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COLUNAS


Mário Mazzilli


Diretor Superintendente do Instituto CPFL, organização que mantém um dos mais amplos e duradouros programas culturais desenvolvidos por uma empresa privada brasileira.

Sociólogo graduado pela FFLCH/USP, com especialização em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas/SP (CEAG) e mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP.

Atua há mais de 20 anos no setor cultural, foi o primeiro editor da revista Observatório Itaú Cultural e desenvolveu projetos de Comunicação Empresarial para empresas e instituições no Brasil e no exterior como: Itaú Cultural, Odebrecht, Centro Cultural Banco do Brasil, Editora Planeta, Frankfurt Book Fair (Alemanha), Vergara & Riba Editora (Argentina), Editora Globo, Editora Unesp.

Professor e articulista do CEMEC – Polo Criativo do portal Cultura e Mercado e da Casa do Saber.

Autor do blog O Valor da Cultura.

O valor da cultura nas organizações contemporâneas

              Publicado em 17/11/2014

Vivemos um período de aceleradas transformações culturais. Nossa sociedade, difusa e fragmentada, está pautada e organizada pelo conhecimento, pela cultura, pelo entretenimento. As relações sociais cada vez mais se expressam através das interações entre valores simbólicos. Neste contexto, a cultura é crescentemente entendida como o elemento central e estruturante do mundo globalizado, capaz de construir valores simbólicos, reforçar identidades, valorizar patrimônios físicos e imateriais e construir projetos coletivos de vida.

Os processos culturais proporcionam o intercâmbio de valores, conceitos e formas de ver e estar no mundo, reconhecendo e valorizando a diversidade cultural em suas múltiplas manifestações. Resultado da crescente legitimação dos fenômenos culturais, a ONU compara a liberdade cultural à democracia e à economia, e considera o exercício da liberdade cultural como parte vital do desenvolvimento humano.

A cultura deixa de ser vista como um aspecto acessório ou indicador de refinamento social. Passa a ser entendida como um direito social, assim como saúde, educação e segurança pública.

Nos últimos anos, para além do campo do simbólico, sua grande capacidade de gerar valor econômico tem sido reconhecida e estimulada por organizações e empresas privadas.

O Relatório de Desenvolvimento Humano 2004 da ONU informa que o comércio mundial de bens culturais cresceu quatro vezes nas duas últimas décadas do século XX e que o PIB mundial da indústria criativa passou de US$ 95 bilhões em 1980 para mais de US$ 380 bilhões em 2000.

Mesmo países com economia atualmente baseada em produtos de baixo valor agregado, como a China, têm planos de, no curto prazo, transformar a cultura em “pilar da economia”, como declarou o seu ministro da Cultura à China Radio International, em 2013. A mesma matéria informa que, entre 2004 e 2010, a indústria cultural chinesa cresceu 23%, e que, em 2010, representou 2,78% do PIB do país. Na previsão do ministro, até 2016 a cultura deve ocupar 5% do PIB chinês. O setor experimenta um grande desenvolvimento, com o valor agregado da cultura ocupando espaço cada vez maior no produto interno bruto chinês. A intenção do governo é melhorar a distribuição, estabelecer um sistema moderno de cultura, aprimorar marcas chinesas e intensificar a competitividade das empresas da área¹.

Na França, um estudo recente, feito em conjunto pelos ministérios da Cultura e da Economia, e divulgado pela publicação La Tribune em 3 de janeiro de 2014, demonstra que o setor cultural francês contribui sete vezes mais que a indústria automobilística para o valor total do PIB.

São cerca de € 57,8 bilhões por ano, ou 3,2% do PIB. O número é consistente com o estudo da consultoria Ernst & Young, divulgado em novembro de 2013, que avaliou o valor dos investimentos diretos das indústrias culturais e criativas francesas em € 61,4 bilhões. Mas o impacto econômico da cultura não se resume aos investimentos diretos. As atividades culturais têm um efeito multiplicador para o restante da economia francesa da ordem de € 46,7 bilhões, graças aos materiais utilizados, aos aluguéis de espaços e de equipamentos, ao consumo de energia e muitos outros itens. No total, o impacto da cultura na economia francesa é de € 104,5 bilhões, perto de 6% do PIB.

Ainda segundo o estudo ministerial, apenas as empresas classificadas como culturais empregam 670 mil pessoas, em especialidades culturais ou não, o que significa 2,5% do emprego no país. A esse número se juntam mais 870 mil profissionais da cultura empregados em empresas não culturais.

São números impressionantes, mas deve-se levar em consideração que a França, a exemplo de muitos outros países, ainda não tem um sistema confiável de classificação das atividades culturais. E, apesar do grande esforço internacional, inclusive da Unesco, para o desenvolvimento de instrumentos de medida quantitativos e qualitativos, os modelos estatísticos hoje existentes parecem não funcionar adequadamente para os fenômenos da cultura.

