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COLUNAS


Mário Mazzilli


Diretor Superintendente do Instituto CPFL, organização que mantém um dos mais amplos e duradouros programas culturais desenvolvidos por uma empresa privada brasileira.

Sociólogo graduado pela FFLCH/USP, com especialização em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas/SP (CEAG) e mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP.

Atua há mais de 20 anos no setor cultural, foi o primeiro editor da revista Observatório Itaú Cultural e desenvolveu projetos de Comunicação Empresarial para empresas e instituições no Brasil e no exterior como: Itaú Cultural, Odebrecht, Centro Cultural Banco do Brasil, Editora Planeta, Frankfurt Book Fair (Alemanha), Vergara & Riba Editora (Argentina), Editora Globo, Editora Unesp.

Professor e articulista do CEMEC – Polo Criativo do portal Cultura e Mercado e da Casa do Saber.

Autor do blog O Valor da Cultura.

Cultura e Relações Internacionais

              Publicado em 23/03/2015

A cultura planetária requer o livre florescimento das culturas através de formas complexas de trocas dialógicas...

Edgar Morin, Pensar a Europa (1990)

No dia 23 de março de 2015, foi apresentado na sede do Parlamento Europeu, em Bruxelas, o relatório com as principais conclusões de um grande projeto da União Europeia: Cultura nas Relações Exteriores da União Europeia. O relatório sistematiza alguns dos resultados de uma grande conferência internacional que aconteceu na mesma Bruxelas em abril de 2014, além das informações de uma ampla pesquisa dirigida pela Comissão Europeia, através de um consórcio liderado pelo Instituto Goethe. A pesquisa foi realizada a partir de janeiro de 2013 e abarcou 54 países – os 28 Estados Membros da União Europeia, os 16 países incluídos na Política Europeia de Vizinhança e 10 países considerados de associação estratégica, entre eles o Brasil. Afirma que a “cultura possui um enorme potencial nas relações internacionais da União Europeia” e destaca que “os atores europeus utilizaram a cultura e as expressões culturais nas suas múltiplas relações com seus homólogos de outros países”. A definição de atores é ampla e inclui os próprios Estados Membros, artistas e profissionais dos setores artísticos e culturais (operadores culturais), ONGs e outras entidades da sociedade civil dedicadas à animação e/ou produção cultural e, finalmente, o setor empresarial.

As primeiras conclusões da pesquisa e da conferência de 2014 apontam para a criação do conceito de Cidadania Cultural Global que pressupõe direitos e responsabilidades culturais compartilhadas. Na maneira como está atualmente formulada pela União Europeia, a Cidadania Cultural Global ainda é um processo e não um produto final, “um horizonte de aspiração, algo a ser desenvolvido e que requer aprendizado mútuo, especialmente sobre como viver com os outros em um espírito de solidariedade cosmopolita”. Mesmo sendo uma espécie de “work in progress”, este novo conceito de cidadania já tem alguns direcionadores estratégicos bem delineados:

  1. Reciprocidade e mutualidade, especialmente a capacidade mútua de ouvir e aprender;
  2. Respeito à liberdade de expressão, à reflexão crítica e ao debate livre;
  3. Fortalecimento da sociedade civil;
  4. Melhor comunicação e eliminação de barreiras à mobilidade;
  5. Gradualismo e flexibilidade.

Finalmente, a União Europeia define cinco possíveis núcleos temáticos para o desenvolvimento de projetos-piloto que poderiam materializar o conceito de Cidadania Criativa Global:

  • Economia da Cultura;
  • Desenvolvimento de Políticas Culturais;
  • Cultura e Desenvolvimento;
  • Cultura e Transformação Social;
  • Cultura e Conflito.

O conjunto de ações do projeto Cultura nas Relações Exteriores da União Europeia” é mais um desenvolvimento institucional que comprova a centralidade dos processos culturais no mundo globalizado e sua capacidade de proporcionar o intercâmbio de valores, conceitos e formas de ver e estar no mundo, valorizando e legitimando a diversidade cultural em suas múltiplas manifestações. Os impactos nas políticas públicas de cultura dos países pesquisados já se fizeram sentir durante a fase de pesquisa e preparação dos documentos para a discussão no Parlamento Europeu e, seguramente, influenciarão a ação dos agentes culturais públicos e privados nos próximos anos. Este é o caso do Brasil, país do grupo de interesse estratégico para ampliação das relações artísticas e culturais com os Estados Membros da União Europeia, que poderá, eventualmente, se beneficiar da implantação de uma política europeia de relacionamento cultural inspirada pelo conceito de Cidadania Cultural Global.

 

O caso brasileiro

A parte da pesquisa desenvolvida no Brasil, através de publicações e de entrevistas com autoridades federais de cultura e de relações internacionais, intelectuais e gestores culturais, foi feita durante o ano de 2013 e descreve um cenário majoritariamente otimista, ainda não impactado pelas manifestações de ruas de junho de 2013 e pela atual crise política. Apesar disso, muitas de suas conclusões, que objetivam ações de médio e longo prazos, continuam válidas.

