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ALEX PERISCINOTO
Publicitário, sócio da agência Almap/BBDO e consultor da BBDO para América Latina. Foi presidente da Associação Brasileira de Agências de Propaganda e da Fundação Bienal de São Paulo; é colunista do jornal Folha de S.Paulo e membro do corpo de jurados do International Festival of New York. Palestra proferida em 9.11.97.
A Imaginação contra
o Condicionamento

 

Quando se aprecia a capacidade de comunicação dos mestres, constatamos que o publicitário, que trabalha com os 30 segundos de um filme para TV ou um spot para o rádio, tem mesmo de estar reduzido à sua devida proporção: vender o produto em 30 segundos e cair fora. Ainda assim, é abençoado ao ser chamado de homem de comunicação. A comunicação, porém, é coisa muito mais nobre que a publicidade. A publicidade é apenas um pedacinho da comunicação a serviço comercial.

A Universidade de Yale, nos Estados Unidos, fez uma pesquisa sobre o comportamento humano relacionado com a imaginação e o conhecimento. Evidentemente, a criança nasce com a imaginação e o conhecimento a zero quilômetro. A imaginação (vale dizer, a criatividade) passa então a ter um crescimento intuitivo. Por força da Natureza, entre os 6 e os 8 anos a criança tem, logicamente, mais imaginação do que conhecimento. Depois começa a freqüentar a escola e, na meia idade, as duas linhas se cruzam, indo para o brejo a linha da imaginação. O homem comum é assim: à medida que vai crescendo seu poder de julgamento e de juízo, a linha da imaginação vai descendo e subindo a do conhecimento.

Em um ponto da infância, o menino conta a seu tio: "Tio, vi uma trombada de um submarino com um trator!". Na verdade, submarino não tromba com trator. É que a criança tem imaginação, mas não lógica. Na idade adulta, uma pessoa jamais diria uma coisa dessas, visto que caminha e pensa pelos fatos.

Não cultivar a imaginação e a criatividade é um crime. É possível que, nesse ponto, encontre-se uma ascensorista – profissional que nunca ouve uma história inteira, que não pode fazer greve porque a máquina anda do mesmo jeito; sobre quem as fábricas de elevadores pensam que tem um bumbum de 12 x 12 centímetros, e que passa seis horas seguidas fechada dentro de uma caixa de lata. Ela precisaria ser gênio para escrever uma novela com a colcha de retalhos das histórias que ouve da boca das personagens que desfilam à sua frente.

Aí vem a criatividade brasileira, produzida por alguns criativos natos e intuitivos: choferes de caminhão, donos de bar, empregados de botecos e até mesmo ascensoristas… Esse pessoal apresenta um toque de criatividade espantoso. Existe ali uma linha da imaginação em certa ascendência, mas sem muita chance de aproveitamento.

Por exemplo: um dono de bar colocou na parede de seu estabelecimento uma placa com os seguintes dizeres:

Pão com manteiga – R$ 1,20
Pão com margarina – R$ 1,00
Pão sem manteiga – R$ 0,80
Pão sem margarina – R$ 0,60

Então, eu perguntei: "Mas como é isso? Como pode o pão sem margarina ser mais barato que o pão sem manteiga". E ele respondeu: "O que está certo é o de baixo, o resto é marketing!". É esse o nível de intuição ao qual me referi. É o que os norte-americanos chamam de conversation piece.

Em alguns segmentos, desenvolver a criatividade – ou estar atento a ela – é bem mais difícil por força do grande inimigo invisível chamado condicionamento. Os engenheiros, por exemplo, com todo respeito que merecem, ficam tanto tempo aprendendo que quase não lhes sobra nada para a imaginação. Eles precisam ser Niemeyers para sair da enxurrada do condicionamento.

