Artigo publicado no jornal Correio Braziliense
Brasília, 13 de janeiro de 2013 (página 15)
Um mágico do traço, assim um dos arquitetos mais conceituados da atualidade, o britânico Norman Forstan descreveu Oscar Niemeyer. Conheci Oscar Niemeyer numa tarde de agosto de 1985, em sua casa no Rio de Janeiro, quando fui comunicar-lhe que o Grande Júri do Prêmio Moinho Santista (atual Fundação Bunge) decidira outorga-lhe a láurea do ano, por sua contribuição em benefício da arquitetura brasileira. Fui recebido com toda simpatia e, emocionado Oscar Niemeyer pediu-me detalhes sobre a fundação e os objetivos da premiação.
Informei que a Instituição fora constituída em 1955 com o objetivo de incentivar o desenvolvimento das Ciências, Letras e Artes e que não havia inscrições para o Prêmio e sim indicações por parte das Universidades e Instituições ligadas à área da premiação, levando em conta a vida e a obra do indicado. Após ouvir-me, com muita humildade comprometeu-se a participar da solenidade de premiação que se realizou no mês de setembro no Palácio dos Bandeirantes. Fez-me uma única ressalva: não viajaria para São Paulo de avião. Viria com o seu automóvel, pois não gostava das viagens aéreas.
Não é possível enumerar todas as obras de Oscar Niemeyer e, em 1985, quando da entrega do Prêmio, foram destacados alguns dos significativos projetos realizados por ele. O primeiro foi o antigo Cassino, hoje Museu de Arte, o Iate Clube, o Pavilhão de Danças e a famosa Igreja de São Francisco de Assis da Pampulha – Belo Horizonte; seguido por numerosas construções de prédios em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. A tarefa de maior projeção e que deu a ele maior fama, foram as suas realizações na construção da nova capital do país, Brasília, entre 1956 a 1965. Foram estas obras que deram para o seu autor, a possibilidade de demonstrar a sua singular capacidade artística e criativa. Para Oscar Niemeyer a nova arquitetura, com seus meios, tem de ir além de um funcionalismo técnico ortodoxo, mas procurar expressões plásticas. No dia da Premiação Oscar Niemeyer compareceu ao Palácio dos Bandeirantes sorridente e em trajes de gala. Foi aplaudido de pé pelo auditório que lotava as suas dependências. O seu pronunciamento é histórico e merece ser resgatado:
“Com satisfação – disse o Mestre – recebo o Prêmio que a Fundação Moinho Santista institui todos os anos para os valores culturais e artísticos do nosso país. E sem querer, como a tentar justificá-lo, volto-me para trás, para esse longo período de trabalho em que exerci minhas funções de arquiteto. Pampulha, o meu primeiro projeto; o encontro com JK; minhas reações naturais contra o funcionalismo que pontificava. Depois, Brasília; a terra vazia, a poeira a nos entrar na pele, o silêncio, o pesado silêncio do planalto a nos envolver naquele fim do mundo. Depois, ainda, minhas andanças pelo exterior e minha arquitetura aceita e louvada na França, Itália, Argélia etc.
Mas se esse último período, pela qualidade da sua arquitetura, foi o mais importante para mim, Brasília, representa sem dúvida minha tarefa principal de arquiteto. A mais humana. Um longo período de alegrias e tristezas, de entusiasmos e desencantos. Recordo comovido, lá pelos anos 57, ainda vazia, agreste, sem um caminho, uma árvore sequer. Lembro, então, seus primeiros tempos, a cidade a surgir pouco a pouco, as ruas se delineando, os canteiros de serviço a se espalharem por onde só existia mistério e solidão. É claro que havia desconforto, que à noite uma angústia imensa nos invadia, mas o trabalho tudo superava com seus cronogramas de ferro. Incomodavam-nos apenas as campanhas contra a construção da Nova Capital, os obstáculos que cercavam JK, as mentiras de que o lugar fora mal escolhido, longe demais, etc.
A tudo isso JK resistia e juntos, como numa grande cruzada, só pensávamos na sua promessa: construir a Capital deste país. Que experiência extraordinária! Pouco a pouco, começaram a surgir seus edifícios e o Alvorada com suas brancas colunas de mármore foi o primeiro a ocupar espaço naquele velho sertão. Depois, surgiu o Brasília Palace Hotel; os blocos dos ministérios enfileirados como previa o Plano Piloto; o Congresso, o Planalto, o Supremo, a Praça dos Três Poderes com a bela escultura dos guerreiros de Bruno Giorgio”.
Oscar Niemeyer tinha convicções ideológicas, firmes e as sustentava com desassombro. No seu pronunciamento, afirmou:
“E os tempos passaram. Veio Jânio, Jango Goulart e em 1964 o golpe militar. A escuridão, a violência, o autoritarismo exacerbado. E os canteiros de serviço se esvaziaram e o entusiasmo e otimismo de JK se diluíram na burocracia e nos apelos do lucro e poder que desmerecem a vida brasileira. A Universidade de Brasília, que Darcy Ribeiro criara com o maior entusiasmo, foi invadida, dela me afastando, solidário, com duzentos professores”.
Com equilíbrio e coragem política denunciou que: “o meu escritório vasculhado duas vezes e eu outras tantas convocado à Polícia Política e ao Quartel do Exército. Meus trabalhos começaram então a ser recusados. Lugar de arquiteto comunista é em Moscou, dizia o Ministro da Aeronáutica. Não havia alternativa. E parti para o velho mundo com minhas mágoas e minha arquitetura”.
O Exílio o incentivou a dar continuidade ao seu trabalho como afirmou: “Os que pensavam me paralisar deram-me, sem querer, minha melhor oportunidade, e apoiado por André Malraux, De Caulle, Boumedienne e Giorgio Mondadori, realizei no exterior o que gostaria de ter realizado no meu país”. A Nova República deu a Oscar Niemeyer ânimo, como afirmou no final da sua fala: “Agora, com a Nova República, os horizontes começam a clarear, a censura foi afastada, a violência contida e denunciada, o autoritarismo superado nas decisões governamentais. Mas falta alguma coisa ainda. A igualdade social. Esse mundo melhor pelo qual sempre lutamos”.