Para o estudo citado, foram usadas as metodologias desenvolvidas pela União Europeia e pela Unesco, que agregam os valores gerados por áreas muito diferenciadas, como shows e espetáculos ao vivo, patrimônio material, artes visuais, imprensa, mercado editorial, setor audiovisual, publicidade, arquitetura, cinema, indústrias da imagem e do som, e sistemas de acesso ao saber e à cultura, como arquivos e bibliotecas.  Ainda que se possa questionar a pertinência dessas cifras, o estudo parece correto ao afirmar que “fica estabelecida uma correlação positiva entre a presença de um equipamento cultural e o desenvolvimento socioeconômico de um território”².

No Brasil, estudos pioneiros do IBGE e do Ipea estimam o setor cultural entre 1% e 2% do PIB. Também aqui, a exemplo das metodologias da União Europeia, incluíram-se no setor cultural atividades muito diversas que, no nosso caso, foram do tradicional circo à telefonia celular e à indústria de games. No entanto, ainda que os dados estatísticos brasileiros estejam em fase embrionária, impossibilitando, por exemplo, análises mais detalhadas e a construção de séries históricas, o reconhecimento da relevância econômica do setor já se estabeleceu e a disponibilização de informações qualificadas é, agora, uma questão de tempo.

Enquanto isso, as cidades, mesmo empiricamente, comprovam a importância da cultura para sua economia local e parecem confirmar o estudo francês. A programação cultural da cidade é, sem dúvida, fator de diferenciação na atração de turismo de negócios e de lazer, exigindo do poder público municipal e das empresas a invenção de novos papéis e de novas formas de interação criativa. Grandes eventos mobilizam toda a infraestrutura pública, com destaque para atividades de lazer e cultura, e recebem apoio de instituições e empresas privadas.

Alguns exemplos confirmam a relevância econômica e social das atividades culturais para a vida das cidades:

Barcelona 2004: Fórum Universal das Culturas — encontro mundial, com duração de 141 dias. Apoio de 20 empresas com investimento privado de € 70 milhões. Eixos temáticos: diversidade cultural, desenvolvimento sustentável, condições da paz.

São Paulo 2013: mais de 700 eventos culturais por semana (não inclui sessões regulares de cinema).

Paulínia (SP) 2011: 2ª Edição do SWU: 100 mil pessoas/dia, três dias de evento, camping com 2,5 mil barracas. Eixos temáticos: música e sustentabilidade.

Além da geração de novas oportunidades de negócios e de renda, eventos desse porte funcionam como grandes aglutinadores de forças políticas, com reflexos de médio e longo prazo para a vida na cidade.

Os casos das cidades mostram que os limites entre as esferas de atuação dos governos e das empresas estão cada vez mais fluidos, e novas linhas de força redefinem as práticas de mercado e a gestão do Estado. Se em países como a França o Estado permanece como o ator principal na cultura, em outras regiões do mundo globalizado, como no Brasil, as empresas assumem papéis de relevância cada vez maior na cultura.

Nos últimos 25 a 30 anos, tanto o Estado quanto empresas viram seus papéis se transformarem drasticamente. Seja pelas limitações do Estado, seja pela necessidade das empresas de se adaptarem às novas exigências do mercado e dos cidadãos, o que se observa é uma reconfiguração radical na distribuição dos papéis sociais entre os setores público e privado.

Se ficarmos apenas no campo da economia, veremos que entre os cem maiores agentes econômicos globais, 40 são empresas. Em um ranking que considera o PIB dos países e as vendas líquidas das empresas, o Grupo Walmart ocupa a 28ª posição, entre a Argentina (27ª) e a Áustria (29ª). As companhias de petróleo Royal Dutch Shell (31ª), ExxonMobil (33ª) e BP (38ª) aparecem à frente de países como Finlândia (42ª), Chile (44ª) e Irlanda, na 53ª posição. A receita líquida da CPFL Energia, maior grupo privado brasileiro do setor de energia, é comparável ao PIB de países como Armênia, Zimbabwe, Mongólia e Haiti³.

Mas as empresas contemporâneas não se tornaram relevantes apenas pela sua capacidade de gerar valor econômico. Nos anos recentes, desenvolveram estilos próprios, vozes próprias, modos inconfundíveis de ser o que são. Perceberam que não basta apenas fornecer produtos e serviços competitivos, e que pautar sua gestão pela eficiência operacional e pela responsabilidade orçamentária continua a ser necessário, mas está longe de ser suficiente para conquistar seu lugar na mente e no coração das pessoas. Que para ser a melhor e liderar em seu setor ou em sua região, uma empresa contemporânea precisa ser portadora da confiança de todos, inclusive de seus concorrentes.

Os conceitos de confiança e credibilidade passaram a ser centrais nas relações de consumo e as empresas passaram a desenvolver personalidades envolventes e inspiradoras, procurando se alinhar a causas caras para a sociedade. Perceberam que as empresas vitoriosas são aquelas que encantam seus públicos. E aprenderam a aprimorar a relação com seus públicos não apenas a partir da qualidade das mercadorias ou dos serviços que vendiam, mas principalmente a partir do elo de confiança e de identificação que eram capazes de firmar com as pessoas ao seu redor.

