Ano 8 Nº 29 4º Trimestre de 1998 |
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Perfil novo e mutante
O papel da comunicação nos processos de mudanças está a exigir um
profissional com um olho na invenção e outro na gestão. por Eraldo Carneiro (*) Se, por um lado, esse ritmo acelerado de mudança oferece à Comunicação Empresarial uma chance inigualável de afirmação, impõe, por outro, sérios desafios à atividade e àqueles que a desenvolvem. Para desempenhar com sucesso o papel estratégico a que se refere Quirke, torna-se imperativo reinventar a Comunicação e redesenhar o perfil do profissional da área. A Comunicação tradicional, centralizada e meramente instrumental, já não atende, com eficácia, às exigências da competitividade global, à forte pressão de consumidores e investidores, à crescente demanda de informação dos empregados, enfim, à constante necessidade de transformação da empresa. Da mesma forma, o comunicador convencional, rigorosamente técnico, especialista e
executor contumaz, também não desperta entusiasmo na gerência e pouco valor agrega ao
negócio de seus clientes e parceiros. Para assumir integralmente seu papel na gestão da
mudança, o profissional de comunicação deve buscar desenvolver novas habilidades, novas
competências, que concorram para atrelar, definitivamente, a Comunicação aos objetivos
estratégicos da organização. Nova arquitetura O entendimento do novo perfil do comunicador pressupõe, necessariamente, uma ruptura dos paradigmas da Comunicação tradicional. Na visão clássica, a Comunicação é competência de um órgão específico, formado por especialistas - relações públicas, jornalistas, publicitários - a quem cabe executar os processos mediáticos da empresa com seus públicos de interesse. Sob este prisma, a Comunicação desenvolve-se exclusivamente no nível tático-operacional, limitando-se a promover eventos, editar publicações e emitir releases, e ocupando espaço reduzido (ou quase nulo) na dimensão estratégica da organização. Esta concepção gerou sérios desvios funcionais: muitos órgãos de comunicação estão hoje distantes de seus clientes internos, atuam de forma desintegrada das outras funções da empresa e têm seu foco voltado mais para o processo de comunicação em si do que para os resultados do negócio. Os modernos paradigmas da gestão empresarial vêm forçando, entretanto, o reposicionamento da Comunicação. Para ajudar a empresa a competir num ambiente em constante mutação, a Comunicação tem que, em primeiro lugar, atuar em nível estratégico, alinhando-se totalmente aos objetivos do negócio. Uma comunicação sem esse compromisso estratégico dificilmente conseguirá legitimar-se no novo cenário competitivo, correndo o sério risco de desprender-se de vez da organização. Do mais simples evento interno à grande campanha institucional, todo projeto de comunicação deve assumir a filosofia do negócio, contribuindo, invariavelmente, para a maximização da performance empresarial. Fica cada dia mais difícil para os assessores de comunicação defenderem a manutenção de certos programas de comunicação que custam muito e pouco valor agregam à estratégia corporativa. Na nova arquitetura das empresas, a Comunicação deixa de ser responsabilidade de um único órgão, tornando-se função de toda a organização e incorporando-se, definitivamente, ao papel gerencial. A exemplo do que vem ocorrendo com Recursos Humanos, Qualidade e Segurança, o gerente torna-se também gerente da comunicação com sua equipe e com os públicos com que se relaciona. Nesta nova visão, o órgão de comunicação se transforma em consultor, orientado para as necessidades do cliente interno e agregando valor efetivo aos diversos negócios da empresa. Com este novo paradigma, ganha força também o conceito de gestão compartilhada, em que o órgão de comunicação passa a estabelecer parcerias internas com áreas como RH, Informática e Marketing para o desenvolvimento, por exemplo, de projetos de endomarketing, de Intranet e de promoção de vendas. Com base neste reposicionamento da Comunicação, é possível traçar um novo perfil para o profissional da área, mais ajustado aos desafios empresariais desta dramática virada de milênio. Este novo perfil pode ser sintetizado em três competências essenciais: de estrategista, de gestor e de líder. Para compreender a competência de estrategista, recorro à definição do veterano comunicador e professor americano Les Potter: "Comunicação estratégica é aquela fundamentada na relação causal entre as atividades de comunicação e os resultados empresariais". Sob este ângulo, o comunicador estrategista possui a clara visão de que o objetivo da comunicação é, essencialmente, o objetivo do negócio. Se uma empresa busca ser líder de mercado na América Latina, a comunicação deve perseguir a posição de top of mind para a marca corporativa, que possa sustentar o crescimento de vendas de seus produtos e a lealdade dos consumidores da região. Em outro caso, se o objetivo é construir uma reputação de empresa