O condicionamento leva muita gente a sempre fazer as coisas do mesmo jeito. Como se faz igrejas, por exemplo? Há uma igreja de Chicago que ocupava o melhor terreno da cidade. Construída em estilo gótico, ela estava ali havia dezenas de anos. Até que um dia, um vigário iluminado pensou: "Por que motivo eu ocupo o melhor terreno da área, que não é barato, e tenho que viver de esmolas e doações, hoje cada vez mais escassas!". E nos Estados Unidos só 30% da população são católicos. Aí está: ele derrubou a igreja, construiu um prédio de 35 andares e fez a igreja na cobertura. Eu estive lá: sobe-se por um elevador vermelho, todo forrado de carpete e com uma grande cruz dourada. Quando cheguei ao templo, vi que era uma igreja igual a qualquer outra do mundo inteiro. "Que beleza!", exclamei. O vigário notou minha estupefação e comentou: "Assim estamos mais perto de Deus" – como quem dissesse "resolvi o problema de sobrevivência de minha paróquia, mantive o espaço de fé e ainda por cima aumentei meu rebanho".

Isso é descondicionamento. Em condições normais, jamais poderia ocorrer a alguém uma coisa dessas. E imaginem que confusão deve ter havido no dia em que o vigário apresentou a planta ao Vaticano. Mas a igreja está lá, em Chicago, em frente a uma escultura de Picasso e uma praça lindíssima, onde fica a principal biblioteca da cidade. Isso aí é mais do que publicidade: é a criatividade funcionando no seu tônus legítimo.

Vejam o caso da revista Rolling Stone. Por muito tempo foi uma revista para um público hippie, com muita guitarra, rock’n’roll y otras cositas. De repente, a embalagem foi à breca: essa roupa e esses cabelos passaram a não existir mais, e essa faixa etária – agora os yuppies dos anos 90 – passou a ter camisa e paletó normais, calça combinando com sapatos e não-sei-o-que-mais. Esqueçam, então, a Rolling Stone de antes. Ela não se destina mais àquele público, mas a alguém que compra som, carro, TV etc. Uma mulher chamada Nancy Rice, de Minneapolis, fez uma campanha de gozação e foi vendê-la à revista. Eles aceitaram e a Rolling Stone de hoje deixa a gente bobo diante da diferença. A publicação se descondicionou e virou a mesa. Da fase antiga, ela só mantém o nome e o logotipo. Não lhe interessa desfazer-se deles.

Como sabemos, a cocaína é um dos melhores negócios do mundo. A indústria de armamentos é outro que, embora tenha vendas apenas esporádicas, quando fatura, fatura para valer. Os compradores não pechincham; a fábrica trabalha dia e noite, cobra hora extra etc. E é material descartável. Recolhem-se aqueles tanques de guerra e aviões estragados, que ficam enferrujando ao relento, e ninguém pergunta quanto custou cada um.

Durante a Segunda Guerra, a Ford fabricou armamentos e nunca ganhou tanto dinheiro. O cliente era o governo americano e o pagamento, à vista. Com o fim do conflito, a Ford colocou um anúncio no mundo todo: "Há um Ford no seu futuro!". Com isso, conseguiu fazer uma bela ponte para a sua imagem, entre o período da guerra e o da paz. A Ford ainda não tinha carro para vender, nem sabia que carro faria. Foi já no fim da guerra que a fábrica começou a planejar o Ford 45, o primeiro modelo produzido depois da guerra e o mais vendido da época. De toda a publicidade de corporate image que conheço, esta se destaca por ter uma sabedoria incrível. E a custo baixíssimo. Mais: feita por uma fábrica que ganhava uma fortuna e podia dizer: "Estávamos unidos em patriótico esforço de guerra, e por isso fabricamos armamentos…" A Ford, porém, teve o cuidado de manter sua imagem junto ao grande público.

Como vocês sabem, a Federal Express foi montada por Fred Smith, um veterano da guerra do Vietnam que voltou para os Estados Unidos sem nada e começou a entregar pacotes… montado em uma bicicleta. Era no inverno que encontrava mais chances para trabalhar. Chegou a montar uma frota de bicicletas, depois uma de motos, e tudo aquilo se transformou na FedEx, que hoje tem sua própria frota de jatos. É uma potência, a maior empresa do mundo em matéria de delivery, pioneira em seu segmento – Fred Smith tem mais essa honra. Ele assumiu um compromisso: ‘till tomorrow ten o'clock’. A FedEx faz seus aviões e caminhões correrem pelo mundo e garante: "O pacote chega ao seu escritório até as 10h00".

