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A história das Bienais na história de Teixeira Coelho

22/09/2010

Em 2010, São Paulo receberá a 29ª Bienal de São Paulo. Com patrocínio máster da Fiat e do Itaú, a Bienal terá início no próximo mês. Para relembrar a importância da ação, a Aberje traz um depoimento de José Roberto Teixeira Coelho, curador do MASP e professor da Universidade de São Paulo, dado ao UOL. O depoimento, atemporal, indica os registros da Bienal na memória de Teixeira Coelho.

Em 2010, São Paulo receberá a 29ª Bienal de São Paulo. Com patrocínio máster da Fiat e do Itaú, a Bienal terá início no próximo mês. Para relembrar a importância da ação, a Aberje traz um depoimento de José Roberto Teixeira Coelho, curador do MASP e professor da Universidade de São Paulo, dado ao UOL. O depoimento, atemporal, indica os registros da Bienal na memória de Teixeira Coelho.


Confira a reprodução da íntegra do depoimento:

Primeira Bienal

"A minha primeira recordação da Bienal não é propriamente da Bienal. Eu não sabia que isso existia. Eu fui a uma exposição de arte, na segunda Bienal, eu creio, acho que foi a de 1953, que já se realizou no parque do Ibirapuera.
A minha memória desse momento é, na verdade, uma memória que abrange essa Bienal que eu acho que foi no final do ano, e as comemorações todas do Quarto Centenário da cidade. Tudo isso se juntou na minha cabeça de uma maneira sui generis e nessa exposição de artes, que eu não tinha idéia que fosse a Bienal, o que me chamou a atenção foi um quadro em preto e branco. Eu era muito garoto naquele momento, mas um pouco precoce, e tinha um interesse específico pela literatura e pelas artes e me chamou a atenção de maneira muito forte um quadro, que eu não entendi, em preto e branco, quando eu sabia que a maior parte das telas eram coloridas. Esse quadro que me marcou fortissimamente e eu só vim a redescobrir muito depois era "Guernica", do Picasso.


Arte informal abstrata

Minha grande, digamos, descoberta na Bienal e uma das razões pelas quais a Bienal ficou particularmente cara quando eu já tinha então uma noção do que significaria isso, era a Bienal que trouxe os artistas informais abstratos. Foi uma grande novidade para mim e à época também era um momento em que este tipo de manifestação estava se firmando. Em mim provocou uma paixão muito forte, pelas cores, pela presença das cores, a mancha de cor em cima de uma tela, isso para mim foi de uma força muito grande.


10ª Bienal - 1969

O momento seguinte talvez seja já sob a ditadura e aí não tem nada a ver com a arte propriamente dita, mas tem a ver com o clima que se formou ao redor da Bienal, como uma reação à ditadura militar. Se eu não estou enganado foi durante a Bienal de 1969 que houve uma reação dos artistas, que se recusaram a participar.
Eu ainda iniciava meus estudos na universidade e essa atitude dos artistas, então já não mais no campo estético, porém no campo político, para mim foi particularmente marcante.


16ª Bienal - 1981


De um ponto de vista de teoria da arte, de estética, de compreensão da arte como um fenômeno teórico, a grande inovação para mim foi a Bienal dirigida pelo Walter Zanini, que fez uma separação daquilo que era mostrado, não mais em termos de países _bem, os países continuavam a existir naquele momento_, porém não mais em termos de suporte, aqui telas, ali esculturas, mas sim em termos de linguagem. As obras foram dispostas pelo Zanini, que foi depois colega meu na Universidade de São Paulo, com muito prazer e muita honra, e foi o modo dele organizar estas obras, agrupando-as por linguagem, o que dava um entendimento ampliado do que as artes propunham. Foi a grande mudança, porque, tradicionalmente, como funcionava a Bienal? Um convite. Você convidava os países, os países escolhiam os seus artistas, um país não entrava em contato com o outro, aqui no Brasil se fazia uma seleção de obras, no início, o que talvez alguns ainda hoje dizem que era mais democrático, você simplesmente convida os artistas a apresentarem as suas obras e você faz uma seleção. Mas justamente com esse processo, era muito difícil você fazer qualquer outra coisa que não simplesmente colocar lá. Então, me parece que a opção do Walter Zanini foi, de fato, uma inovação profunda da história da Bienal de São Paulo.


