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Paulo Nassar
diretoria@aberje.com.br

Diretor-Presidente da Aberje - Associação Brasileira de Comunicação Empresarial. Professor livre-docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e pós-doutor pela Libera Università di Lingue e Comunicazione, Milão, Itália. Integra o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM-ECA/USP). É Coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN ECA-USP). Autor de inúmeras obras no campo da Comunicação.

Je suis Charlie Hebdo

              Publicado em 09/01/2015

Copyright Correio Braziliense - 09/01/15

 

Eu sou Charlie Hebdo, dizem os cartazes de protesto. É como se afirmassem, simbolicamente, que cada cidadão foi atingido pelas balas que tentaram, nessa quarta-feira (7), calar o humor em nome de suposta causa fundamentalista. Nada mais fora do lugar. O humor não morre, é sagrado como um deus porque expressa um dos sentimentos mais verdadeiros do homem.

Contudo, há um caminho mais transcendente para compreender a frase que enlutou o mundo. As reações que ganharam as ruas demonstram que o espírito democrático predomina. O fundamentalismo, político ou religioso, é pois um atavismo. Há, é evidente, crescente escalada conservadora, mas o medo não sufoca as reações contrárias. São imediatas e avassaladoras, como se pode ver no caso do Hebdo. Contra o medo, a solidariedade.

Não é preciso ir longe na história. Basta ver as mobilizações na América contra a violência, crimes policiais e atentados contra a liberdade de expressão. São crescentes e veementes na condenação da política e do racismo. Basta, por outro lado, aproximar-se do México, de Cuba e da Venezuela e acompanhar os protestos contra os assassinatos de estudantes e as prisões de dissidentes, jornalistas e artistas. É onda que cresce e sitia os governantes. Máfias, não. Corrupção, não. É o grito-síntese que ecoa nas ruas. E, como se nada disso fosse suficiente, é educativo ver como a Europa, Alemanha, França e Inglaterra à frente, reagem contra manifestações racistas contrárias aos imigrantes.

No Brasil existem aqueles que erguem a voz para defender golpes militares e pleitear que a Constituição seja rasgada, mas é inegável reconhecer que o país vive em harmonia e que o coro polifônico que se volta para trás, o passado autoritário, vem sendo repudiado e isolado. A verdade é que o brilho da democracia torna-se inconfundível para aqueles, a grande maioria, que sonham com um mundo novo e soberano.

Liberdade, nesse contexto internacional, se torna a cada dia valor universal. Construir uma nação, construir um Estado, construir os valores de um povo, nada acontece fora do espaço da liberdade. O ponto central é que sem liberdade não há direitos humanos, não há tolerância, a justiça não constrói a igualdade entre os homens.

Em nome do combate à miséria e às desigualdades, não mais se pode abolir a liberdade. A tendência que se afirma é justamente o contrário: quanto maior a liberdade, maiores serão as conquistas individuais e coletivas. E, diferente do passado, a tolerância ganha dimensão extremamente vital, inclusive para a tolerância religiosa.

A combinação entre liberdade e tolerância pode transmitir a impressão de lentidão. Pode passar a sensação de que o coletivo tende a superar o individual. Nada disso. Se a liberdade é uma espécie de exaltação do indivíduo, que é dono das suas ações, cabe, no mundo em gestação, à coletividade demarcar limites e traçar as linhas do futuro.

Isto exige entendimento e tolerância. Um olhar firme em direção a alteridade. É um tipo de consciência que vem ganhando espaços, relativizando ideias antes consideradas eternas. No âmbito da imprensa, o questionamento passa a ser indissociável do cotidiano. O papel do jornal não é outro senão tornar público aquilo que alguns gostariam de não ver publicado. Ou discutir o que não faz parte do senso comum. Nesse lugar de fala é que se coloca a critica ao fundamentalismo religioso e aos seus lideres, mas também a crítica de um modo geral.

Nada mais comum do que o processo dialético entre as diferentes verdades. Pois, afinal, o que é a verdade? O fato, um ponto de vista sobre a mentira? Seja qual for a resposta no universo mediático, nada mais saudável do que a liberdade de crítica com humor, com charges, com ironias. São a medida da liberdade, seja ela individual ou coletiva. Faz parte da imprensa e da vida política. O segredo é receber as críticas com humor, nunca como desrespeito. Muito menos com o ruído macabro das retaliações.

Se no século XVIII, o direito à felicidade acordou os homens para a possibilidade de traze-la dos céus para a terra, nesta segunda metade do século XXI a liberdade ganha formidável força em meio ao cidadão e às instituições. A analogia entre felicidade e liberdade visa mostrar porque o diálogo, não a violência, se torna racional e lógica como forma de sair dos muitos impasses do mundo contemporâneo.

É o credo que Charlie Hebdo professa – a liberdade. E vai continuar. Engana-se quem imagina que o semanário vai deixar de pensar, desenhar, desdenhar, sorrir. O legado dos seus jornalistas assassinados nunca será esquecido e, como o sol, vai iluminar aqueles que fazem jornalismo e a comunicação, sem nada sacralizar, sem nada temer. 


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