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COLUNAS


Nádia Rebouças


Diretora da Nádia Rebouças Consultoria, empresa de consultoria de comunicação para transformação de organizações. Trabalha para empresas e ONGs, além de ser professora e palestrante.

A arte da conversa

              Publicado em 05/11/2013
“Vivemos numa época sem precedentes: todas as culturas mundiais, do passado e do presente, estão de certa forma ao nosso alcance, seja na forma de registros históricos ou como entidades vivas. Na história do planeta Terra, isso nunca aconteceu”.
Ken Wilber
 
Todos nós estamos envolvidos com um dia a dia tão dinâmico que nos acostumamos a não ter espaço para pensar. Quem dirá para conversar! Nossas tarefas se multiplicam de forma acentuada, fazemos duas ou três atividades ao mesmo tempo. Ser multitarefa não é mais um diferencial, mas uma necessidade básica. Vivemos procurando tomadas para ligar nossas extensões: o notebook, o celular, entre outros. Quem sabe, lá no fundo, não gostaríamos de recarregar nossos cérebros em uma dessas extensões? Ou nossos corações? Muitos já estão querendo aplicativos para tentar entender o ano de 2013. 
 
Além da correria, a instabilidade e a incerteza fazem parte do cenário atual. Ken Wilber pede nossa atenção para o fato de que pela primeira vez na civilização temos acesso a toda história da humanidade ao alcance de nossos dedos. São fatos históricos, fotos, imagens, símbolos que fizeram parte da longa estrada da civilização que nos trouxe até aqui. Também, muito diferente das gerações anteriores, podemos conhecer todo o planeta, todas as culturas, hábitos e formas de vida. Conseguimos tornar o mundo pequeno e acessível, mas, ao mesmo tempo, nos sufocamos de informações. Acentuamos na pós-modernidade nossas impressões da diversidade e pluralidade que, à primeira vista, poderia significar que aprendemos a conversar melhor.
 
Mas não foi isso que aconteceu, por uma característica narcísica que tomou conta de nossa sociedade. Consideramos ‘civilizado’ aquele que tem o direito de se expressar democraticamente, mas, o “meu grupo”, evidentemente, carrega a verdade e é o que expressa o melhor ponto de vista, quando comparado aos outros. Assim, por exemplo, temos grupos que, na defesa de seus pontos de vista, perdem completamente a visão do todo. Temos antropólogos, psicólogos e sociólogos competindo, cada um acreditando que tem a maior capacidade para definir e entender o ser humano. Como se não fossemos uma fantástica mistura de tudo.
 
Isso nos mostra que temos muita dificuldade em adotar a visão sistêmica. Empresas privadas, governos e ONGs conversam, por exemplo? As empresas subiram seus muros para não enxergar sua vizinhança durante décadas. A maioria ainda intitula as comunidades como “seu entorno”, reforçando a arrogância e impedindo qualquer avanço em direção a uma sociedade mais igualitária. O meio ambiente ou a natureza estão “lá fora” e não nos incluímos. As grandes obras são planejadas por engenheiros e quando começa a construção se descobre profundos problemas ambientais e sociais. O trabalho em equipe, compreendendo os novos desafios, teria certamente outros resultados. Nem é preciso falar nos muros que as empresas subiram internamente, físicos ou não, isolando seus próprios departamentos em ‘feudos’. Quantas vezes vimos departamentos, que fazem parte de uma mesma empresa se posicionarem como numa concorrência, como se fizessem parte de empresas separadas? 
 
Sofremos de uma doença grave: a “síndrome dos donos da verdade”. Essa doença é percebida por dois sintomas. O primeiro, um forte sentimento de vítima, a culpa é sempre de um elemento externo ao “nós”. O segundo, a falta absoluta de empatia frente ao diferente, apesar de defendermos que é isso mesmo que devemos sentir. Essa doença também afeta nosso ‘walk the talk’, órgão da credibilidade, que nos torna, muitas vezes, os “conversadores” de novos tempos, enquanto insistimos em nossos órgãos de defesa do ego que nos levam a ‘walk’ em total desarmonia com o ‘talk’.
 