As sociedades democráticas e abertas foram aprendendo que, muitas vezes, o compromisso sincero de acertar é quase tão essencial — ou mesmo mais — do que o próprio acerto em si. O empenho em respeitar os clientes, se verdadeiro e reconhecido como verdadeiro, foi se tornando um imenso fator de identificação entre as marcas e seus consumidores, que se sentiam de fato respeitados e prestigiados.

Portanto, uma organização empresarial, para ser contemporânea do tempo presente, precisa oferecer bem mais que produtos de qualidade a preços honestos. Para ser compatível com as demandas do século XXI, as empresas devem estar integradas às comunidades onde operam seus negócios, sendo parte componente da cultura dos lugares nos quais atuam, recebendo influências dos meios que as circundam e contribuindo para aprimorar os contextos nos quais suas presenças econômicas fazem-se notar.

Como organismos vivos que são, empresas precisam interagir com pessoas, instituições, valores e tradições locais, bem como também é preciso que respeitem os ecossistemas onde têm suas instalações e nos quais circulam seus trabalhadores, equipamentos, veículos e mercadorias.

Assim, a organização empresarial alinhada à nossa era tem de ser eticamente responsável, socialmente integrada, politicamente ativa, ecologicamente sustentável, tecnologicamente atualizada e com uma cultura organizacional porosa, aberta e democrática.

As noções de valor imaterial, de valor intangível, antes identificadas ao campo das representações e do simbólico, ou seja, da cultura, ganharam todas as frentes, mudaram todas as paisagens, inclusive no mundo das grandes corporações. Ou ainda podemos dizer que a Apple é uma empresa de informática? Ou que a Nike é só um fabricante de calçados esportivos? Que o Red Bull é um energético? Que a Natura é uma empresa de cosméticos de venda porta a porta? Ou que a CPFL Energia é apenas uma companhia do setor de infraestrutura? O valor de todas essas organizações bem-sucedidas se manifesta em um plano superior àquele das coisas corpóreas ou dos serviços palpáveis. Todas passaram a desenvolver ações no campo dos valores simbólicos, ou seja, passaram a “criar cultura” elas mesmas, sem o que não teriam como encontrar nexos vivos e estimulantes com seus públicos. Ficariam sem lugar, sem luz própria, como meras fornecedoras de commodities, sem rosto nem brilho. Sem capacidade de encantar e de construir seu lugar nas mentes e nos corações de seus consumidores, colaboradores, acionistas, reguladores e agentes do poder público.

Em outras palavras, empresas vitoriosas são aquelas que sabem produzir cultura a partir de seu negócio central e mobilizar a cultura como um todo para trazer ainda mais valor para o seu negócio principal. Entretanto, mesmo organizações que não puderam, ou não quiseram integrar a cultura em seu negócio principal, passaram a investir no setor, ampliando significativamente o volume total de recursos destinados à arte e à cultura na economia e concorrendo com os recursos governamentais, dominantes até a década de 1980.

Nos últimos 30 anos, grandes organizações transformaram-se em players centrais da cultura e da arte no Brasil, investindo valores significativos e de forma consistente, algumas antes da criação das leis de incentivo baseadas em renúncia fiscal.

 

No setor financeiro, destacam-se o Banco do Brasil, o Itaú Unibanco, o Santander — os três com centros ou institutos culturais próprios e investimentos diversificados em cinema, teatro, música e artes visuais em projetos de terceiros.

Na área de infraestrutura, Votorantim, Camargo Correa, Vale e CPFL Energia mantêm programas ou institutos próprios com programação regular e definida a partir de critérios claros e sólidos. Claro, Vivo e outras empresas de telefonia criaram fundações e institutos para centralizar seus projetos em cultura e educação. A Fiat patrocina grandes exposições internacionais de artes visuais diretamente, ou através de sua Casa Fiat de Cultura, e cria parcerias com grandes museus como o Masp, em São Paulo. A Globo, seja pelo jornal O Globo ou pelo Canal Futura e Fundação Roberto Marinho, atua em arte, educação e cultura.

Esses são alguns exemplos de sucesso que, mesmo insuficientes para caracterizar uma sólida tradição da participação das empresas brasileiras no campo cultural, indicam uma tendência que deverá se fortalecer nos próximos anos, abrindo oportunidades inéditas para artistas, produtores culturais e profissionais de comunicação e relacionamento das empresas brasileiras.

 

Obs.: Para muitas das ideias deste artigo sou devedor de material de discussão interna elaborado pelo professor Eugênio Bucci, da Escola de Comunicações e Artes da USP, a quem sinceramente agradeço e desde já me desculpo pelos eventuais erros em minhas interpretações.

______________________

¹ Fonte: China Radio International: <http://portuguese.cri.cn/561/2011/10/23/1s141477.htm>. Acesso em: 23 out. 2011.

² Disponível em: <http://www.latribune.fr/actualites/economie/france/20140103trib000807739/la-culture-contribue-sept-fois-plus-au-pib-que-l-industrie-automobile.html>.

³ Dados de 2011. Cotação de dólar utilizada: R$ 1,8758. Fonte: Relatório interno CPFL Energia/Diretoria de Comunicação Empresarial, com dados da revista Fortune 500, 2012.


Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor. 3794

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