A Federal Express tinha pontualidade comprovada, era uma glória nacional. Até que apareceu uma empresa chamada Air Express, que passou a veicular um anúncio onde seu principal executivo aparecia rasgando uma fatura da FedEx. O texto dizia: "Eu, Burlington, da Air Express, entrego para você qualquer pacote no dia seguinte, só que depois do almoço". Qual a diferença? O país estava acostumado com o horário de 10h00, imposto pela FedEx, para a entrega de encomendas expressas. A Air Express, então, passou a entregar um pouco mais tarde, com descontos de até 50%. Pelo menos metade dos diretores financeiros das empresas viram o anúncio e começaram a perguntar ao seu pessoal: "O destinatário precisa mesmo desse pacote até as 10h00?" A resposta era não. A Air Express pegou o vácuo da FedEx e conquistou 40% do mercado de entrega expressa.

Esse tipo de inteligência me deixa de joelhos. Não sei como a gente não a assimila no Brasil. Estamos fazendo o layout certo, o texto certo e, aparentemente, o comercial certo. Mas há um grau de capacidade de raciocínio que fica bem mais acima disso.

Vejamos o que ocorreu em Nova York. A prefeitura não tinha dinheiro para promover a cidade. Para fazer uma coisa chique, inteligente e gostosa, hay que tener plata, e a prefeitura não tinha. Aí uma amiga nossa, Mary Wells, que todos conhecemos e é apaixonada pelas coisas públicas, fez uma campanha de graça para a prefeitura de Nova York. E ainda por cima conseguiu a participação de Frank Sinatra, Liza Minelli e um grande número de outros artistas, tudo de graça! Convenceu esse pessoal a proceder como cidadãos e, em troca, prometeu colocar no filme o número do telefone do serviço de reservas e compra de entradas de teatro. Outra vez me ajoelho diante dessa inteligência: que danada, essa Mary Wells! A nosso convite ela veio ao Brasil, adorou o Rio e disse: "Dá para fazer alguma coisa para mudar essa idéia de cidade perigosa!". Mas até o pessoal se convencer... O Brasil ainda está precisando dialogar muito.

Reparem no erro cometido em um filme usado na campanha para a segunda eleição Ronald Reagan. Naquela época, era comum publicarem gráficos de barras indicando a quantidade de mísseis nucleares da União Soviética e dos Estados Unidos, armas refinadíssimas. Era uma Guerra Fria que estava esquentando perigosamente. O Reagan ia recandidatar-se e os iluminados, de imaginação supostamente alta, expuseram o problema: "Você tem de mostrar que é macho, que está preparado para a paz. Não vamos falar em guerra, mas apenas meter um urso na tela." Para os norte-americanos, a antiga URSS era simbolizada por um urso. "There is a bear around", disseram os tais iluminados, "e se a gente não tomar cuidado com ele…". Na seqüência do filme aparecia Reagan, junto à bandeira norte-americana, "preparado para a paz!" Fazia o papel de um xerife que espantava o urso.

Estamos fazendo o layout certo, o texto certo e, aparentemente, o comercial certo; mas ainda precisamos muito mais do que isso

Montaram então este filme, cheio de metáforas e muito bem feito, que ficou meses no ar e foi tudo para o brejo. Não funcionou. Aí chamaram o Phil Dosenberry. "A pesquisa está mostrando resultado negativo", disseram os gênios do comitê de campanha. "O que podemos fazer para reverter essa tendência?" E Phil disse:

— Esqueçam esse filme. Ninguém no país acorda de manhã querendo lembrar que a guerra é uma possibilidade. Nem imaginar que, por mais que o Reagan queira ser um bom xerife, vai haver um ataque nuclear. Ninguém quer franzir a testa. Vocês estão lembrando o problema, e não é por aí: joguem isso no lixo! Joguem no lixo também essa história de "preparado para a paz" porque esse texto lembra a guerra.

