Diogo Antônio Rodriguez
Prescrever o diálogo como remédio para todas as doenças sociais e institucionais virou um lugar comum. A tarefa mais urgente talvez seja perguntar que é dialogar de fato e que tipo de mudança a sociedade atual requer. Estamos preparados para estabelecer conversas em um nível capaz de lidar com as mudanças? Neste panorama de transformações muitas vezes radicais, a Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) considera o diálogo uma atividade essencial na prática da liderança. Mas é preciso qualificá-lo – e, assim, entrar em sintonia com as alterações necessárias no sentido de melhorar o Brasil e o mundo. Eis a razão do tema da Aberje de 2016: “Dialogar para Liderar”.
Para definir o mote da liderança por meio da Comunicação, a Aberje baseou-se em diversas pesquisas que produziu ao longo de 2015. A mais significativa diz respeito à compliance, termo que designa estar em conformidade com um conjunto de normas e regras de conduta que as empresas adotam para implementar a transparência na governança e estar alinhada à legislação e as diretrizes da sociedade em que estão inseridas. O líder de hoje precisa, sobretudo se debruçar sobre as questões éticas. De fato, ética consiste em compartilhar valores, fazer as melhores escolhas, decidir, enfim.
Dessa forma, não basta à empresa liderar a interação com seus respectivos públicos. Faz-se necessário, neste momento, que as organizações estimulem o diálogo entre eles e em diversos níveis. “Não seria correto dizer que o diálogo é um tema de tendência”, afirma Paulo Nassar, diretor-presidente da Aberje e professor livre-docente da Escola de Comunicações e Artes de São Paulo (ECA-USP). “É um tema permanente.”
Segundo ele, os momentos cruciais de diálogo do século 20 vieram depois de duas grandes guerras mundiais. “Na segunda parte do século, temos a Guerra do Vietnã e outras que continuam no século 21”, afirma. “Dentro do momento brasileiro, o diálogo acontece porque estamos em um momento de crise, não apenas econômica, mas moral, política, cultural, tecnológica, de mobilidade, saneamento básico, todos esses temas que vemos nas ruas. Vamos estabelecer pontos de contato pessoais, institucionais e corporativos para a formação de uma liderança que busque a transformação real da sociedade”.
Todos os anos, a associação elege uma questão relevante e centra suas ações para ampliar a compreensão a respeito dela e gerar ganhos para toda a comunidade da comunicação brasileira.
O mote “Dialogar para Liderar” - que permeia todas as atividades e produção de conteúdo da associação em 2016 - pretende colaborar para as mudanças que se fazem urgentes.
Um dos valores da Aberje, de acordo com Nassar, “é buscar o dinamismo a partir de uma visão de que a inovação das tecnologias e das formas comunicacionais está se impondo e potencializando as conversas”.
A visão inovadora se aplica a um tempo em que as hierarquias autoritárias foram superadas, segundo Hamilton dos Santos, diretor-geral da Aberje. “Quando a Aberje coloca a questão, está preocupada em aperfeiçoar as técnicas de domínio da argumentação, para assim ampliar a relevância e a qualidade do diálogo”, afirma. “Não há mais sentido em narrativas unilaterais, pois as novas tecnologias criaram novos arranjos sociais. No campo da gestão, por exemplo, acabou o tempo das reuniões professorais. O bom gestor é aquele que conversa o tempo todo com a equipe, individualmente, em grupo, em dupla, sempre argumentando, revendo pontos e, sobretudo, tendo a coragem e a disposição tanto de abrir mão das próprias ideias como ter a perseverança e o poder de argumentação para defendê-las quando julgá-las essenciais para os resultados buscados.”
Na qualidade de uma organização profissional e científica sem fins lucrativos, que tem como principal objetivo a discussão e promoção da comunicação corporativa e organizacional em uma perspectiva global e local, a Aberje centra suas ações na informação, comunicação e relacionamento, estruturadas a partir de áreas como Relacionamento Institucional, Eventos, Programas Educacionais, Publicações, Design, Centro de Memória e Referência, Relacionamento com Associados, Prêmios, Inteligência Social e de Mercado e Conteúdo Digital e Audiovisual.
