Comunicações e protesto social no século XXI
O começo do Século XXI pode ser lembrado pela irrupção das tecnologias de informática e comunicações (internet, redes sociais, smartphones, tablets etc) e suas consequências na sociedade. De fato, uma das influências mais notáveis e uma evolução inesperada, já na segunda década deste século, é o novo fenômeno das manifestações sociais e populares, tão poderosas e impactantes que até derrubam governos ao redor de todo o mundo. O protesto social, a evolução tecnológica e a inoperância na gestão de comunicações de governo são fenômenos intimamente relacionados entre si e cuja compreensão constitui uma obrigação para os comunicadores.
O primeiro protesto social moderno começou em 18 de dezembro de 2010 na Tunísia, desatando um fenômeno que alguns especialistas denominaram “primavera árabe”, que resultou em manifestações sociais e quedas de governos em vários países da região. Em 2011, Londres se surpreendeu com uma série de protestos nos suburbios, que fizeram a Europa temer a extensão dos movimentos de protesto. Na América Latina, a Venezuela e a Argentina tiveram diferentes tipos de protesto em tempos recentes – todos pacíficos, e nenhum da magnitude dos anteriores – , e o Chile enfrentou um protesto estudantil muito importante, que durou meses. Entretanto, o fenômeno que verdadeiramente impactou a América Latina foi o protesto social desatado no Brasil nas últimas semanas, cujas causas, explicações e consequências intrigam os especialistas de toda a região, e em particular os governos.
As reivindicações dos diferentes protestos ao redor do mundo têm alguns pontos em comum e vários diferentes, conforme a situação econômica, social e política de cada país. Nas nações árabes, a reivindicação de maior liberdade e participação política se misturava com expectativas de melhorias econômicas e sociais. No Chile, o acesso massivo aos benefícios da educação foi a mensagem dominante. No Brasil, unem-se também a reivindicação ao acesso massivo dos benefícios do progresso – infraestrutura, educação, saúde, segurança pública – , a diminuição da marginalidade, a inclusão social e o combate à corrupção.
Governos e políticos em geral enfrentam os protestos com uma mistura de temor, surpresa e incerteza. Contudo, um fator comum na maioria dos casos é a incompreensão do próprio protesto e a ineficiência total em acertar as estratégias para enfrentá-lo. Enquanto os políticos da oposição e, muitas vezes do próprio governo, costumam se unir à reivindicação popular uma vez iniciada e fazem suas as proclamas e reclamações, em geral se enfrenta a situação com respostas mais apropriadas ao Século XX que ao XXI. A primeira resposta, geralmente ineficiente, foi a repressão militar e policial. Na maioria dos países árabes, paradoxalmente, terminou gerando enfrentamentos armados que finalmente derrubaram os próprios governos. Uma segunda resposta, igualmente ineficiente, foi a tentativa de controlar os meios de comunicação e as redes sociais, um reflexo manipulador próprio dos governos autoritários do século passado.
Chegando a este ponto cabe uma pergunta: onde estavam nesses momentos os “experts” em comunicação? O que estavam fazendo exatamente os supostamente especialistas em detectar as mensagens da população e oferecer um diálogo convincente? Sobre isso só penso em três respostas possíveis:
1. Não estavam.
2. Estavam lá, mesmo que dominados por um poder político anacrônico e equivocado.
3. Estiveram, mas foram totalmente ineficientes no diagnóstico da situação e na gestão de ferramentas para enfrentar o conflito.
Como dissemos anteriormente nesta coluna, uma das inovações mais disruptivas do começo do presente século foi o surgimento virtualmente simultâneo dos fenômenos absolutamente convergentes que se potencializam mutuamente: os dispositivos móveis e as redes sociais e internet em geral. Os dispositivos móveis levam a informação ou a possibilidade de compartilhar informação em tempo real a qualquer lugar, graças a seu acesso amplo à internet e às redes sociais. Estas, por sua vez, são a plataforma em que os usuários compartilham histórias, informação, perspectivas e conversas.
No século XIX os governos europeus e de outras regiões construíram sistemas de poder baseados em uma pirâmide de autoridade descendente, em que as classes governantes estabeleciam as regras do jogo para toda a sociedade. A competição política e econômica daqueles anos, baseada em fortes sentimentos nacionalistas, levou toda a sociedade a se alinhar ao novo esquema, desde a educação até os incipientes meios de comunicação, desde a estrutura militar até a organização política.
A revolução tecnológica associada aos meios de comunicação minou essa organização, dando início a um processo de destruição de estruturas que já leva algumas décadas. Em primeiro lugar, é indubitável a influência que o rádio e outros meios exerceram para minar a frágil construção política e social dos países da esfera soviética, que se derrubaram na última década do século passado. Paralelamente, a televisão a cabo e via satélite multiplicou as opções de canais para ver, e desse modo acabou com os monopólios informativos, permitindo às audiências estender seu olhar a outros interesses, desde um noticiário em outro idioma até um documentário sobre uma alcateia de leões na savana africana. Portanto, a audiência já não era obrigada a ver só três ou quatro canais de televisão, mas podia ter acesso a dezenas deles. Por último, surgiram a internet e os dispositivos móveis, acabando com os últimos vestígios de domínio informativo e educação formal segundo os velhos parâmetros.
Os protestos modernos são organizados e coordenados pela internet, cuja informação se transmite pelos dispositivos móveis, inclusive durante sua própria execução. Todas as ordens e os comentários são compartilhados abertamente e para milhares de pessoas: hora e lugar de encontro; os deslocamentos; as ordens políticas; as opiniões e reflexões. As novas tecnologias permitem ter acesso à informação de forma rápida, a uma velocidade superior à do controle do governo. Resumindo, imediatidade e massividade são dois atributos das novas tecnologias que potencializam o protesto social.
Em ocasiões anteriores compartilhamos nossa visão sobre como as novas tecnologias afetam as comunicações corporativas. Os governos e seus comunicadores deveriam aprender algumas regras que também estão causando impacto sobre eles:
• O controle acabou: décadas atrás se podia “controlar” uns poucos meios, e com isso a opinião pública. Agora o controle acabou. No melhor dos casos, participa-se da discussão pública em seu próprio terreno, as redes sociais.
• Não há líderes: muitos movimentos políticos aproveitaram a instabilidade gerada durante o protesto social para obter seus proveitos. Mas, em princípio, a maior parte não tem líderes e, portanto, não basta encarcerar alguns. O líder é a própria população, de maneira anônima e massiva. O Brasil é um bom exemplo disso.
• A pirâmide se esmagou: a tradicional pirâmide informativa, com uns líderes de opinião que influenciam outros, e assim sucessivamente, está deixando passagem para uma rede informativa absolutamente amorfa, abrangente e anônima. Sempre existem umas figuras mais ativas que outras, mas seus seguidores já não se alinham atrás, e sim estão no mesmo plano, lendo e comentando as notícias nos sites sociais.
• As redes não doutrinam: as redes estão para informar e fornecer conhecimentos, trocar opiniões, conversar e comentar. Portanto, de nada serve tentar controlar, é importante fazer parte, participar.
Portanto, é importante aprender como as mudanças tecnológicas modificam os processos comunicativos e, como consequência, influenciam a sociedade. Esse é um fenômeno extremamente dinâmico que promete não parar, o que obriga os comunicadores a atualizar seu conhecimento na mesma velocidade que a tecnologia, que atualiza a si mesma sem cessar.
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