Phil foi encarregado de fazer um novo filme, e o fez com base no que qualquer cidadão quer ter como país. Foi de uma simplicidade franciscana: "Morning again in America". E aí o Reagan subiu nas pesquisas. É como as pessoas dizerem: "Aí está o que nós queremos, e não aquele maldito urso!".

É essa inteligência e essa sensibilidade que funcionam junto às pessoas. Agora que temos todo um sistema refinado de pesquisa e toda uma parafernália técnica, está novamente em moda a intuição profissional. Quando sento para conversar com Phil Dosenberry, Mary Wells e o Bruscal Ford, fico com os olhos cheios d’água ao ver como é possível alguém ter paixão por essa profissão, em um estágio mais elevado que os 30 segundos de duração de um comercial.

A imagem de uma organização ou segmento empresarial é às vezes tão ruim que fica difícil revertê-la. Com um desses três gênios amigos meus – Phil, Mary Wells e Bruscal Ford –, talvez dê. Mas há outra ferramenta, que cai fora dos 30 segundos. Digo isso com todo o meu respeito pelos 30 segundos, já que todos nós publicitários vivemos deles, inclusive as emissoras, os jornais e as revistas. Convém não esquecer que 1% do PIB do Brasil é investido em publicidade, o que quer dizer quase 10 bilhões de dólares. Os Estados Unidos gastam com a publicidade cerca de 600 dólares/pessoa, enquanto que no Brasil essa relação está entre 26 ou 27 dólares/pessoa.

Para melhorar a imagem não se pode ficar nos 30 segundos. É que por essa via será preciso gastar uma fortuna, em função da quantidade das inserções necessárias. E, por maior que seja a nossa criatividade, corremos o risco de cair na enxurrada do intervalo comum.

É difícil consertar uma imagem. A dos advogados de Wall Street, por exemplo. Além de terem uma imagem péssima nos Estados Unidos, um segmento deles em particular está lá em baixo: são os take over, os sujeitos que vão discretamente comprando ações de determinadas empresas, na moita, e que depois chegam para a empresa e dizem: "Estou mandando Fulano de Tal na sua firma e quero ficar com ela". Assim eles ficaram donos da Revlon e, pouco tempo atrás, tentaram comprar a Gillette. São uns tratores.

Aí aconteceu uma coisa que ninguém percebeu. Vocês sabem que hoje é possível chegar em Hollywood e encomendar um trabalho profissional? Aquilo é puro comércio. Os executivos de Hollywood trabalham assim: "Qual é a idéia?"

Certamente já viram ou ouviram falar do filme A good few men (cujo título reproduz o slogan da Marinha norte-americana e, no Brasil, foi intitulado "Questão de Honra"). Como muitos outros filmes, Hollywood produziu também este, que de tão bem-feito chega a criar inveja. Tudo muito bem planejado, a começar pelo casting: Demi Moore, Jack Nicholson e Tom Cruise. Assessorado pelos comandantes da Marinha, os realizadores fizeram um filme que incentivasse os jovens a prestar atenção na Marinha como uma coisa digna, que respeita os jovens. Os jovens no filme conseguiram até desmistificar os comandantes sem-vergonha. Menciono esse filme como exemplo dos que não são produzidos de graça. São encomendas postas nos circuitos comerciais. Se o filme der lucro, o capital volta; se não der lucro, valeu a experiência.