18ª Bienal - 1985

Uma outra Bienal que talvez não se mencione como poderia ser mencionada foi aquela que apresentou a grande tela, que foi uma Bienal curada pela Sheila Leiner, e que teve um design diferente, colocando as pessoas diante de uma forte experiência sensorial. Ela dispôs a maior parte daquelas telas -que naquele momento eram chamadas de má pintura, obviamente entre aspas-, num grande corredor polonês como muitos chamaram, colocando as pessoas debaixo de uma forte ação sensorial da arte.

O conflito entre o curador e os artistas
Uma Bienal, uma exposição de arte, é alguma coisa a mais do que a simples colocação de obras umas ao lado das outras. O curador, já nesse momento, não só na época da Sheila Leiner, mas já a partir do Zanini, de modo especial, era também um artista, então, na verdade o desenho da Bienal é apresentado, a rigor, como uma obra de arte. É o crítico de arte fazendo o seu trabalho específico de crítica da arte através de uma intervenção material na realidade e, obviamente, surge aí um conflito entre o curador e o artista. É um embate de egos, um embate de proposições, mas eu acho que o nome do jogo é exatamente esse. Se uma Bienal não provoca algum tipo de mal estar, algum tipo de controvérsia, ela quase não ter mais sentido de ser.


As influências da Bienal na arte brasileira

Eu acho que houve dois desses momentos, digamos, numa tenra idade ainda da Bienal, quando a Bienal ainda era, vamos dizer, adolescente e que são presentes ainda hoje na arte brasileira. De um lado essa vertente do abstracionismo geométrico, com os concretos, e que começa justamente com a presença da Unidade Tripartida, do Max Bill, que está lá no MAC ainda hoje, para que as pessoas possam ver, do qual saiu uma linhagem enorme. Essa linhagem atravessou os anos 1950, atravessou os anos 1960, passou incólume pelos anos 1970. Os anos 1970 são os anos da grande explosão, digamos assim, de todo o sistema da arte, o artista recusava exatamente as forças das instituições como a própria bienal, recusava a galeria, recusava o marchand, tentava apresentar uma arte que sequer podia ser comprada. O caso da arte postal é meio arte, que você, como artista, envia um outro artista, estabelecendo um curto-circuito completo em relação ao sistema de arte. Ou, por exemplo, fazendo performances, instalações, que tinham uma duração limitada àquele momento em que era mostrado. Então, os anos 1970 significaram uma explosão na arte.

Mas, esta primeira linhagem concreta, ela vem dos anos 1950, passa pelos anos 1970 como quase se eles não tivessem existido e continua a produzir obras, inclusive importantes, nos anos 1980 e nos anos 1990.

Até hoje nós temos artistas vivos, talvez alguns deles não gostem de ser chamados de pós-concretos ou outra coisa qualquer. Pós-concretos não no sentido de que superaram o concretismo, mas que são uma fase ulterior do concretismo, em que estão até aqui.


A contribuição do abstrato informal

Uma outra linhagem que é muito importante e que deriva também de uma contribuição da Bienal, no meu modo de entender, é aquela que se inscrevia nas linhas do abstrato informal, o chamado abstrato expressionista, que vem, por exemplo, do Pollock, também presente numa das exposições iniciais da Bienal, depois com os tachistas todos, o Mathieu, que esteve aqui também, e tantos outros mais, e que quase da mesma forma que aconteceu com os concretos, se estenderam pelos anos 1960, contornaram os anos 1970 e continuaram a produzir obras depois nos anos 1980. Alguns artistas da geração dos anos 1980, aquele pessoal da Casa 7, que depois estaria na Bienal da grande tela, de alguma maneira continuaram o abstrato informal, embora mais matérico, mais agressivo, menos formal.
Eu acho que são as duas grandes contribuições que a Bienal trouxe.


Presença maciça da fotografia

A verdade é que as últimas versões da Bienal têm sido muito bem comportadas, de certa forma. A arte está passando por uma fase mais tranqüila, que não tem gerado escândalos. A arte parece relativamente incapaz de gerar escândalos. Isso não acontece só com a Bienal de São Paulo, acontece também com a Bienal de Veneza. As últimas Bienais de Veneza não trouxeram nada que fosse realmente fundamental. Se há talvez algum fato mais marcante nas últimas Bienais aqui de São Paulo foi, por exemplo, a presença maciça da fotografia como um novo meio de expressão. Na última Bienal, fotografias de grandíssimo porte, fazendo aquilo que antes as grandes telas faziam _e não me refiro só ao corredor, mas a presença de grandes telas individuais_, então, a fotografia se revelando como uma nova forma de expressão muito forte. Se ela é capaz de provocar o mesmo tipo de reação que antes se registrou é uma questão em discussão.