Neste ano, serão exploradas as qualidades para um diálogo efetivo e democrático. A ideia é dar atenção à atuação em duas frentes fundamentais relativas a esse processo.
A primeira delas é a qualificação da empresa e de seus funcionários. Segundo Santos, a associação “defende a necessidade de as organizações terem em sua estrutura uma área forte de comunicação, porque ela acredita que esse é o pressuposto para estar preparado para uma sociedade que requer respostas efetivas a suas necessidades e aspirações.” A segunda é contar com profissionais capacitados na gestão e no aspecto comportamental. “Em duas palavras: ética e transparência”, diz.
Para colaborar na qualificação dos profissionais, a Aberje está elaborando, em parceria com outras instituições, um programa de Certificação em Gestão da Comunicação em Empresas e Instituições para que os comunicadores realizem um processo de autoavaliação de conhecimentos, técnicas, comportamentos e habilidades profissionais. Um dos principais objetivos da certificação é incentivar o aprendizado contínuo dos profissionais para que se mantenham atualizados às novas formas, canais e ferramentas de diálogo com seus públicos de relacionamento.
A certificação está sendo elaborada em conformidade com os critérios de uma plataforma global de gestão da comunicação com as adaptações e ajustes que atendam à realidade brasileira.
Além de propor conversas e ouvir o que os outros têm a dizer, é preciso servir de exemplo e liderar, conforme o nome do tema de 2016.
“Liderar para quê?”, pergunta Santos. “Para mudar a sociedade, é isso o que estamos propondo. Essas mudanças têm de acontecer de forma que os valores sejam preservados”.
Dentre os valores preconizados pela Aberje estão a ética, a inovação, a pluralidade e o humanismo.
“As nossas ações têm que ter esse componente contemporâneo e democrático, alinhado com o que as tecnologias promovem de melhor”, afirma Nassar. “A visão de impor conteúdos e direcionamentos, sem passar por nenhum tipo de discussão, não tem futuro, terreno fértil dentro do ambiente democrático”.
Nesse aspecto, foi importante a pesquisa “Panorama Sobre Ética e Transparência nas Organizações: contexto, conceito, estratégia e práticas comunicacionais”, publicada no portal. Ela foi coordenada por Rodrigo Cogo, responsável pela área de Inteligência de Mercado da Aberje, e Carlos Ramello, gestor de recursos humanos e planejamento da Aberje. A investigação apresenta um diagnóstico da comunicação em termos de ética, compliance e governança corporativa nas empresas brasileiras. Participaram 92 organizações em todo o território nacional. Dentre as principais descobertas está a de que 75% das organizações pesquisadas possuem uma área de compliance estruturada. A maioria (77%) conta com um comitê para lidar com esse tipo de questão. Pouco mais da metade (52%) oferece a política de compliance da empresa na intranet. Por outro lado, 92% oferecem canais seguros para receber denúncias de violação dos programas. Foram investigados também os desafios apontados pelas instituições participantes. Os três principais são: gestão de risco de compliance de terceiros, controle do cumprimento das políticas pelos funcionários e execução dos processos de avaliação de riscos.
A pesquisa mostra, de acordo com Ramello, que “há a necessidade de levar a política de compliance a um número maior de empresas e integrar os departamentos de comunicação para que fique claro aos funcionários e fornecedores quais são os parâmetros esperados de atuação e os valores das organizações”.
Por isso, a questão de compliance e da ética se torna fundamental no cotidiano das empresas. E, como as questões crescem em complexidade, já não basta às empresas comunicar visão, missão e valores de forma unilateral. É necessário que os departamentos de comunicação ajudem as empresas a lidar com questões complexas, que envolvam interação, reação e diálogo – e, assim, redimensionem a identidade e a marca, sem deixar envolver todos os participantes. Assim, os comunicadores são chamados a se integrar cada vez mais em decisões estratégicas, até porque cabe eles estabelecer o contato entre a empresa e seus fornecedores, seus funcionários e seu públicos. Empresas não se fazem mais apenas de intenções. Para estar à frente e inovar, elas precisam abrir canais de contato. “Isto é liderar”, diz Paulo Nassar.
Trecho integral com trechos publicados no Correio Brasiliense em 06/02/16.
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