Há um outro filme chamado Other People's Money ("Com o Dinheiro dos Outros"), sobre os tais advogados de Wall Street. Neste caso, o filme deu lucro e um bom retorno aos investidores. Pegaram Gregory Peck, no papel de um velho acabado, Kate Sullivan e Danny De Vito, um grande ator, como o advogado Larry Garfield. O que é o filme? É a história de uma indústria maravilhosa, a New England, que fabrica um produto nobre – fio de cobre. A fábrica pertence ao Gregory Peck – no filme Andrew Jorgenson –, que tem uma filha advogada, que o defende, e uma família bonita, embora ele seja separado da mulher. A empresa, porém, é dessas mais antigas, que estão quase no fim porque não conseguiram pegar o bonde da modernidade. Pelas imagens de seu interior, se verá que a fábrica tem fumaça nos corredores, rolos de fios de cobre empilhados e e tudo por ali não é muito organizado. E Garfield, baixinho e chiquérrimo, vem comprando as ações da empresa porque percebe que a fábrica vai quebrar. Até a metade do filme, você quer matá-lo porque ele é um danado, um cretino, um parasita avançando como um rolo compressor em cima do coitado do Gregory Peck, que tem tantos funcionários antigos, que ele conhece há 30 ou 40 anos. Em seu discurso, o Gregory Peck diz mais ou menos isso: "Estou vendo aqui tantos companheiros de tantos anos. Esta é uma empresa de família, nós estamos juntos aqui há muito tempo… A vida não é só ganhar dinheiro… Há coisas que têm valor maior."

Para melhorar a imagem, 30 segundos não bastam; por mais criativos que sejam, correm risco de cair na vala do intervalo comum

Até que chega o clímax do filme. O Gregory Peck faz um discurso recomendando aos acionistas e empregados não venderem suas ações àquele cretino e parasita. Em seguida, vem o discurso do advogado take over. O Garfield convenceu todos os acionistas a vender suas ações e instalou ali uma fábrica de air bags, junto com os japoneses, que entram no filme dali para a frente. No final, Andrew Jorgenson (Peck) e Garfield (De Vito), o empresário falido e comprador da companhia, fazem dois discursos estupendos. Mas, ao fim e ao cabo, a história do filme é simpática à imagem dos advogados take over de Wall Street.

Seus pronunciamentos:

Andrew JorgensonSinto-me feliz por ver tantos rostos familiares e velhos amigos, alguns que já não via há anos. Obrigado por terem vindo. Nosso capacitado presidente relatou no relatório anual o que conseguimos fazer neste ano, a necessidade de outros avanços e nossas metas para o próximo ano e os que se seguirão. Quero conversar com vocês sobre outra coisa, expor algumas de minhas idéias relativas à votação para a direção da empresa que lhes pertence, esta empresa que sobreviveu à morte do seu fundador, a numerosas recessões, à Grande Depressão e a duas guerras mundiais: ela se encontra em perigo iminente de destruir-se, no dia de hoje, na cidade em que nasceu.

Ali está o instrumento de sua destruição. Contemplem-no, no auge de sua glória: Larry, o Liquidador, o empresário da América pós-industrial, fazendo-se Deus com dinheiro alheio. Os cruéis barões do passado, pelo menos, deixaram atrás certas coisas concretas: uma mina de carvão, uma estrada de ferro, bancos. Esse homem não deixa nada, não cria nada, nada constrói e nada dirige! No seu rastro não ficam senão montanhas de papel para ocultar as dores. Se ele dissesse: "Sei conduzir sua empresa melhor que você", haveria algo sobre o qual poderíamos conversar. Mas o que ele diz é "Vou matá-los porque neste momento vocês têm mais valor mortos do que vivos!"

Bem, talvez seja verdade, como também é verdade que um dia esta organização voltará a ter lucro, quando o iene se enfraquecer ou o dólar se fortalecer, ou quando, finalmente, começarmos a reconstruir as estradas, as pontes e a infra-estrutura do país. Os pedidos chegarão às nuvens! E quando isso acontecer ainda estaremos aqui, mais fortes por causa dos sofrimentos, mais fortes porque teremos sobrevivido. E aí o valor das nossas ações fará a oferta dele empalidecer.

