Artigo publicado no Jornal do Interior (ano XIV – número 99 – junho/2013)
As reflexões de um dos incontestes líderes mundiais – cujas palavras transcendem a expressiva comunidade católica (perto de 1,2 bilhão de pessoas no mundo, segundo o Anuário Pontifício) – traçam um cenário perturbador nascido da atual tendência de alijar o conceito da ética da finalidade maior do esforço humano, que deveria ser a busca da felicidade e da justiça nas relações sociais, e não simplesmente do lucro de vários tipos a qualquer preço, em prejuízo de uma concreta sustentabilidade do desenvolvimento. Na encíclica Caridade na verdade, o papa Bento 16 diz que, quando prevalece o primado da técnica, a consequência é uma tremenda confusão entre fins e meios: o empresário considerará o máximo lucro na produção; o político, a consolidação do poder; o cientista, o resultado de suas pesquisas; e assim por diante. Em consequência, sob a rede das relações econômicas, financeiras ou políticas, vicejam incompreensões, contrariedades e injustiças; os fluxos dos conhecimentos técnicos se multiplicam em benefício de seus detentores; enquanto as condições de vida das populações que vivem sob tais influxos – e quase sempre na sua ignorância – permanecem imutáveis e sem assegurar efetiva possibilidade de emancipação.
Não é deste século a preocupação da Igreja com a questão do desenvolvimento e da justiça social, tanto que esse é tema tradicional e recorrente das influentes encíclicas papais. Já na Páscoa de 1967, Paulo VI lançava a encíclica Populorum progressio na qual, ao propor ações estratégicas visando à universalização dos benefícios do desenvolvimento, alertava que “as excessivas disparidades econômicas, sociais e culturais provocam, entre os povos, tensões e discórdias, e põem em perigo a paz”. Neste início de século, é cada vez mais evidente que a escalada dos conflitos entre países, entre etnias, entre comunidades religiosas encontra um fértil alimento na pobreza e nas desigualdades de todos os tipos. Cenário que torna extremamente atual a afirmação da Paulo VI na mesma encíclica: “Combater a miséria e lutar contra a injustiça é promover não só o bem-estar, mas também o progresso humano de todos e, portanto, o bem comum da humanidade.” Para ele, a paz não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário das forças e, sim, constrói-se, dia a dia, na busca de uma ordem que traga uma justiça mais perfeita entre os homens.
Essa visão da paz não pode prescindir da ética – hoje um valor condenado a uma marginalização que contamina os princípios que deveriam reger as relações internacionais. Bento 16 identificou o grande risco de a paz ser considerada uma mera produção técnica, fruto apenas de acordos entre governos ou de iniciativas tendentes a assegurar resultados econômicos. Com isso, fez eco a Paulo VI, que considerava os povos os autores e primeiros responsáveis pelo próprio desenvolvimento, num esforço que envolve, além dos governos, a atuação de famílias bem estruturadas e de organizações profissionais, responsáveis pela tarefa educativa voltada à formação integral das pessoas. Aliás, ele considerava a educação de base o primeiro objetivo de um plano de desenvolvimento, pois “a fome de instrução não é menos deprimente do que a fome de alimentos”.
As palavras dos pontífices levam à reflexão, sendo impossível não concordar com a advertência comum a eles de que o desenvolvimento econômico e social ficaria comprometido sem o respeito à verdadeira escala de valores. Escala essa que é ditada pela ética, cuja prática resulta na desejável união do progresso técnico e econômico à construção de uma sociedade mais justa e humana. Uma sociedade propícia à realização de cidadãos plenos, com acesso garantido à educação, ao trabalho e à liberdade como fatores primordiais da busca pela felicidade. Em resumo, como concluiu o papa Paulo VI, desenvolvimento é o novo nome da palavra paz.