A contação de histórias pode ser um momento de transformação: seja pela legitimação de discursos corporativos, pela visibilidade de opinião de diversos segmentos sociais e até mesmo pela conquista de cidadania de pessoas em geral à margem dos recursos institucionais. Foi o que se viu nas palestras do segundo dia do 1º Congresso Internacional de Novas Narrativas.
O evento foi realizado pela Escola de Comunicações e Artes e pelo Grupo de Estudos de Novas Narrativas/GENN, com palestras internacionais e nacionais e mais de 100 trabalhos selecionados e apresentados em divisões temáticas, nos dias 11 e 12 de junho de 2015 no Auditório Paulo Emílio no Campus Butantã da Universidade de São Paulo na capital paulista. Veja aqui sobre a primeira manhã de debates.
Isabel Penteado, Coordenadora Técnica do Instituto Fazendo História, foi uma das palestrantes. A entidade busca colaborar com o desenvolvimento de crianças e adolescentes que precisaram da medida do acolhimento, a fim de fortalecê-los para que se apropriem e transformem suas histórias. Fundado em 2005, já teve mais de 5000 crianças e adolescentes beneficiados e hoje é referência em metodologias para relações reparadoras que favoreçam desenvolvimento e vida em família e na comunidade. As prerrogativas do trabalho partem do compromisso com as crianças e adolescentes e do direito de acesso às histórias de vida, com franqueza nas relações e trabalho voluntário qualificado. “É a apropriação das histórias pessoais e familiares para o desenvolvimento pleno do ser humano. Quanto mais cada um de nós conhecer a si próprio e a sua identidade, maior será a chance de traçar caminhos saudáveis e fazer escolhas conscientes e consistentes”, manifesta.
Entre os programas desenvolvidos pelo Instituto, está o Programa Fazendo Minha História. A proposta é fornecer meios de expressão para que cada criança ou adolescente entre em contato e registre sua história de vida, utilizando a literatura infantil como mediadora desse processo. São 1135 crianças e adolescentes participantes, 443 profissionais dos abrigos parceiros envolvidos, 473 colaboradores voluntários, 27 estagiários de universidades e 9513 livros entregues. Isabela comenta que os livros servem como instrumento de contato com outros mundos, de fantasia, de identificação, de abertura para falar de histórias, lidas e vividas. Eles ainda articulam álbuns de histórias de vida, para que cada um tenha clareza da própria história, dados sobre o próprio processo, empoderamento da criança ou adolescente e de sua história e legitimação do desejo e opinião da criança ou adolescente. Já o Programa Histórias Cruzadas oferece apoio para que pais e filhos adotivos se comuniquem de forma afetiva e verdadeira, através da construção de uma narrativa familiar coletiva que acolha as diversas percepções de cada um de seus membros.
DIVERSIDADE - As pessoas são diferentes. Têm diferentes pesos, cores, formas, tamanhos, nomes. Apesar dessas diferenças, todas continuam sendo gente. Mas, muitas vezes, alguns não são tratados iguais a outros. Isso acontece o tempo todo: na escola, na rua, no trabalho. Em especial, a diversidade sexual e de gênero é um dos grandes tabus na sociedade, e também no mercado de trabalho. Vale dizer que, no Brasil, há 17,9 milhões de homossexuais declarados em pesquisa do IBGE ainda de 2012, sendo que já aconteceram mais de 3 mil uniões civis de pessoas do mesmo sexo no país. Toda organização tem um conjunto de valores que traduz sua razão de ser, mas ainda assim poucas incluem o respeito à diversidade nesse espectro. Não há dúvida que a gestão da diversidade está ligada à cultura organizacional, que sofre impactos da sociedade. A maioria não enxerga, ou não sabe como aproveitar, o potencial humano, o conhecimento e até mesmo as vantagens competitivas que perde ao encarar o mundo sob determinados padrões e restrições.
Essas e outras constatações foram o estímulo que a consultoria de engajamento Santo Caos precisava para sair a campo. A empresa, além do atendimento convencional de demandas de clientes como McDonalds e ViaVarejo, também se debruça periodicamente na produção de conteúdo relevante para provocar reflexões. Foi o que se viu na apresentação exclusiva e completa do estudo “Demitindo Preconceitos: por que as empresas precisam sair do armário”, feito pelos sócios-diretores Jean Soldatelli e Guilherme Françolin durante o Congresso.