Uma das poucas vozes dissonantes do otimismo geral refletido na pesquisa foi a do professor, escritor e curador Teixeira Coelho. Para ele, governos e organismos multilaterais como a própria União Europeia deveriam se abster de intervir na área cultural. Cultura e arte pertencem à esfera da sociedade civil e o poder real deveria ser dado aos verdadeiros stakeholders em cultura e arte: os artistas, os produtores culturais e as instituições artísticas e culturais. Em relação aos intercâmbios internacionais, Teixeira Coelho prefere a ação de instituições internacionais como o Instituto Goethe que, apesar de ser financiado pelo governo alemão, não faz parte da estrutura governamental e seus colaboradores não são funcionários públicos. Propõe, ainda, uma inovadora forma de financiamento, o “Banco Internacional de Desenvolvimento para a Cultura”, que apoiaria a reciprocidade nas relações internacionais e no intercâmbio de cultura e arte. Esse banco não financiaria governos ou estados, mas apenas instituições e artistas individuais.

 

Principais conclusões

O Sumário Executivo do relatório da pesquisa destaca alguns fatores de interesse nas relações internacionais com o Brasil:

  1. Atratividade do Brasil como um dos BRICs;
  2. Expansão da oferta cultural interna;
  3. Organização da Copa do Mundo e da Olimpíada, o que estimulou as autoridades a investir na imagem e na marca internacional do país;
  4. Crescimento da classe média e aumento de seu poder de compra levou à expansão do setor cultural;
  5. Produção, distribuição e consumo estão explodindo nas áreas de cinema, música e arte visuais
  6. Crescimento no número de instituições culturais como museus e galerias de arte.

Além desses aspectos, ressalta o apoio governamental às atividades culturais através de incentivos fiscais como a Lei Rouanet e o Vale Cultura, o que permite que “cada vez mais pessoas criativas se tornem capazes de viver da prática de sua arte”.

Apesar de reconhecer que alguns críticos locais veem na política pública brasileira de cultura uma prática constituída por “ausências, autoritarismos e instabilidades”, a pesquisa afirma que ela também é reconhecida como “uma das mais bem estruturadas da América Latina, notadamente no que diz respeito ao financiamento em geral e ao apoio das indústrias criativas em particular”.

São reconhecidos os esforços recentes do Brasil como organizador ou convidado de honra de grandes eventos culturais no exterior, todos focados na “difusão da complexidade e riqueza da vida cultural brasileira”, com destaque para a Feira de Livros de Frankfurt, em outubro de 2013, o Mês do Brasil na China, em setembro de 2013, o Ano do Brasil em Portugal e o Ano de Portugal no Brasil, de setembro de 2012 a junho de 2013, e a presença do país na Europalia, em Bruxelas, de outubro de 2011 a janeiro de 2012. Apesar de reconhecer a qualidade da abertura para o exterior, o relatório lamenta que a maioria dos eventos de dimensão internacional envolve “trazer outras culturas para o Brasil em vez de projetar a cultura brasileira no exterior”.

Ainda segundo o relatório, as atividades culturais “são extensivamente patrocinadas por bancos e grandes empresas através da Lei Rouanet, o bem conhecido sistema brasileiro de incentivo fiscal”. Segundo o relatório, “a Lei Rouanet é uma importante ferramenta de financiamento das atividades culturais no Brasil” e sua implementação foi bem sucedida, “a despeito das críticas dos pequenos agentes culturais”. No entanto, segundo o documento, seu foco tem sido o financiamento de projetos internos e não está claro se poderá se transformar em um apoio para financiar operadores culturais brasileiros com projetos culturais de alcance internacional. Um desenvolvimento desejável das leis de incentivo seria sua utilização para fortalecer a cooperação econômica através de projetos internacionais realizados por indústrias criativas brasileiras.

Alguns exemplos práticos de intercâmbio apontados na pesquisa:

  1. Troca de experiências: o Brasil poderia exportar seus projetos sociais para a Europa e demonstrar o uso da cultura como “tecnologia social” de favorecimento da inclusão social de cidadãos em territórios vulneráveis. Por outro lado, a União Europeia poderia exportar ao Brasil seus mecanismos de gestão de instituições culturais;
  2. Compartilhamento de informações: a União Europeia poderia mapear os operadores culturais dos Estados Membros interessados em trabalhar com o Brasil e enviar ao país uma delegação oficial;

Em complemento a essas formas de intercâmbio, a cooperação com a União Europeia poderia ser dividida em três núcleos de atividades: intervenção artística e trocas culturais, transferência de tecnologia e negócios criativos, incluindo a identificação das companhias privadas interessadas em ações culturais no exterior. Do lado europeu, entre as instituições com interesse imediato estão a Tate Modern, o Victoria and Albert Museum, ambos de Londres, e o Centro Pompidou, de Paris. Para os realizadores da pesquisa, o Brasil poderia rapidamente mapear seu setor criativo e cultural, inclusive as empresas privadas, e compartilhar essas informações com a União Europeia.

A inclusão do setor empresarial como um dos atores relevantes na internacionalização cultural desafia as empresas brasileiras que investem regularmente em arte e atividades culturais a expandir suas atividades para além do território brasileiro.

Este quadro abre para nós, gestores culturais e profissionais de comunicação empresarial, um campo novo e promissor que nos permitirá acompanhar – ou, em alguns casos, liderar - a expansão global de nossas marcas através da cultura.


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