Para exercer “nosso pluralismo”, tentando promover a integração e a troca, marcamos muitas reuniões, conference calls, vídeo conferências, mesmo que nada, de verdade, na maioria das vezes, seja resolvido. Dentro das organizações, os departamentos, áreas e localidades tentam se encontrar e trocar, mas a verdadeira conversa raramente acontece. Nas reuniões escuto muitas vezes uma conversa que está oculta, nos gestos e olhares. Nossa conversa é determinada pelo medo, pela defesa e pela ansiedade. Em nossa cultura, não são muito frequentes as oportunidades de falar com liberdade e sinceridade. E, menos ainda, ter empatia ao ouvir o outro. Quem conversa são os nossos “papéis”. As nossas “pessoas” inteiras que carregam “quereres”, “sentires” e “pensares” ficam penduradas num cabide, na entrada da porta das salas de reunião. Somente na saída, quando recuperamos nossas “pessoas”, voltamos a ser um pouco mais inteiros e, por isso, a conversa é sempre tão intensa nas rádios-corredores. Você já percebeu dentro da sua empresa uma pessoa que parecia um corpo que não tinha “gente” dentro? 
 
E o ‘gerente cara de porta’, você conhece algum? Nossas lideranças se habituaram a um novo mantra, já que foram convocadas e exigidas a serem gestores de pessoas. Aflitos com as novas exigências, sem jamais terem sido preparados para isso, costumam repetir: “minha porta está sempre aberta!”. Esquecem-se, no entanto, que eles têm uma “cara de porta”, essa sim muito mais eficiente para manter seus liderados à distância. As pesquisas de clima identificam como conversamos mal dentro de nossas organizações. Nas pesquisas OFFPLAN, metodologia que criamos na Rebouças & Associados, percebemos que a verdadeira comunicação interna fica por conta da rádio-corredor ou rádio-peão, da área do café, do elevador e até dos banheiros. Essa rádio, que não tem botão, controle remoto ou caixa de som, comunica gerando muito ruído, já que a ‘pauta da programação’ é resultado da falta de informação verdadeira. Sofre o líder, porque não sabe como conversar sobre os temas “delicados” (como remuneração, cortes, feedbacks, acidentes ambientais) com seus empregados. E estes são exatamente os temas que despertam maiores dúvidas e perguntas. Sofremos todos. Vivemos sempre entre o imaginário e o real. E enquanto isso, a comunicação corporativa produz veículos que nos mostram muitas fotos, muitas cores e sempre sorrisos misturados a textos com tom de propaganda ou meras informações. Por sua vez, as publicidades institucionais ou mesmo as de varejo, nos mostram um mundo de sonho. Decididamente, os empregados e os stakeholders da marca estão vivendo uma experiência muito distinta do que a comunicação traduz. Nas pesquisas que conduzimos em empresas, pedimos que os empregados: Como percebem a conversa nas organizações em que trabalham? Essa é uma forma simbólica de tentar avaliar como são, de fato, os relacionamentos nas organizações. Colecionamos desenhos que retratam computadores na boca, muros que separam departamentos, organizações simbolizadas por monstros de três cabeças. São frequentes também desenhos de ilhas, cada uma representando um departamento. No meio do rio onde elas estão inseridas surgem jacarés e são eles que darão cabo do empregado que tentar sair da “normalidade”. É a morte anunciada dos protagonistas: 
 
- “Aqui é assim...”
- “Você anda tão animado! É que você chegou agora, fale comigo daqui a dois meses!”
- “Você não conhece essa companhia, isso não dá certo aqui”. 
 