Me lembro, por exemplo, de uma Bienal de São Paulo onde a bodyart foi muito presente. Havia alguns artistas japoneses aqui que faziam intervenções no próprio corpo, algumas difíceis de serem presenciadas, um que se pendurava com ganchos pelo corpo inteirinho, essas eram marcantes, era um período da arte que de fato desestruturava o espectador. Mas as últimas têm sido bastante tranqüilas, é como se a arte não conseguisse mais causar escândalo.


A arte vive de contradições

No final dos anos 1960, o Boal desenvolveu, aqui no Brasil, e depois ele foi para fora, o teatro do invisível. O que era o teatro do invisível?

Ele agrupava alguns quantos atores, ia, por exemplo, a um supermercado, o grupo fazia compras e, na hora de passar pelo caixa, eles simulavam que uma delas não tinha dinheiro para pagar as compras. E criava-se uma história: "Mas essas compras são para o meus filhos que têm fome, eu tenho direito..." Enfim, ele criava, com aquela intervenção, uma comoção social, política, envolvendo pessoas que não eram só os atores num teatro invisível. Não havia a noção de teatro durante o momento, o teatro era revelado só depois. Hoje ocorre com uma parcela de artistas jovens, sobretudo, algo semelhante. Então, por exemplo, um artista vai às ruas da cidade e faz uma intervenção pictórica num muro. O passante vai olhar aquela intervenção, e hoje, numa cidade como São Paulo, cheia de pichações, de publicidade, não se dará conta de aquela pichação foi feita com uma intenção artística específica. Só que o artista, ao fazer esta intervenção estética, artística, tampouco quis deixar evidente que aquilo se tratava de uma arte.

Como é que você deixa evidente que uma coisa é arte? Você apresenta o seu produto numa galeria, coloca em um museu, você manda para uma Bienal, você o apresenta com um formato tradicional de arte, dentro de uma tela. Mas se você faz a sua obra, digamos assim, entre aspas, num muro, o que que a distingue do resto da cidade? Pouca coisa. No entanto, o artista viu ali alguma intervenção interessante, poética, social, ou outra, que ele não quer, no entanto, e aí é o paradoxo da questão, ele não quer que se apresente como arte. Mesmo assim, ele não deixa de registrar aquilo com fotografia e depois colocar esta fotografia numa galeria e eventualmente até vender a sua fotografia.

Isso é uma das grandes contradições da arte, da cultura. A cultura e a arte vivem de contradições desse ponto e nós não podemos esperar que o artista seja aí coerente com tudo. Mas, seja como for, essa é uma das ramificações da arte contemporânea que pode eventualmente ainda mexer um pouco mais com o público, o grande público, com a cidade, com a realidade com o cotidiano.

A Bienal ainda é necessária
Se a Bienal não morreu ainda, ela deve ser para alguma coisa necessária, mesmo que a gente não saiba muito bem por quê. Uma Bienal em um país como o Brasil, eu acho que continua a ser necessária, em São Paulo. O Brasil está longe de tudo. Quantas são as pessoas que podem pegar um avião e ir ver uma Bienal em Veneza, ou ir ver uma Bienal em Paris, ou na Espanha?

Se você mora na Europa, você acompanhar algumas das Bienais. É algo extremamente fácil, razoavelmente ao seu alcance. Aqui, neste fim de mundo que é o Brasil, se a Bienal não traz regularmente alguma coisa lá de fora, a coisa tende a ficar complicada.

É verdade que nós temos hoje museus com uma força que não havia na época em que a Bienal surgiu. Na verdade, os museus contemporâneos estavam surgindo junto com ela. Mas a Bienal, por ser exatamente um evento, ela tem essa propriedade de atrair aquilo que faz com que arte funcione ainda hoje, que é ter o dinheiro, e muito frequentemente a Bienal tem mais condições de atrair esse dinheiro que os museus estabelecidos, isso pode ser até uma falha e certamente é uma falha.

Eu, quando fui diretor de museu, senti na carne quanto os museus sofrem exatamente por esta capacidade de atração que a Bienal tem em termos econômicos.

Mas vamos nos render à realidade, quer dizer, as coisas são assim, então, elas sendo assim, menos mal que a Bienal exista. Acho que é diferente avaliar a função da Bienal em um país como o Brasil, num país subdesenvolvido como o Brasil, e eu insisto nisso, o Brasil não é um país em desenvolvimento, ele é um país subdesenvolvido, a Bienal é importante.

