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COLUNAS


Maria Ignez Mantovani Franco


Graduada em Comunicação Social, com especialização em Museologia; cursou doutorado em História Social na Universidade de São Paulo. É doutora em Museologia, pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, de Lisboa, Portugal.

Diretora da empresa EXPOMUS – Exposições, Museus, Projetos Culturais, por ela criada em 1981, atuou em cerca de 250 projetos de exposições nacionais e internacionais de arte e cultura brasileira, na América Latina, Estados Unidos e Europa. No Brasil desenvolve, pela Expomus, projetos museológicos, socioeducacionais e ambientais, em colaboração com instituições e museus nacionais; além de realizar palestras e conferências de capacitação em museologia e gestão cultural.

Foi membro de diversos Conselhos de Museus brasileiros e participa de organismos nacionais e internacionais, tais como AAM - American Alliance of Museums e ICOM - International Council of Museums. Representou o ICOM Brasil no Conselho Nacional de Política Cultural (2008-2009) e no Conselho Consultivo do Patrimônio Museológico do Instituto Brasileiro de Museus/MinC (2009-2010). Entre outras atribuições, é vice-presidente e representante para a América Latina do CAMOC – Comitê Internacional de Museus de Cidade do ICOM, foi diretora (2006-2011) e é a atual presidente do Conselho de Administração do ICOM Brasil (2012-2015).

Os dilemas dos museus na era digital

              Publicado em 28/11/2014

Os museus, sempre considerados como instituições conservadoras, avessas a mudanças, há já um bom tempo têm sido palco de grandes eventos, conquistando espaço na mídia. Tornaram-se, hoje, antenas de irradiação de inovação e tecnologia, local para a difusão de conhecimento, espaço de experimentações em novas mídias, lócus para instalações visuais e sonoras, palco de performances, experiências e residência de artistas.

O século XXI trouxe aos museus um enorme desafio: o mergulho nas águas profundas da era digital.

Foi-se o tempo em que, no interior das galerias dos museus, os guardas sisudos ameaçavam retirar rolos de filmes das máquinas fotográficas dos visitantes que insistiam em fotografar obras consagradas; hoje, os visitantes não apenas levam seus celulares de última geração para as áreas expositivas, como se fotografam em selfies inusitados à frente de obras-primas, como se estivessem em Roma, diante da Fontana de Trevi.

Os museus em todo o mundo passaram a adotar estratégias de comunicação e de marketing mais ousadas, e assim conquistaram filas intermináveis de visitantes a suas portas. Essas filas, antes mais tímidas, são hoje o resultado mais evidente das postagens espontâneas dos internautas nas mídias sociais. Trata-se do antigo boca a boca, que hoje se transformou no post, na curtida, na recomendação on-line. Não só o visitante vai ao museu para ver uma exposição inédita, como desfila no museu para ser visto, se autofotografa e publica nas mídias sociais. Esse fenômeno modificou totalmente a experiência de visitar um museu. Agora a visita é mais intensa, diversificada, por vezes até dispersiva, mas curtida e compartilhada com os amigos nas redes sociais.

O caderno Ilustríssima do primeiro domingo deste mês traz um artigo de Steve Lohr[1], publicado originalmente pelo New York Times, que analisa a experiência digital incorporada pelos museus americanos. Ele cita com veemência as experiências do Metropolitan Museum of Art (MET), de Nova York, analisando-as como uma espécie de capitulação de muitos museus frente aos atrativos do mundo virtual. As resistências naturais de administradores e curadores de museus foram esmaecendo e, na maioria dos casos, simplesmente sucumbiram diante dos excelentes resultados de público conquistado, o que redunda na migração de milhares de dólares para os cofres dos museus. A linguagem de comunicação dos staffs dos museus também se modificou muito e hoje já está povoada pelas estratégias do marketing, da comunicação e da alfabetização digital. A luta pela sobrevivência institucional não permitiu que os escrúpulos fossem mantidos e os dirigentes dos museus, ao contrário, tiveram de se apropriar de estratégias comunicacionais e digitais de grande impacto, com o objetivo de conquistar e manter o interesse do público. Há um certo consenso de que o grande público tem a expectativa de estar imerso em tecnologia quando entra no museu, ou seja, espera que esse mergulho lhe propicie experiências sensoriais inéditas, muito além da pura e simples contemplação da arte, ou do objeto histórico ou científico de interesse museológico.

Segundo Lohr, as tecnologias utilizadas por alguns museus já incluem a realidade aumentada, um tipo de software inteligente, que oferece conteúdos complementares a respeito de uma obra de arte, disponíveis para smartphones; as projeções em alta definição (a exemplo de experiências que vêm sendo propostas pelo Google aos museus), que dão a sensação de pura imersão numa obra de arte; ou a tecnologia 3D, que dá a impressão ao visitante de estar pegando um objeto, um inseto ou uma obra de arte. Esse conjunto de opções tecnológicas está disponível para que o visitante experimente e vivencie novas sensações nos museus, que se tornam, cada vez mais, um local atrativo e irreverente para públicos de todas as idades.

É importante que se diga, no entanto, que esses conceitos não são unânimes entre os museus. Há aqueles que lutam e são arredios ao uso da tecnologia, pois persistem na esperança de que um dia a observação artística consiga voltar a emocionar o público com a mesma intensidade com que hoje a tecnologia o seduz.

Recentemente, o Musée D’Orsay, que facultava que o público fotografasse no interior das exposições, com a prática do selfie pelos visitantes, voltou atrás e passou a coibir tal hábito. Esse pode ser um sinalizador importante, na medida em que o D’Orsay é um dos grandes modelos de comunicação no mundo contemporâneo dos museus.

Vemos portanto que, apesar de todo o encantamento pelo mundo digital, os museus se preocupam em manter o interesse do público pela apreciação da obra de arte, do objeto histórico ou do experimento científico. Para tanto, cabe aos profissionais de museus não permitir a banalização do uso da tecnologia pela tecnologia, ou seja, ela tem de estar a serviço do conteúdo e da difusão dos acervos dos museus. Neste sentido, pesquisas recentes mostram que a decisão de alguns museus de tornar acessíveis os seus acervos pela internet tem sido uma opção bastante acertada – os museus que tiveram essa coragem foram recompensados, pois fica claro que o acesso on-line, na verdade, estimula a visita espontânea do público ao museu. Ou seja, ver uma imagem de uma obra de arte ou de um objeto de época pela internet não substitui a experiência real de apreciar essa obra no museu – ao contrário, desperta o interesse e estimula a visita.

É importante assinalar que a tecnologia é algo de grande valor para os museus, não apenas para estimular a visita às exposições, mas também como recurso de aprofundamento para os programas de pesquisa, de conservação e principalmente de educação. Nesses campos as possibilidades estão agora exponencialmente ampliadas e os museus podem e devem explorar suas estratégias inovadoras.

Afinal, o papel do museu é preservar o passado, trazê-lo para o diálogo com o presente e, assim, perscrutar o futuro.


[1] LOHR, S. A transformação digital dos museus. Tradução de Paulo Migliacci. Folha de São Paulo. São Paulo, 2 nov. 2014. Caderno Ilustríssima. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/11/1540825-a-transformacao-digital-dos-museus.shtml


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