por Álvaro Bodas
Financiamento de campanhas, análise do cenário político brasileiro e a influência do meio digital no setor foram alguns temas que pautaram a 3ª edição da Conferência Aberje de Relações Governamentais, realizado em 25 e 26 de agosto
Nemércio Nogueira, mediador do evento e diretor do Instituto Vladimir Herzog, abriu a conferência propondo “subir o degrau” na discussão do tema Relações Governamentais. Para ele, é necessário quebrar alguns paradigmas e levar a discussão a um outro patamar, considerando o momento de combate à corrupção que vivenciamos hoje, com um Ministério Público independente, uma Polícia Federal atuante, delações premiadas, livre circulação de informação e liberdade total de imprensa. “Precisamos de um choque institucional e de integridade nas relações entre as empresas, governo e sociedade. Muitos empresários só pensam nos dividendos e no curto prazo. Não basta ter códigos de ética escritos num pedaço de papel. É preciso colocá-los em prática e divulgá-los interna e externamente”, reflete. Gilberto Galan, sócio-diretor da Galan&Associados e também mediador da conferência, endossou a opinião de Nemércio e acrescentou que estamos numa transição entre “o velho e o novo”, entrando na era da empresa limpa, idônea e transparente, onde corruptos terão cada vez menos espaço. “Precisamos convergir o ‘ser’ e o ‘parecer’. Marketing, propaganda e imagem não são soluções para nada. Primeiro é preciso ‘ser’ verdadeiramente ético, e depois divulgar isso.”
Análise do cenário político brasileiro
Em seguida, Ricardo Sennes, sócio-diretor da Prospectiva, fez uma análise do cenário brasileiro atual. Para isso, o consultor levantou quatro hipóteses principais. O primeiro argumento é de que um ciclo político de 12 anos no Brasil chegou ao fim. As presidências tanto de FHC como de Lula foram exceções na política brasileira. Essas duas figuras foram capazes de mobilizar grandes coalizões e, assim, de forma geral, conseguiram implementar suas políticas públicas. Já o governo atual não foi capaz de manter sua base aliada, de modo que existe hoje uma acentuada fragmentação política. Tal fragmentação leva à barganha do Congresso sobre o Executivo, dificultando ainda mais a governança. O crescente número de cargos é reflexo direto desse cenário.
O segundo argumento é que a coalizão da base governista, apesar de ser liderada por um partido de esquerda, não é uma coalização de esquerda, os partidos são de perfis extremamente heterogêneos. A terceira constatação é de que a principal força política disputando com o atual governo não vem de partidos da oposição, mas sim do PMDB, evidenciando uma implosão da coalizão. Por último, a baixa liderança do Executivo abre espaço para o Legislativo.
Apesar do cenário, Sennes ressalta que a atual crise do Brasil é conjuntural e não institucional, pois os últimos 20 anos de democracia mostram que as instituições brasileiras estão cada vez mais sólidas. “Apesar de tudo, temos que reconhecer que esse processo institucional pelo qual estamos passando é louvável, com o juiz, o Ministério Público e a Polícia Federal atuando com autonomia”, opinou. O estudante de jornalismo e administração pública André Luiz Carvalho, participante da conferência, acredita que sairá do evento com informações valiosas: “meu TCC é sobre Relações Governamentais, e o conteúdo que estamos vendo aqui é muito rico, não temos acesso a isso na mídia tradicional”.
Doar ou não doar?
O terceiro painel traçou um panorama de como funciona o financiamento de campanhas pelas empresas e levantou muitos questionamentos a respeito da prática. O Prof. Dr. Wagner Mancuso, da USP, trouxe dados que mostram que, apesar de parte da verba de campanha ter como fontes o fundo partidário e o horário eleitoral, 95% vêm de empresas privadas. E poucas empresas concentram a maior parte das doações (28% do total doado nas últimas eleições vieram de apenas dez empresas). Além disso, os três maiores partidos receberam mais de 60% de todo montante doado em 2014. E mais: estudos mostram que essas empresas recebem mais financiamentos de bancos públicos e têm mais contratos fechados com o governo.
Entretanto, o pesquisador frisou que não é possível ser conclusivo com os dados, pois eles não estabelecem relação de causalidade entre os fatos, e há muitos outros fatores que influenciam a questão do financiamento por bancos públicos e de contratos com o governo. Para Rodrigo Correia, sócio da Correia da Silva Advogados, esse cenário levanta uma série de questões, como: o que leva uma empresa a doar; que tipo de financiamento queremos (público ou privado) e quais os limites (valores).
Novos cenários
O último painel do dia foi dedicado ao mundo digital e às restrições do governo. Leandro Bissoli, sócio do escritório Patrícia Peck Pinheiro Advogados, destacou algumas questões relevantes, como o fato de a segurança cibernética no Brasil ainda estar atrasada e o governo não investir na área. Na visão dele, isso seria crucial na atual era de transparência, colaboração por meio de redes de inteligência e compartilhamento de conteúdos. Contudo, ele reconhece alguns avanços, como o Marco Civil da Internet, o anteprojeto de proteção de dados pessoais e a Lei de Acesso à Informação. “Precisamos discutir, flexibilizar e regulamentar inovações como o bitcoin e o Uber, e não simplesmente proibir”, defendeu.
Raphael Caldas, Founder & Product Manager da ZenLobby, completou mostrando como as startups, por serem instituições novas, acabam não se encaixando na regulação existente. Os desafios enfrentados por essas empresas foram ilustrados por ele com exemplos de marcas como Uber, Airbnb e Google Fiber, que conseguiram enfrentar problemas de regulação nos EUA graças a negociações, acordos e criatividade, evitando o confronto direto e provando que novos modelos de negócio estão trazendo novas formas de fazer lobby e advocacy.
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