Deus tenha pena de nós se resolvermos pegar os dólares e dar o fora. Deus tenha pena deste país se essa for a verdadeira onda do futuro. Porque aí o país nada produzirá além de hambúrgueres e advogados, e nada venderá além de paraísos fiscais. E se já estivermos no ponto de matar uma pessoa porque no momento ela vale mais morta do que viva, contemplem seus vizinhos: vocês não os matarão, não é? Não! O nome disso é assassinato, é coisa contra a lei. Pois isto aqui também é assassinato, em grande escala. Em Wall Street chamam-no "elevar ao máximo o valor das ações" e o consideram estar de acordo com a lei. E colocam notas de dólares onde deveria haver a consciência. Malditos! Uma empresa vale mais que o preço de suas ações. Nela ganhamos a vida, conhecemos nossos amigos, sonhamos nossos sonhos. E é, em todos os sentidos, a própria textura que mantém unida a nossa sociedade. Digamos então neste encontro, a todos os Garfields do país: aqui nós construímos coisas, não as destruímos. Aqui nós nos preocupamos com algo mais do que o preço das nossas ações: aqui nós nos preocupamos com as pessoas! (Aplausos)

Larry GarfieldAmém, amém, amém! Desculpem-me por desconhecer os hábitos de vocês, mas na minha terra costumamos dizer amém depois das orações. Porque foi isso o que vocês ouviram: uma oração. Na minha terra, esse tipo de oração é chamada oração pelos mortos. Vocês acabam de ouvir uma oração pelos mortos, amigos sócios, e não disseram amém. Esta empresa está morta. Eu não a matei, não me culpem. Ela já tinha morrido quando cheguei. É tarde demais para rezar, porque mesmo que a oração fosse atendida, se ocorresse um milagre, se com o iene acontecesse isto, com o dólar aquilo e com a infra-estrutura não-sei-o-que mais, ainda assim não adiantaria. Sabem por quê? Fibras ópticas. Novas tecnologias. Obsolescência. Nós já morremos! Nós quebramos. Sabem qual o melhor caminho para quebrar? Controlar uma parte cada vez maior de um mercado que afunda. Aí a gente entra pelo ralo, devagar e sempre. Já houve muitas fábricas de chicotes para cavalos. Aposto que se alguma ainda existir, faz o melhor chicote que já se fabricou. E vocês gostariam de possuir ações dela? Investiriam numa empresa que estivesse falida? Tenhamos a inteligência, tenham a capacidade de assinar seu atestado de óbito, receber o seguro e investir em algo que tenha futuro!

"Ah, não podemos", diz o pregador. "Não podemos porque temos responsabilidades: responsabilidades com nossos empregados, com nossa comunidade. O que será deles?" Bastam estas palavras para responder: quem se importa? Vocês se importam com eles? Por que, se eles não se importaram com vocês? Eles pensam neles mesmos. Vocês não são responsáveis por eles, porque nos últimos dez anos esta empresa chupou o dinheiro de vocês. Essa comunidade já disse: são tempos difíceis, reduzamos os impostos e as tarifas públicas.

Verifiquem: vocês pagam duas vezes mais impostos do que há dez anos. E nossos dedicados empregados, que não têm aumento há três anos, ainda ganham o dobro do que ganhavam dez anos atrás – enquanto nossas ações valem uma sexta parte do que valiam na época... Vou dizer-lhes quem se importa com vocês: eu! Não sou seu melhor amigo, sou seu único amigo. Não crio nada: crio dinheiro para vocês. A não ser que vocês esqueçam que, em primeiro lugar, foi para isso que compraram ações. Vocês querem ganhar dinheiro, não querem saber se fabricam cabos e fios, frango frito ou doces de tangerinas. Querem ganhar dinheiro! Sou o único amigo que vocês têm, faço-os ganhar dinheiro. Peguem esse dinheiro, invistam-no em outro lugar! Talvez tenham a sorte de conseguir empregá-lo produtivamente. Se acontecer isso, vocês criarão novos empregos, promoverão a economia e, se Deus permitir, terão ganho uma "graninha". Se alguém pedir ajuda, respondam que já deram. Por falar nisso, gosto de que me chamem Larry, o Liquidador. Sabem por que, sócios amigos? Porque ao meu enterro vocês irão sorrindo e com gaita no bolso. Será um enterro que valerá o céu. (Palmas prolongadas)

