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Ricardo Voltolini


Jornalista, especialista em marketing institucional e comunicação organizacional, e um dos primeiros consultores brasileiros especializados em sustentabilidade. Além de publisher da revista Ideia Socioambiental, a primeira publicação brasileira especializada em sustentabilidade, é diretor da consultoria Idéia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade, empresa que atua em consultoria, educação, conteúdos e comunicação de sustentabilidade. Atuando na área desde 1996, é considerado hoje uma referência brasileira em investimento social privado, responsabilidade social empresarial e sustentabilidade.

Uma pequena fábula para a comunicação consciente

              Publicado em 04/02/2010

Para explicar o que acho que seja comunicação consciente, ou uma ideia próxima disso, ocorreu-me lançar mão de uma pequena fábula contemporânea de final infeliz. Dessas que têm alguns personagens malvados e outros ingênuos, tramas mirabolantes, mentiras, enganos, enganadores e enganados, lições de moral e ensinamentos de ética elementar.

Até dezembro de 2008, Bern era, aos 70 anos, um homem de bem com a vida, reconhecido pelos pares e pela sociedade. Norte-americano rico de família judia, figura ilustre de Wall Street, construiu fama de filantropo serial, tendo sido referência para organizações de caridade endinheiradas de todo o mundo. Não por outro motivo, sua empresa de investimentos, criada em 1960, passou a ser uma espécie de porto seguro para as reservas de banqueiros, de beneméritos e de investidores de bom coração, que ele, Bern, zelosamente, fazia multiplicar aproveitando os seus vastos conhecimentos de mercado de capitais.

Em dezembro de 2008, no entanto, a casa de Bern caiu. Tomado por um surto de eficiência, o FBI descobriu que ele era, na verdade, um homem não muito honesto. Adepto do “esquema Ponzi” –leia-se o velho truque da pirâmide, que já produziu dezenas de milionários e milhões de trouxas --, o antes virtuoso Bern, cidadão de imagem ilibada, aplicou um golpe de 50 bilhões de dólares. De uma noite para outra, pego provavelmente de pijama de seda, dormiu filantropo da velha Nasdaq e acordou o maior fraudador de todos os tempos.

Bern é Bernard Lawrence Madoff. E a sua escandalosa história já foi contada inúmeras vezes tanto na CBN quanto na Gazeta de Xiririca da Serra. Mas o que ela tem a ver com comunicação consciente? Nada e tudo. Nada se Madoff tiver chegado aonde chegou sem a ajuda de ninguém, em aventura solitária, guiado apenas pelo seu caráter –ou falta dele – ou ainda pela sanha patológica de roubar almas indefesas. Tudo, se para escalar até o topo da montanha de 50 bilhões de dólares, afanados de incautos, ele tiver contado com o apoio de profissionais de comunicação. Coloco, portanto, sob hipótese, pois não disponho de informações para fazer julgamentos, nem tenho outro interesse que não seja o de usar a historinha para fins alegóricos.

Admitindo hipoteticamente que, para criar a sua reputação de homem do bem ou a imagem de investidor sério, ele tenha contado com gente que o treinou em media training, que construiu suas relações com públicos estratégicos, que cuidou da divulgação de seus serviços e que o ajudou a posicionar-se como top of mind na categoria “investidor filantropo número 1 do planeta”, muitos profissionais de comunicação podem ter prestado um desserviço à humanidade. Nesses casos, há sempre o salvo-conduto da ignorância. Mas, ainda no campo da pura especulação ficcional, imagine que parte deste staff conhecesse exatamente a vilania do negócio de Madoff, e mesmo assim tivesse se dedicado ao trabalho por apego ao emprego ou por receio de perder um job de valores generosos, até porque pago com dinheiro aliviado da carteira de terceiros, quartos e quintos?

Quantos de nós fizemos, fazemos ou faremos, no nosso trabalho de comunicação, algo de que discordamos por princípio ético? Quantos ajudamos, sem questionamentos, a construir a imagem de uma empresa, de um produto ou de uma marca com longo passivo socioambiental a quitar? Quantos ajudamos a elaborar positions papers, campanhas, versões, relatórios e discursos baseados em ideias que não encontram a mínima ressonância na prática, na cultura e nas crenças das companhias? Pior ainda, quantos textos, imagens, mensagens e símbolos misturamos, com as nossas habilidades, receosos de que eles poderiam servir à disseminação de uma mentira?

Comunicação consciente é, a meu ver, a comunicação que combina técnica com ética, preocupando-se não só com os resultados, mas a serviço de que causa e por que meios eles serão atingidos. Entendo que visões como esta ainda podem ser vistas como excessivamente românticas, como me afirmou um respeitado amigo, “nesses tempos loucos em que vivemos”. Se queremos tempos menos “loucos”, devemos começar por uma revisão de modelo mental afinada com os valores éticos que consumidores e sociedade esperam dos comunicadores neste século 21.

Na linha de “que conselho daria a um jovem profissional começando na carreira de comunicação”, destacaria o seguinte: “Quando for ao trabalho, leve a sua competência técnica, sem esquecer em casa o coração e os seus princípios éticos”. Fechado?
 


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