preservacionista, o comunicador deve analisar e selecionar a melhor estratégia de comunicação para formar esta imagem diante dos stakeholders. Como estrategista, o comunicador deve desenvolver a capacidade de análise do ambiente em que se insere a empresa e aprofundar seus conhecimentos sobre os aspectos estruturais e conjunturais de seu negócio. Não basta estar up to date com as técnicas de comunicação: é preciso estar atento e bem informado sobre as diversas atividades da empresa, da produção ao marketing, de recursos humanos a finanças. O estrategista tem também a visão de futuro, enxergando muito além da conjuntura. Esta antevisão é fundamental para que o comunicador possa preparar o caminho para as mudanças e contribuir para a renovação da cultura organizacional. Em contraposição ao comunicador tradicional, o estrategista ocupa-se menos com o produto de comunicação, e muito mais com a estratégia que o envolve. A propósito, vale observar o peso exagerado atribuído pelos comunicadores às peças de comunicação, como se elas constituíssem estratégias em si mesmas - o que é uma inverdade. O desafio do comunicador estrategista não é simplesmente editar um newsletter ou organizar um evento, mas, antes de tudo, perseguir os objetivos de negócio da empresa, garantindo um claro alinhamento estratégico dos produtos de comunicação. Pesquisa realizada em 1997 pela IABC - International Association of Business Communicators revelou que 70% dos altos executivos americanos esperam que seus comunicadores atuem como estrategistas e apenas 14% gostariam que eles continuassem como meros redatores e editores. Isso evidencia que a gerência anseia não por um técnico altamente especializado em comunicação, mas por um estrategista que coloque a comunicação a serviço do cumprimento da visão e dos propósitos da organização. E mais: que as empresas têm a necessidade de usar a comunicação como ferramenta estratégica de gestão. A habilidade de gestão tem peso considerável no perfil do novo comunicador, ainda mais se levarmos em conta que trata-se de uma habilidade praticamente desprezada pelos cursos de Comunicação Social tradicionais. A permanente renovação dos modelos de gestão e a busca da qualidade total vêm exigindo um desempenho cada vez mais apurado dos gestores nas empresas. E o comunicador não foge à regra: precisa manejar bem as ferramentas da GQT, padronizar e sistematizar os processos de sua área, fazer benchmarking e, principalmente, manter foco permanente nos seus clientes internos. Se antes o comunicador arvorava-se em intérprete das necessidades de comunicação dos diversos órgãos da empresa, hoje sua credibilidade depende, substancialmente, da capacidade de oferecer estratégias e produtos de comunicação que atendam aos requisitos de seus clientes internos. Além do foco no cliente, o gestor da comunicação precisa dedicar atenção especial ao planejamento e à avaliação dos resultados de seu trabalho. Até hoje não conseguimos romper totalmente com o paradigma segundo o qual a comunicação é uma atividade imprevisível e incontrolável, o que inviabilizaria qualquer planejamento no médio e longo prazos. Esta visão deformada decorre, fundamentalmente, do fato de que a comunicação se distanciou historicamente do negócio principal das empresas, como bem assinalou José Augusto Marques, da ABB, em recente artigo nesta revista (Comunicação Empresarial nº 26, 1º trimestre/98) . Com isto, perdeu o vínculo essencial com o planejamento empresarial, ficando à mercê das intempéries do ambiente, sem objetivos definidos e dominada pelo improviso e pela pura reatividade. O "artista da comunicação", que se guia tão-somente pela intuição e devaneia projetos mirabolantes, sem qualquer compromisso com resultados, tem seus dias contados no atual ambiente de hipercompetitividade. O hábil gestor, ao contrário, analisa com cuidado as ameaças e oportunidades do ambiente, pondera suas próprias forças e fraquezas, identifica as necessidades dos seus clientes e planeja suas ações com pragmatismo, levando em conta sua disponibilidade de recursos humanos e financeiros. O plano de comunicação não resulta, assim, da pura imaginação do comunicador, mas de seu profundo conhecimento da empresa e de sua realidade de negócio, conjugado à criatividade e ao domínio das modernas técnicas da comunicação. Mais do que idéias, o plano de comunicação deve conter soluções. Não basta, no entanto, planejar bem: a gestão deve buscar continuamente a melhoria dos serviços e produtos de comunicação. Para tanto, o comunicador deve dedicar-se a controlar e a avaliar permanentemente os resultados de sua atividade. Talvez esteja aí um dos maiores desafios da comunicação: medir seus efeitos. E, novamente, um antigo paradigma vem atrapalhar: "esta área é muito subjetiva, impalpável, imponderável". Contudo, o gestor contemporâneo, preocupado em gerar valor ao negócio, não pode prescindir do uso de instrumentos de medição, sob risco de perder credibilidade junto aos clientes e à