Esse filme, Other People's Money, foi pago pelos advogados de Wall Street. Quando investem 5 ou 10 milhões de dólares em um filme, esses advogados (e o mesmo faz o governo norte-americano com os filmes sobre a guerra, por exemplo) dizem: "Eu dou o dinheiro para produzir o filme, pago todos os direitos, e se houver lucro ele é seu; você só me devolve o capital". Eles fazem sua imagem e, se por qualquer motivo o filme não der lucro, adeus dinheiro.

Isso, e o que vemos no cinema e na televisão, não é feito de graça. Terminado o filme e sem que ninguém diga nada, o espectador passar a ter um pouco mais de respeito pelos advogados de Wall Street.

Para fazer uma imagem dessas ou mexer na imagem de uma empresa ou de um segmento da sociedade, seriam necessários centenas de comerciais de 30 segundos muito bem-feitos e passados à mesma hora para um determinado público. Já esse filme rodou o mundo, está amarelado de tanto passar em várias emissoras de televisão. E depois ainda foi para as locadoras. Quanto ele custou para os advogados de Wall Street? Nada! O dinheiro que eles colocaram no filme, voltou. O lucro é da produtora, do diretor, dos atores etc.

Essa inteligência existe e para várias coisas. Mas só existe agora, depois do cinema e da TV em cores? Não. Existia também no cinema em branco-e-preto. Na crise de 1929, os Estados Unidos tinham a Bolsa de Valores quebrada e mais nada para fazer. Foi quando o presidente Franklin Roosevelt resolveu chamar o Frank Capra e começar a fazer uma série de filmes (em branco-e-preto), estrelados pelo herói da época (James Stewart), para infundir um pouco de esperança na pobreza do país. São os filmes do tipo de "Do Mundo Nada se Leva" e "A Felicidade Não se Compra". Vejam que o Frank Capra só fazia coisas para enobrecer o pobre norte-americano: "A gente é pobre, mas honesto; é pobre, mas não invade terras..."

Muitos filmes desse tipo foram feitos durante a guerra, sob a inspiração do presidente Roosevelt. E também depois da guerra, para reerguer o moral da tropa na crise. Aliás, Roosevelt declarou que se não fosse presidente da República seria publicitário. Porque ele tinha uma grande fé na comunicação. Foi por meio da comunicação, aliás, que ele construiu o New Deal.

Hoje podemos fazer isso no Brasil? Devemos fazer alguma coisa? Penso que devemos, sim, porque está tudo muito solto. Mas, como construir sem manipular? Por vezes percebemos quando o filme é encomendado, porque tudo isso vem de um país cujo slogan é there is no free lunch. Nada é de graça.

E nos tais 30 segundos, será possível conseguir-se alguma coisa assim? Vejam um 30 segundos da Budweiser nos Estados Unidos em prol da venda da cerveja, praticamente sem sua marca. Diz o filme: "Como seria o mundo sem a cerveja?". Só uma empresa líder de mercado pode fazer isso. Imagine se uma Schincariol, com todo respeito que lhe tenho (é uma empresa que está crescendo muito) pode tentar uma coisa dessas: se o fizer, só irá favorecer a empresa líder. No filme da Budweiser não se vê cerveja, e assim mesmo sente-se vontade de tomá-la.

Há, no entanto, muitas mentiras por aí, algumas utopias e algumas certezas. Estou aqui com a certeza do profeta que comentou a morte do Kennedy. Perguntaram-lhe: "Se em vez de terem assassinado Kennedy tivessem assassinado o Kruschev, o que aconteceria ao mundo?" O profeta respondeu:

"Certeza eu só tenho de uma coisa: o Onassis não teria casado com a viúva". Ou seja, algumas certezas nós até temos. Seja qual for nosso objetivo, ele só será alcançado com a comunicação – não há outro meio de chegar lá.

