O novo marco legal da biodiversidade
Copyright Folha de S.Paulo - 10/03/15
Há cerca de um mês, a Câmara dos Deputados aprovou o novo marco legal para acesso ao patrimônio genético do país. Como determina o rito, o texto seguiu para aprovação do Senado.
Ao longo de uma década, entre 2003 e 2013, na condição de vice-presidente da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos e executivo da Natura Cosméticos, defendi a mudança da Medida Provisória (MP) de 2001, que regulamentava o tema. Ainda que a intenção fosse boa, a lei causou graves transtornos para a inovação no país.
Publicada em 23 de agosto de 2001, a MP 2.186-16 dispunha sobre o acesso ao patrimônio genético e a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, entre as principais providências. A Lei referendava a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), aprovada durante a conferência Eco-92, no Rio de Janeiro, assinada por 175 países, entre os quais o Brasil.
Na vida real, a MP tinha por principal objetivo estancar a biopirataria de ativos genéticos, bem como a expropriação do conhecimento tradicional associado ao uso dessas fontes que, à época, ameaçava o país. Nesse contexto, a “Soberania Nacional” falou mais alto que a racionalidade científica e econômica. Cacoete antigo, em que se manifesta a “mão visível do Estado”.
Entre seus principais desvios, a legislação exigia que cientistas envolvidos em “pesquisa pura” ou “pesquisa aplicada”, bem como empresas que conduziam pesquisas com fim comercial, solicitassem autorização prévia ao Conselho de Gestão do Patrimônio Génético (CGEN), orgão do Ministério do Meio Ambiente (MMA), e negociassem royalties sem estar seguros de que suas hipóteses resultariam em conhecimento a ser compartilhado, ou produto a ser comercializado. Até o final de 2013, a resposta do CGEN demorava, em média, um ano e meio.
Esse cenário criou um ambiente de insegurança institucional, inibindo a investigação sobre a biodiversidade brasileira – tanto no meio acadêmico, quanto no ambiente empresarial. Nesse contexto de agravamento institucional, a Natura Cosméticos liderou, naquele ano, a criação de uma coalizão com representantes de diferentes partes interessadas das cadeias da pesquisa e da indústria. Um marco dessa iniciativa foi o Movimento Empresarial pela Biodiversidade. Acolhida pelo Instituto Ethos e pelo Centro de Estudos de Sustentabilidade, da Fundação Getúlio Vargas, a coalizão publicou, em 23 de setembro de 2010, a “Carta empresarial pela conservação e uso sustentável da biodiversidade”, encaminhada ao governo brasileiro às vésperas da 10ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, em Nagoya, Japão.
Passados dois anos, após uma ampla mobilização das partes interessadas, uma nova coalização foi constituída com o propósito de sugerir um novo texto de Lei, sob a coordenação da Secretaria Executiva do MMA. O resultado foi um texto alinhado aos princípios da CDB, dos interesses de agentes de pesquisa e da extensa cadeia de insumos da biodiversidade. Nesse contexto, as posições foram negociadas e confrontadas. O texto aprovado pela Câmara, ainda que não tenha obtido consenso no plenário, promove um grande avanço em relação à lei vigente.
Passados mais de 13 anos desde a publicação da medida provisória de 2001 - que, por vícios de origem e desvios ideológicos, paralizou a pesquisa sobre a nossa diversa biodiversidade -, a sociedade brasileira aguarda uma resposta conclusiva do Senado.
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