Assim criam-se os mantras que matam os jovens empregados, aqueles que poderiam trazer oxigênio para a empresa e que não gostam do papel de vítima. Temos de fato uma crise geracional nas empresas. Matamos os protagonistas diariamente procurando repetir os mantras: “não adianta”, “não vai mudar”, “não tem jeito”. Também notamos em nossas pesquisas que o “empregado-vítima” adora novas regras. A partir delas, ele terá mais oportunidades para reclamar, reforçando sua percepção de que não vai dar certo, de que tudo continuará como está. E em questão de minutos, essa será a conversa da rádio-corredor. Já o empregado-protagonista, aquele que acredita no poder que tem para transformar a ele, a empresa, a sociedade prefere saber qual é a missão e quais são os valores da organização para que sirvam como uma bússola norteadora do seu caminho. Cada vez mais colaboradores se certificam de que podem se identificar com os valores da empresa onde trabalha, e muitos estão se tornando empreendedores, vão para os hubs, vão investir no seu empreendedorismo.
 
Comunicação como educação
 
Esta falta de conversa vem, pouco a pouco, se transformando. As empresas começaram, de fato, a se preocupar com os relacionamentos interpessoais, a pensar a comunicação como educação e, como tal, adquirir importância estratégica para as organizações. Ainda falta coragem. Não basta informar. O velho modo de definir comunicação como emissor e receptor não explica a comunicação que o mundo atual exige. Pense redondo, pense em espiral. A verdadeira comunicação é semelhante a uma espiral. Conversar é ir e vir na troca incessante dos pensares e sentires dos interlocutores. Um líder que se capacita para a verdadeira comunicação aprende e ensina todo o tempo. Quando todos se tornarem aprendizes desses novos tempos, talvez seja possível criar ambientes mais harmônicos e humanos nas nossas organizações e, portanto, na nossa sociedade. Da mesma forma, deve ser a conversa com as comunidades das quais fazemos parte. A conversa bem posicionada e franca é a única que pode construir relações verdadeiras, que nos ajudam, nos fortalecem e nos capacitam a lidar com as infindáveis transformações que vivemos. Essa situação poderá mudar de modo significativo quando conseguirmos transformar nossas conversas em trocas de intenções ao invés de continuar a fazer delas um meio de ocultá-las. Esse, certamente é o maior desafio para as lideranças das organizações. Não vejo resultados em fingir, em tentar controlar para que não haja conflito. O verdadeiro diálogo se dá no silêncio das reuniões. Precisamos amadurecer e investir na transformação de consciências para que a civilização avance. A espiral do desenvolvimento humano precisa avançar e líderes conscientes da importância da comunicação podem efetivamente ajudar na percepção de que todos os estágios dessa espiral são importantes.
 
Nas empresas é preciso construir o dialogar. Falar a verdade, enfrentar a verdade, dar feedbacks, abrir a porta. Precisamos aprender a ter uma conversa consciente, uma conversa viva, sem segundas intenções que apostam na morte do interlocutor. Precisamos aprender a ouvir. Aprender a perguntar. Aprender a sentir o outro, com a história e trajetória do outro. Colocar-se no lugar daquele que queremos que aja como decidimos que deve ser. A pergunta abre portas nas nossas mentes, acorda novas percepções. Perguntar e ouvir as respostas. Nos nossos veículos de mídia interna, raramente conversamos com os colaboradores. Simplesmente informamos. E informar não é comunicar. A informação é instrumento de controle, de poder. “Viu? Eu informei. A empresa informou”. No entanto, nada mudou, porque a informação não chegou, não transformou, não educou. Ela virou paisagem. Não houve comunicação. Não houve troca. Não houve conversa. Nosso hábito é fazer perguntas padronizadas, às quais, por sua vez, suscitam respostas estereotipadas. Ou seja, dizemos o que os outros querem ouvir para que eles nos respondam o que queremos escutar. Assim, nada se aprende e nada se ensina. Em geral, julgamos que uma questão bem formulada é aquela que põe o outro em dificuldades. Com muita frequência, usamos a conversa para “vencer”. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Saber perguntar é pretender aprender algo, abrir novas possibilidades. Antes de se ter a pretensão de receber algo de quem se pergunta, equivale dar-lhe uma oportunidade para a transformação por meio do diálogo. Aprendemos a debater e discutir, desde a tenra idade.
 