Foram entrevistadas 230 pessoas - entre ativistas, especialistas (psicólogos, psiquiatras e advogados) e profissionais LGBT no estudo da Santo Caos, mesclando entrevistas em profundidade e pesquisa online, o que totalizou cerca de 68 horas de filmagem. A proposta foi detectar e analisar comportamentos e poder abordar a relação entre a orientação sexual e identidade de gênero com o trabalho, do momento de escolher a profissão até o dia-a-dia nas empresas. 60% dos entrevistados declaram sua orientação sexual às famílias, sendo que 13% disseram já ter enfrentado problema para encontrar emprego por conta dessa abertura. Para 74% deles, a orientação sexual não tem nenhuma influência na escolha da profissão.
HISTÓRIA ORAL – A programação da segunda manhã do 1º Congresso Internacional de Novas Narrativas ainda contou com o painel “Narrativa oral sob a ótica da História”, com os convidados José Carlos Sebe Bom Meihy (Universidade do Grande Rio), Suzana Ribeiro (UNITAU) e Maristela Zell (Governors State University/EUA).
Suzana trouxe a noção de narrar como reconhecimento da própria história como relevante, uma experiência digna de ser contada. É um processo sempre sob impacto da seleção de palavras que traduzam um cotidiano passado ou atual. Ela falou sobre três tipos de narrativas – ficcional, historiográfica e cotidiana. A narrativa de ficção estabelece com a realidade uma relação criativa, que articula relações possíveis, mas se baseia também num campo cultural prévio vivido. Já a narrativa historiográfica tem a disposição de estabelecer com a realidade uma representação verdadeira e metódica, com pesquisas para assegurar como fatos aconteceram. A relação entre estas duas narrativas aparece com ênfase na obra de Hayden White, para quem ambas desejam a mesma coisa: oferecer uma imagem verbal da realidade.
A narrativa cotidiana tem pretensão à verdade como fator constitutivo do ato de narrar, seja individual ou coletivo. O tempo vivido do “antes” aparece ressignificado pela experiência do “depois”. São reveladoras de razões, emoções e sentimentos, muitas vezes não presentes em nenhum outro tipo de documento. Durante muito tempo, analisa ela, foi uma narrativa oprimida, mas vem sendo retomada requalificando a apreensão sobre o mundo a partir de subjetividades reveladas. “Narrativa é um conjunto de ações no tempo. Cada narrativa tem uma especificidade. Está ligada ao tipo de experiência que precisa ser narrada para que o sujeito se forme de uma determinada maneira”, explica. A palestrante então postulou a noção de “documentos líquidos” sob impacto da pós-modernidade: são documentos produzidos por equipamentos tecnológicos, descontínuos, subjetivos e auto-reflexivos. Eles não contêm uma explicação única sobre o mundo, mas se moldam a diferentes situações. As novas narrativas seriam geradas deste complexo.
Maristela Zell concorda que narrativas ajudem a interpretar o mundo. E ela estuda especialmente a vida dos latinos em território norte-americano, sempre envolvidos numa narrativa de submundo e de invisibilidade, e a produção de contra-narrativas para mostrar que existe valor na experiência de vida deles.
Sebe conceituou história oral como conjunto de procedimentos que se iniciam com a elaboração de projeto, seguem com entrevistas gravadas, estabelecidas em textos, colocadas ao alcance público. Tem, entre seus gêneros, a história oral temática, a história oral de vida, a história oral testemunhal e as tradições orais. Trata-se de um trabalho sob forte impacto do mundo globalizado, quando cada vez mais se dá voz a diferentes setores da sociedade, independente de poder ou hierarquia. Todo o desenvolvimento dos dispositivos eletrônicos e da internet colaboram para esta perspectiva inclusiva de dar espaço para outras narrativas, diferentes dos discursos oficiais. Outro ponto destacado pelo historiador é uma visão dedicada e valorizadora ao tempo presente, não entendendo a história somente como algo já ocorrido. E as narrativas do cotidiano então se tornam preponderantes e trazem “novos sujeitos sociais” com o mesmo direito à história e à cidadania.
A iniciativa teve patrocínio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA/USP, com apoio da Aberje, da Arco – Associação de Apoio à Arte e Comunicação, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da ESPM e da Casa Semio.
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