Olha o conteúdo patrocinado aí, gente!
Por que as escolas de samba erram ao usar o native advertising e exaltar a si mesmas, em vez de adotar boas práticas
Não é de hoje que as escolas de samba de Rio de Janeiro e São Paulo adotam métodos de produção e gerenciamento das empresas. Na verdade, elas são organizações sociais sem fins lucrativos. No entanto, formam uma imensa indústria de espetáculo que elabora seus planos de ação ao longo de um ano e os executa nos desfiles da avenida durante o Carnaval. Nesse meio tempo, produz em suas quadras animadas festas, a que denomina ensaios. Conta com patrocinadores, fontes de receita fixas e mantém uma ativa rede de relações governamentais e public affairs. Infelizmente, a estrutura do empreendimento é deficitária e amadora.
Cada grande escola possui uma secretaria de divulgação, mas ainda não conta com um departamento evoluído de Comunicação. A adoção de uma política de gestão de comunicação no mundo do samba representaria um avanço importante nesse que é considerado um dos maiores espetáculos da Terra. Por enquanto, se os desfiles e os enredos das escolas são desenvolvidos em detalhe nas fantasias, carros alegóricos, na beleza e na harmonia, os seus planos de Comunicação são improvisados. Isso, quando existem.
Apesar de todos os defeitos, as escolas de samba podem ser consideradas também empresas de comunicação. Os sambas-enredos não deixam de ser celeiros de storytelling. Eles põem em ação a memória da comunidade. As composições constituem o meio de difusão da mensagem que a escola deseja transmitir em cada desfile. Para dar conta de suas mensagens, de forma intuitiva, há muitas décadas, o Carnaval dos desfiles inovou ao se valer do conteúdo patrocinado, ou do “native advertising”. Em geral, esse tipo de material depende de como a escola estabelece o seu, por assim dizer, método de RelGov. Prefeituras de cidades turísticas e embaixadas de países estrangeiros, por exemplo, costumam injetar recursos para difundir sua imagem, tanto para chamar turistas como para atrair simpatia aos hábitos do povo.
Neste ano, a venerável escola paulistana Vai-Vai conta com o investimento do governo da França para apresentar o enredo “Je Suis Vai-Vai, bem-vindos à França”. A embaixada da França e a Vai-Vai estabeleceram relações mais que amistosas, com possibilidade de a escola desfilar até mesmo em Paris. O enredo é aquilo. Promove um passeio por lugares-comuns da França: a Revolução, Napoleão, o Louvre, a Torre Eiffel, a Belle Époque e até o fundador do Espiritismo Alan Kardec (não confundir com o jogador do São Paulo). A ideia é exaltar a cultura do país – e, para não perder o hábito, de lambuja, a própria escola.
Nos seus enredos, as agremiações carnavalescas costumam reprisar palavras como “amor”, “felicidade” e “esperança”, mas sobretudo fazem questão de falar delas próprias. Autoexaltação é a forma consagrada de a escola reafirmar a sua marca. A Vai-Vai se celebra no seguinte refrão, com direito a desfecho politicamente incorreto: “Sou raça sou raiz, Há tantos carnavais /Je Suis Vai Vai (Eu sou Criolé...)”
Outras escolas seguem refrões semelhantes. Em São Paulo, a Gaviões da Fiel usa o enredo "É fantástico! Imagine, admire e sinta" para reafirmar que a Gaviões tem raízes fincadas no povão: “Vem da arquibancada a minha raiz,/Fantástico é ser fiel”. O tema da Gaviões é a reiteração da marca e do lema “viver Corinthians é demais”. Acadêmicos do Tatuapé exorta a multidão bater no peito e gritar com orgulho: “Sou Tatuapé”. No Rio de Janeiro é assim também. Mas a Portela vai além e cria um enredo de celebração a seu símbolo no samba-enredo “No voo da águia, uma viagem sem fim...". Dizem os versos de super-autocelebração do símbolo da escola: “Eu sou a águia, fale de mim quem quiser/ Mas é melhor respeitar, sou a Portela, /Nessa viagem, mais uma estrela, /Que vai brilhar no pavilhão de Madureira”.
O elogio exagerado oculta mecanismos de autodefesa, de vontade de inclusão e admiração. Na realidade, revela frustração e sofrimento de quem canta as suas próprias façanhas. Trata-se de uma velha modalidade da insegurança. Mas será que esse tipo de comunicação funciona para disseminar a marca da escola? Provavelmente não. O expediente autobajulatório só indica falta de imaginação – e de planejamento de marketing – dos sambistas e carnavalescos contratados para contar uma história durante a folia.
Em vez de conteúdo patrocinado e de martelar a marca para convencer o público de que a agremiação é lendária e maravilhosa – dentro dos cânones da Publicidade do século passado-, as escolas deveriam desenvolver projetos de branded content que divulgassem a visão, missão e os valores da agremiação de modo qualificado e realista.
Às escolas falta igualmente um trabalho de marca. Elas não observam uma política de compliance. Limitam-se a perseguir a glória e o lucro imediatos. Logo elas, que surgem e florescem em comunidades carentes que se beneficiariam de práticas virtuosas, na direção da responsabilidade social e ecológica. Mesmo assim, as escolas de samba se limitam a seguir práticas desgastadas. Com o objetivo de fazer o Carnaval, os bordões e chavões repetitivos se juntam à captação de recursos que em geral não conta com uma política sustentável. Ao contrário, é um sumidouro de recursos.
Mas resta a pergunta: caso as escolas de samba se convertessem em empresas socialmente responsáveis, com uma gestão irrepreensível e a atuação educacional junto às comunidades, será que produziriam boa diversão? Samba, luxo e compliance combinam? Pelo visto, não. Talvez deixar as escolas à mercê da própria ingenuidade seja a chave da alegria do Carnaval. É melhor adiar as “boas práticas” empresariais para a Quarta-Feira de Cinzas.
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