marcas, conhecida em todo o planeta.
E aqui estamos, neste momento histórico, de imensas possibilidades, discutindo pobremente as migalhas, as opções que nos são permitidas, os caminhos que vão dar no mesmo lugar. Estamos legitimando a trama, ingênuos, cheios de rancor pelo outro, quando deveríamos estar plenos de amor pelo país e de coragem contra esse sistema perverso e vadio e seus perpetuadores.
Somos todos idiotas? Os que ficam em casa e os que vão às ruas? Caímos todos no conto do vigário?
O povo também acreditou que foi a pressão popular das “Diretas Já” o que levou à “redemocratização” - o que não é uma total inverdade. Mas os militares já haviam tomado a decisão de deixar o poder desde o governo de Ernesto Geisel. Era uma questão de "resolver as coisas entre eles" – o que não era lá muito fácil. Havia a necessidade de palco para gerar apoio popular e viabilizar a transição. As ruas eram necessárias, foram previstas e negociadas. Quando Figueiredo deixou o poder disse: "Graças a Deus! Passou do tempo".
Muitos de nós estávamos lá; eu estava lá. E entre eles, no palanque, em 1984, FHC e Lula, os dois gigantes da política brasileira contemporânea e que representam, simbolicamente, um país dividido nas urnas. Mas pior do que isso: um país que não se reconhece por inteiro. Uma Nação que se divide como se dividem cruzeirenses e atleticanos, corintianos e palmeirenses, flamenguistas e fluminenses... O que somos? Torcedores? Tribos? Castas? Bem educados e semianalfabetos? Da esquerda ou da direita? Ricos e pobres? Comunistas e anticomunistas? Tucanos e petistas? Lulistas e Aecistas? "Nortistas" e "Sulistas"? Morro e asfalto? Bairro nobre e periferia? Vejam quantos motes temos para nos dividir e o quanto é triste esse mapa mental.
E aí está o resultado: não nos enxergamos como cidadãos de uma Nação inteira, única! Por mais que se cante o Hino Nacional e se agite o pendão da pátria, nas manifestações de um lado e de outro. Para cada "facção" a bandeira e o hino já não possuem o mesmo significado.
Afinal, que pátria é essa? Nós amamos o nosso país por inteiro? Ou amamos o “nosso pedaço", aquilo o que julgamos egoística e preconceituosamente ser o "melhor Brasil" sob o ponto de vista dos nossos interesses pessoais e da nossa comodidade, em detrimento de uma visão social humanista, inclusiva, participativa e, isto sim, democrática? Será que nos deixamos contaminar tanto assim pela antiética política brasileira e passamos a pensar com tamanha mesquinhez? Ou isto é somente o resultado de como temos sido tratados e de como temos nos comportado desde os primórdios: gado! Gado, aliás, que quando está gordo não chia.
Diferenças são sempre bem vindas e, sim, democráticas, necessárias e fundamentais. Somos um país plural, de enorme diversidade – uma de nossas mais notáveis e admiráveis qualidades. Mas não é disso que falo. Digo que estamos cingidos. Eles conseguiram nos dividir, mais uma vez. Com seus discursos de ódio entre as classes, com a polarização entre o Norte e o Sul. Com tantas acusações recíprocas de corrupção que nos confundem. Tentam provar que um é mais safado do que o outro, como se isso pudesse isentá-los da culpa.
E o povo? O povo toma o partido deste ou daquele, desiste, ou vota no Tiririca, porque, de fato, já perdeu a fé em si mesmo e não consegue mais esboçar uma reação fora do quadrado, organizar-se fora do sistema que nos submete e oprime. E é exatamente isto que precisa ser mudado, não as legendas, não a supressão das liberdades civis e do estado de direito.
Mas, afinal, o que queremos? O que buscamos? Esperamos por um milagre? Queremos um pai ou uma mãe para a Nação? Não percebemos ainda que a representatividade executiva e legislativa está quase toda contaminada neste país? E que está na hora de exercermos a Democracia Participativa – e que para isso não precisamos nem de militares insurgentes, nem da guerrilha do MST, apenas da nossa própria inteligência, organização, coragem e protagonismo? E, talvez, por não sabermos ou não acreditarmos nisso tão plenamente, eles nos dividiram! Entre prós e contras alguma coisa que não sabemos exatamente bem o que é; mas temos a certeza de que o "outro" é o culpado. Mas como, se o "outro" é simplesmente a outra face de nós mesmos?
Enfim, eles nos dividiram! E eu fico aqui me perguntando: a quem isso interessa? A quem isso interessa...
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