O cipoal de leis que atravanca a estrutura jurídica do Brasil esconde áreas nebulosas, nas quais se acumulam normas arcaicas ou carentes de regulações que disciplinem novas atividades geradas pelos avanços da tecnologia, pela modernização da economia ou pelo próprio desenvolvimento da sociedade. Em maior ou menor grau, essa distorção traz efeitos negativos especialmente aos setores estratégicos em que agentes privados prestam serviços de utilidade pública, como transporte, petróleo, energia e telefonia. Entretanto, bem ou mal, atualizados ou defasados, essas atividades contam com marcos regulatórios para pautar seu funcionamento – mesmo que de tempos em tempos sejam abalados pelo descompasso entre a agilidade da iniciativa privada e a morosidade da administração pública, a lei está aí estabelecendo condições visando à defesa dos direitos dos cidadãos e investidores, do interesse nacional e da concorrência saudável. E, por último embora não menos importante, para balizar as políticas públicas setoriais.
Reconheça-se que não são tranquilas nem descomplicadas a elaboração, a discussão e a aprovação dos marcos regulatórios para setores-chave. Até porque interferem diretamente na vida do cidadão, envolvem investimentos pesados e impactam o desempenho da economia, as medidas disciplinadoras costumam gerar reações apaixonadas, pró e contra. Só que elas são fundamentais para sustentar o desenvolvimento e assegurar condições para o pleno exercício da democracia.
É esse o clima aquecido que atualmente cerca o debate recorrente sobre a criação do marco regulatório para a comunicação social. A legislação atual é obsoleta, dispersa e confusa, composta de várias leis que não dialogam uma com as outras, gerando insegurança e confusão. Muitas datam dos anos 60, como o Código Brasileiro de Radiodifusão, que rege o rádio e a TV. Esse cenário beneficia os grandes grupos que se favorecem da concentração do setor, o que impede, muitas vezes, a circulação de ideias e, por conseguinte, o pleno exercício da democracia, da qual um dos pilares é exatamente a liberdade de expressão.
A questão do marco regulatório para a comunicação social é tema dos mais delicados, pois pode representar a tentação de controle da mídia entre os espíritos de tendência, digamos, mais autoritários e avessos ao contraditório, quando não interessados em evitar um jornalismo mais atuante e crítico em relação a abusos e outros desmandos na esfera pública. Tendência que, se prevalecer, pode facilmente desaguar em controle ou censura da imprensa. Entretanto, restringir a questão ao combate e à denúncia de tentativas de impor censura é tratar do problema pela metade. Aqui, o objetivo da boa batalha deve ser propiciar os meios para que todos os cidadãos tenham condição de exercer a liberdade de expressão e se beneficiar dela, o que se conseguirá, por exemplo, dando voz às minorias e abrindo espaço para temas que, apesar de relevantes, hoje passam quase à margem do noticiário ou recebem tratamento superficial, por razões não difíceis de imaginar, mas cuja análise não cabe neste artigo.
Lições vindas de países desenvolvidos e de longa tradição democrática demonstram que é viável a adoção de um conjunto de leis que configurem um marco regulatório como um instrumento para o mais amplo exercício da liberdade de expressão. Em nações como Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha, a legislação específica foi criada para facilitar a todos os cidadãos o acesso à informação, assegurando a pluralidade de opiniões e a livre manifestação do pensamento, garantidos por princípios constitucionais.
No Brasil, a questão do marco regulatório para a comunicação social entra e sai da pauta de debates da sociedade, sempre sem uma definição clara de sua prioridade ou da posição do governo – Executivo e Legislativo, principalmente. Isso apesar de a Constituição incluir dispositivos sobre liberdade de expressão (artigos 220 a 223) que aguardam regulamentação desde 1988.
Pontos abordados no seminário Democracia e comunicação, que reuniu jornalistas e representantes do governo na sede do CIEE Brasília, evidenciam que uma nova realidade enfatiza a urgência de o Brasil discutir com mais profundidade e maior serenidade o tema da liberdade de expressão e seus desdobramentos. Com o avanço do acesso à educação e à tecnologia da informação, a sociedade torna-se exigente, mais difícil de ser manipulada por grandes interesses, públicos ou privados, e passa a reivindicar transparência dos governos, das empresas e das organizações não governamentais. A comunicação instantânea, via internet, gera um trânsito caótico de informações com dupla face. De um lado, amplia brutalmente o acesso aos fatos e ao conhecimento, o que constitui, entre outros aspectos, uma importante ferramenta educacional. De outro, dá margem a ações que podem ferir irremediavelmente direitos individuais e coletivos. São fatos novos que se somam aos já citados.
Não será fácil enfrentar a complexidade de montar um código da comunicação social, compatibilizando interesses – e preservando direitos – díspares. Mas é cada vez mais urgente a tarefa de criar condições para que a comunicação se transforme num efetivo instrumento de defesa da democracia, transferindo a questão da retórica dos belos discursos para o campo do direito, talvez mais árido, mas certamente mais eficaz para dar segurança ao setor e garantir o respeito aos direitos fundamentais da sociedade e do cidadão.
___________________________________________
Artigo publicado na Revista Negócios da Comunicação (01 de agosto/2013, página 10)