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Renato Delmanto
renato.delmanto@vpar.com.br

Gerente Geral de Relações com a Mídia do Grupo Votorantim, cursa atualmente o Mestrado em Comunicação na Faculdade Cásper Líbero, instituição na qual é professor. Jornalista formado pela PUC-SP, possui mais de 20 anos de experiência em mídia impressa (Veja, Folha e JT), televisão (Cultura e Band) e internet (Editora Globo e America Online). Desde 2005, especializou-se em comunicação corporativa, tendo atuado na CPFL Energia e Máquina da Notícia.

 

Uma licença necessária

              Publicado em 26/09/2013
Em 2006, Michael Porter publicou um estudo na Harvard Business Review, no qual revisitava o seu famoso modelo das cinco forças competitivas de mercado. O artigo (escrito em parceria com Mark Kramer) mostrava as conexões entre a vantagem competitiva e as práticas de responsabilidade social corporativa das empresas. O texto propunha um novo framework para ser usado pelas companhias na identificação dos impactos – positivos e negativos – de sua atuação junto à sociedade. Sugeria também que fossem priorizados os impactos mais relevantes para o negócio e as maneiras como eles deveriam ser endereçados – quais iniciativas deveriam ser adotadas. A conclusão é tão simples que chega a ser óbvia: para que as empresas tenham sucesso nos seus negócios, precisam de sociedades “saudáveis”. Ou, em uma adaptação livre desse conceito, não existe empresa rica em lugar pobre. 
 
Para saber o quanto a empresa afeta a sociedade, faz-se necessária uma avaliação dos impactos, a partir de uma análise de toda a sua cadeia de produção. No framework proposto, os autores recomendam que primeiro se tenha um olhar de dentro da empresa para fora (looking inside out). Dessa primeira análise, surgirão alguns dos principais temas ligados ao processo produtivo que deverão ser priorizados. Mas Porter e Kramer sugerem também uma análise de fora para dentro (looking outside in), para entender como alguns temas importantes para a sociedade afetam as ramificações da cadeia de valor do negócio e acabam influenciando a “habilidade em competir” da empresa.
 
Na prática, o endereçamento adequado desses temas e a busca de soluções representa uma grande oportunidade de gerar “valor compartilhado” com a sociedade. Ou seja, a solução desses tópicos é benéfica para a empresa, para a sociedade em geral e ainda contribui para o aumento da competitividade. Entre os temas normalmente mapeados nessa “matriz” aparecem educação, saúde, igualdade de oportunidades, uso de recursos naturais, disponibilidade de mão de obra, infraestrutura, etc. Porter esteve recentemente no Brasil e voltará em novembro, para falar justamente sobre esse tema na ExpoManagement. Será uma boa oportunidade para refletirmos sobre os impactos dos negócios sobre a sociedade. 
 
Já outro “pensador” do mundo contemporâneo dos negócios também esteve no Brasil no mês passado. O canadense Ian Thomson participou do Fórum Governança e Sustentabilidade, realizado em Curitiba, e palestrou no lançamento do Censo GIFE – Grupo de Institutos Fundações de Empresas, em São Paulo. 
 
Ian Thomson é um dos principais divulgadores do conceito da Licença Social para Operar (SLO, na sigla em inglês). Fundador da consultoria On Common Ground, há três décadas ele estuda os processos industriais, o uso de recursos naturais e o que seria um conceito de desenvolvimento socialmente sustentável desses negócios. 
 
Falando como se fosse um contador de histórias, Ian Thomson fez um relato de como deveria ser um passo a passo da atuação das empresas na sociedade. Para ele, a aceitação social para que um empreendimento seja instalado em uma determinada comunidade – e traga desenvolvimento para a região – tornou-se um item mandatório para que esse “desenvolvimento” aconteça. 
 
A conclusão dele é que as relações sociais mudaram e a sociedade também está mudando. E esse processo vem acontecendo desde antes do advento da internet (anos 90). Já vinham mudando com o início da globalização, com o processo de redemocratização de vários países, com o crescimento populacional desenfreado e com a conscientização e a organização das chamadas minorias. Nos últimos anos, esse processo de transformação foi acelerado pela internet e, mais especificamente, pelas redes sociais e pelo acesso móvel às informações por grande parte das pessoas. As empresas, portanto, também devem mudar sua forma de atuar. 
 
Thomson define esse novo ambiente social como uma “sociedade do risco”. Ele nos lembra que, na sociedade “do passado”, as pessoas tinham medo das forças da natureza, dos desastres naturais (como os incêndios, inundações, secas e pragas). O risco era algo externo, alheio à vontade humana. Já a atual “sociedade do risco” vive com medo do próprio homem e do que ele é capaz de fazer. Com a natureza e com a própria sociedade. O ser humano passou a ser responsável pelos desastres (que agora são a poluição, o desmatamento, os superinsetos, as mudanças climáticas, a desordem social). O risco passou a ter origem intrínseca, é algo próprio do ser humano. 
 
Nesse novo contexto social, fica mais difícil para as empresas conquistar a confiança das pessoas. A aceitação pública é impulsionada por uma percepção de credibilidade. E essa percepção não depende apenas da opinião dos clientes sobre seus produtos e serviços. A sociedade vem se tornando cética em relação às corporações. Ou pior, com as informações circulando rapidamente pela rede, a sociedade muitas vezes reage com cinismo em relação aos posicionamentos institucionais das companhias. 
 
Não há mais espaço para as empresas se “esconderem” das cobranças da sociedade. A evolução da democracia e o desenvolvimento das redes sociais permitiram que as comunidades se tornassem cada vez mais dispostas e capazes de desafiar aquilo que consideram inaceitáveis. Assim, os governos deixaram de ser os únicos responsáveis pela gestão do espaço público. O que acontece no ambiente social não é de responsabilidade apenas do poder público; as empresas também são questionadas. 
 
É aqui que nasce o conceito de licença social para operar. O termo foi proposto em 1997 por Jim Cooney, executivo de uma mineradora canadense, como requisito essencial para a sobrevivência futura da indústria de mineração. “Estamos operando em uma era em que a licença social é tão importante – se não mais importante – do que o potencial econômico do empreendimento”, diz Ian Thomson. 
 
Essa licença social é um endosso necessário para a atuação empresarial, concedido pela comunidade. Tem características distintas das demais licenças formais de operação (registradas em papel pelos órgãos reguladores). A licença social é informal, não permanente e dinâmica (depois de conquistada, tem de ser mantida em constante processo de aceitação, para que não seja perdida). 
 
Por basear-se no diálogo com a sociedade, a licença social exige uma mudança no mind set dos executivos – e geralmente resulta em mais custos de implantação para novos projetos. Mas a boa notícia é que, no longo prazo, os ganhos serão maiores. Tanto para a empresa quanto para a sociedade. É o que Michael Porter chama de valor compartilhado. As empresas devem contabilizar não o custo de fazer o que é correto, mas ponderar qual será o custo futuro de não ter feito o que era necessário. 
 
É bom saber que respeitados pensadores do mundo dos negócios estão se voltando para as questões sociais. Num mundo em que ainda temos dificuldade em entender o que está acontecendo no seio da sociedade, em entender o que significam os movimentos que tomaram as ruas, e qual é o papel de cada um de nós – principalmente nós, comunicadores – nesse novo contexto, essa reflexão é mais que necessária. É um debate que está apenas começando e ainda há muito caminho a se trilhar. Dentro e fora das organizações.
 

Na verdade, a história contada por Ian Thomson ainda não tem um final definido. Cabe às empresas “escreverem” esse final. Esperamos que seja um final feliz. 


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