Assim que chegou ao Brasil, para dar início à construção de uma nova fábrica, um repórter perguntou ao presidente da Honda: "Quantos empregos o senhor vai gerar?" Resposta: "O senhor está enganado, amigo: eu não gero empregos, eu fabrico Honda". Esta nova fase do capitalismo globalizado é de uma crueldade enorme, não há dúvidas. "Não me dêem essa responsabilidade! Eu não quero vir para o Brasil com a responsabilidade de fabricar emprego. Venho aqui para cumprir minha missão de fazer carros. Por acaso vamos precisar de pessoas também, junto com as máquinas", deve ter pensado o executivo japonês.

Nós temos de fazer um esforço para entender essa realidade. Se não o fizermos, vai parecer que as fábricas vão viver como a do Gregory Peck: "Tantos amigos, de mais de 30 anos, alguns que não vejo há tanto tempo…" Isso desapareceu, não existe mais. Tudo foi demolido, inclusive o paternalismo. Será melhor que nós, profissionais da comunicação, comecemos a preparar o público, a juventude e a família para o fato de que há uma nova realidade pela frente. Com que leveza, inteligência e persistência vamos fazer isso, eu não sei. Mas certamente será feito por intermédio da comunicação. Com o auxílio da comunicação, esse mistério poderoso, sou capaz de apostar que teremos realizada a reforma agrária no país.Via Congresso é difícil, porque não há interesse. Entretanto, reparem como, neste particular, se comportou a novela brasileira – inegavelmente a nossa Hollywood. Nas novelas, como sabemos, os bandidos são feios e os heróis, bonitos. Um rapaz de boa aparência, que é o chefe dos sem-terra, vai invadir a fazenda, e o patrão diz: "Se invadirem a minha fazenda eu boto todos os meus bois na porta do Congresso!". É isso que tem que ser feito: resolver o negócio no Congresso! É mensagem subliminar. É curto, um take de três ou quatro capítulos.

Com o auxílio da comunicação, esse mistério poderoso, sou capaz de apostar que teremos realizada a reforma agrária no país

A força que vai mexer com a gente é a novela. Mas a maioria de nossos novelistas ainda está obcecada com enredos que têm mais a ver com sexo liberal, se a heroína está grávida ou não está – ou seja, eles ficam na pequeneza social e ainda não estão abordando as causas dos problemas. Ora, quem são os nossos heróis? Um novelista vale tanto quanto todos os ministros juntos. Primeiro, porque um ministro apenas passa pelo poder; segundo, porque para aparecer cinco minutos na televisão um ministro tem que suar muito a camisa. E terceiro porque a confiança que depositam nele é pouca. O mais sério dos nossos últimos ministros, Adib Jatene, chegou a dizer: "Vou querer um imposto para ajudar a saúde!". Foi uma coisa linda seu trabalho, mas ele sumiu, evaporou. Esculhambaram com o dinheiro que ele conseguiu destinar ao ministério, a saúde está pior, e ele continua sendo uma pessoa honesta que desapareceu. Então, se não há constância, não há um trabalho bem-feito.

Se tivéssemos os novelistas um pouco menos engajados na ideologia e mais preocupados com a formação do país, talvez estaríamos em melhores condições de verdadeiramente construir uma nação. A ideologia é coisa que valeu até ontem. A ideologia acabou. Acabamos de ver que há sindicatos de operários que aceitam negociar redução da jornada de trabalho. A CUT não quer saber disso porque tem posição política contrária. Quem tem razão? Não sei, mas alguém em que se deposite confiança tem de chegar exercer o poder e a responsabilidade do arbítrio. Nos Estados Unidos, havia um jornalista – Walter Cronkite – fazendo isso não com ideologia, mas com a lógica. Está faltando isso no Brasil, pois nós nos intoxicamos de tal forma com as notícias que, por vezes, não se sabe quem está certo. Só uma comunicação melhor estruturada poderá resolver essa contradição.

    

            

     

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