A arte precisa de concentração para depois se espalhar
As primeiras bienais, como o caso da própria Bienal de São Paulo eram centrípetas, quer dizer, você escolhia um determinado lugar da cidade e aí você conseguia uma fortíssima concentração de arte. Momentaneamente, aumentava a dose de arte daquele local. Funciona muito bem como se fosse um evento. Você tem um panorama chato numa cidade e, de repente, a Bienal vem e num pico ela atrai. Depois, ao longo do tempo _isso acontece em Veneza, por exemplo_ nós constatamos essa tendência da Bienal espalhar-se, quer dizer, é centrifuga. Claro que continua havendo um centro, em Bienal é o pavilhão, em Veneza são os jardins, mas há essa tendência de espalhar-se por toda a parte.

O que também corresponde a uma necessidade atual, contemporânea, e é interessante porque, numa cidade como São Paulo, nem todo mundo vai à Bienal, nem todo mundo pode ir à Bienal, ou se dispõe a fazer o percurso. Então, já que você não vai a Bienal, a Bienal vai até você. Esta dispersão é interessante, no meu modo de entender. Ela se explica por mil fatores: o número de artistas crescendo exponencialmente, as galerias que querem estar presentes também na esfera da Bienal, e que abrem as suas bienais paralelas, suas mostras paralelas, um grupo de galerias aqui, um outro lá, jovens artistas independentes que não têm galeria, que não foram aceitos pela Bienal.

Há toda uma multiplicação da Bienal, que faz com que o prédio da Bienal físico não possa comportar mais isso.
Eu acho que há uma discussão mal colocada hoje em dia a respeito de concentração e de centralidade. A cultura e a arte precisam de concentração. Você precisa ter uma densidade, um acúmulo mínimo, você precisa ter matéria prima básica em uma quantidade suficiente para depois poder irrigar.

Não é equivocado, do ponto de vista estratégico, você periodicamente favorecer esses acúmulos. O que é preciso é que este acúmulos, estes picos, venham acompanhados de medidas que depois se encarreguem de multiplicar esse efeitos.


Em arte eu sou assassina


Eu vejo nessa Bienal uma tentativa de recuperar, em parte, um tipo de arte que não é considerado normalmente de vanguarda, um tipo de arte que é de compreensão mais fácil, mais acessível às pessoas.

Posso até supor que os curadores estejam pensando que esta forma mais acessível seja uma das centelhas que permite, que faz com que a arte contribua nesse processo de viver junto. Mas eu, pessoalmente, tenho certa desconfiança da uma arte que permite viver junto.

Eu não me esqueço nunca de uma frase, de uma afirmação, da Louise Bourgeois, que diz o seguinte: "Em arte eu sou assassina.

Na vida real, eu sou um desses ratos que se escondem atrás de um radiador, de um aquecedor dentro de casa. Mas, em arte, eu sou assassina".

Quer dizer, em arte eu fendo, eu ofendo, eu destruo; em arte eu sou negativa, em arte eu sou negativista, e essa é ainda uma das grandes funções da arte. Porque todo o restante da sociedade está ocupado em construir alguma coisa, custe o que custar. Todo o resto da sociedade está voltado para a positividade. A negatividade também tem o seu lugar e o lugar da negatividade está sobrando para a arte.

Então, não arrisco nenhuma avaliação de juízo, não sei exatamente o que vai sair daí. Apenas, digamos, fico um pouco interessado em ver o que se espera de uma arte nessa história de como viver junto. E eu digo que fico interessado porque, geralmente, a arte não se coloca esse propósito. A arte não tem nenhuma proposição de construir coisa alguma, ela não tem nenhuma proposta de facilitar a vida das pessoas.

Eu, em arte, sou mais a Louise Bourgeois. "Em arte eu sou assassina", é o que ela diz. Com muita força, com muita verve, com muita ironia. Uma das maiores artistas do século XX.


TEIXEIRA COELHO, José Roberto. Teixeira Coelho: "Em arte, sou assassina, dizia Louise Bourgeois". UOL Entretenimento. 27º Bienal Internacional de São Paulo. 13 jul. 2006. Disponível em <http://entretenimento.uol.com.br/27bienal/entrevistas/textos/ult4026u9.jhtm>. Acesso em 17 ago. 2010.

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