Nossos spots na mídia também começam a deixar para trás as ordens imperativas, as notícias para ganhar o tom da conversa. São mais longos, têm uma temática que se repete, frequentemente apelam para perguntas como forma de chamar atenção e abrir uma conversa com o consumidor, que virou um interlocutor.
 
Há uma década era possível usar um comercial de 30 segundos por três anos, mas hoje isso é impossível. Precisamos inovar a todo tempo. Também é impossível esconder fatos que acontecem dentro das empresas, isso se tornou um desafio no mundo da internet e do celular com câmera. Que dirá dos jornais que tanta crise de credibilidade vem enfrentando. E o grande desafio ainda é aprender a conversar com os outros setores da sociedade (governo, comunidade, imprensa, ONGs), o que pode representar um começo de novas soluções sistêmicas para os nossos velhos desafios do desenvolvimento sustentável. Conversar com o outro significa que o mundo está conversando consigo próprio por nosso intermédio. É por isso que conversar significa estar com, encontrar-se, religar-se, descondicionar-se, libertar-se. Logo, a multiplicação dessas conexões e sua organização, em forma de rede, constituem o ponto central de qualquer processo importante de transformação.
 
As organizações, para muitos autores, é uma rede de conversas. É nessa rede que encontramos as forças e fraquezas de uma organização. É nessa rede de conversas que a empresa encontra o melhor aproveitamento de sua potência, chegando aos resultados desejados. A conversa constitui uma oportunidade para que as emoções de cada interlocutor se reorganizem. Ela promove o entrelaçamento do emocional com o racional. A liderança e os profissionais de comunicação e RH, em especial, podem e devem ser os agentes da conversa na organização. As reuniões e os workshops precisam representar espaços de liberdade individual e, em consequência, oferecer oportunidades para aprender a conversar e a produzir em grupo. É hora de decretarmos o fim das vítimas e estimularmos o protagonismo na construção do futuro das organizações, estimulando o pensamento sistêmico. Isso só será possível se cada empregado entender a essência da sua organização, se identificar e introjetar seus valores e não apenas saber enumerá-los.
 
A diferença está na atitude. É urgente abandonar o egocentrismo e o etnocentrismo que invadem áreas e departamentos da empresa para sermos contaminados com o globocentrismo. Afinal, hoje já temos empresas multinacionais e teremos muitas mais. É hora de fazer diferente.
 

Como uma empresa pode ser nacional ou global se não sabe conversar e somar diversidades para que elas se multipliquem em eficiências? A diversidade de opiniões, que caracteriza os grupos dentro das organizações, deve ser um espaço de criação, que jamais se fecha e nem tem limite de preenchimento. Educar-se é também adquirir a capacidade de identificar e ampliar ainda mais os espaços de conversação. A verdadeira conversa é indispensável para a saúde de qualquer organização. Inclusive para as organizações do terceiro setor, cidades, comunidades. Saber conversar é saber ser livre. Saber promover conversas, estimular lideranças, promover a consciência e o protagonismo é ser hoje um profissional de comunicação. E como dizia Jung: “mas e se eu descobrir que o inimigo está dentro de mim mesmo, que eu sou o inimigo que deve ser amado, e aí?” 

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Sugestão de Autores e algumas obras 

Marylin Feguson – Conspiração Aquariana

Joseph Campbell – Mito do Herói

Fritjoff Capra – O Tao da Fisica

Robert Fisher – O Cavaleiro Preso Na Sua Armadura

Ken Wilber – Modelo Integral, Teoria de tudo.

David Bohm – Diálogos, rede de convivência.

Fred Koffman – Metamanagement

Otto Scharmer – Presença

Chris Aryris – Modelo mental 2

David Cooperrider – Diálogos Apreciativos

Joseph Jaworsky – Sincronicidade

Rafael Echeverris, Humberto Maturana, Fernando Flores – Linguagem

 O princípio da Totalidade - Anna Lemkow


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