alta administração. Como defender o aumento considerável no orçamento de determinado programa se não avaliamos seus resultados? Com base em que propomos ampliar ou reduzir tal ou qual projeto? Muitos executivos até reconhecem o valor da comunicação, mas não se demonstram dispostos a investir mais na área pelo simples fato de não possuírem resultados objetivos. Sabemos que certos resultados, como os de imagem ou reputação, não se verificam de imediato, mas a longo prazo. Isto, porém, não é justificativa para rejeitar a avaliação. O comunicador precisa estabelecer indicadores de desempenho para cada atividade de comunicação, conforme sua natureza e grau de desenvolvimento. Os parâmetros para medição dos resultados de uma campanha de publicidade diferem muito daqueles relativos a um programa de relações públicas com a comunidade. Por esta razão, contamos com diferentes técnicas de pesquisa e auditorias de comunicação, que se aprimoram a cada dia de modo a atender à necessidade da empresa de medir resultados. Na gestão da comunicação, a tecnologia é, mais do que nunca, um fator crítico de sucesso. E o comunicador que não estiver up to date com os avanços da tecnológicos certamente perderá valor para a empresa. Não se consegue hoje pensar o novo profissional da área senão plugado no ciberespaço - um executivo virtual, que sabe otimizar tempo e recursos por meio do uso intensivo da tecnologia digital. Na busca da melhoria contínua (e não como modismo), ele utiliza as mídias interativas como o e-mail, a vídeoconferência e a Internet para imprimir maior velocidade à comunicação interna e dinamizar o relacionamento da empresa com seus públicos-alvo. Do clipping eletrônico ao newsletter on line, as inovações no campo da tecnologia de informação representam hoje uma importante vantagem competitiva para a comunicação empresarial no mercado globalizado. Ainda quanto à competência de gestão, um importante conceito deve fundamentar a atuação do comunicador: o da comunicação integrada. Para enfrentar os desafios impostos pelo cenário competitivo atual, torna-se essencial abandonar a tradicional visão fragmentada da comunicação e adotar um novo paradigma em que se prioriza a sinergia entre as diversas ferramentas. O isolamento disciplinar nasce na universidade, com a divisão das habilitações (Jornalismo, RP, Publicidade) e vem-se reproduzindo, há décadas, na estrutura e organização das assessorias de comunicação. É comum ver um assessor dizer que tal projeto é de publicidade, outro é de relações públicas, desprezando totalmente a possibilidade de integrar as duas ferramentas em prol da eficácia da comunicação. A comunicação fragmentada, além de pobre e pouco eficaz, vai de encontro a um dos valores fundamentais da moderna gestão empresarial, que é a busca de sinergia. Não se admite mais que, dentro de uma equipe de comunicação de empresa, profissionais atuem de forma dissociada, gerando duplicidades e, conseqüentemente, desperdício de recursos. O novo comunicador , portanto, deve saber otimizar o uso das ferramentas de comunicação, promovendo sinergia entre elas de maneira a obter resultados ainda melhores. Por fim, a liderança é outra habilidade indispensável ao novo comunicador de empresa. Desde que comecei, doze anos atrás, a atuar na área, ouço falar, com insistência, que o comunicador deve ser um agente de mudança na organização. Mas o que realmente temos feito para sermos reconhecidos desta forma? Ser líder é ser agente, e não paciente da mudança. O comunicador, durante muito tempo, agiu como um distribuidor de notícias, aquele que simplesmente divulga as decisões de outrem, indo a reboque das mudanças. Hoje, ao contrário, ele é desafiado a não mais reproduzir a realidade, mas a transformá-la por meio de uma comunicação ágil, verdadeira e consistente. Antecipar o futuro e descobrir como chegar lá antes de seus competidores. É o que
recomenda aos novos líderes o professor Prahalad, autor de Competindo pelo futuro.
Para tanto, o comunicador tem que ser empreendedor, o que significa ser criativo, Qualidade integrada Criativo para encontrar soluções inovadoras, que extrapolem os modelos de comunicação vigentes e que ajudem a empresa a alcançar seus objetivos. Ágil na forma de coordenar a comunicação da empresa, sendo capaz de responder rapidamente às necessidades de seus clientes. E flexível para adaptar-se aos novos paradigmas de gestão, estabelecendo parcerias internas para o desenvolvimento de projetos de comunicação. O comunicador líder é também um educador. Se entendermos que comunicação é responsabilidade de todos na organização, o papel de educador ganha maior relevância ainda. Do diretor ao mais simples empregado, todos precisam ser orientados e treinados em comunicação. O comunicador necessita, assim, dedicar-se mais a sensibilizar os órgãos e empregados sobre a importância da comunicação e a instruí-los a se comunicarem de forma clara e eficiente. Daí a importância de se proferirem palestras e ministrarem cursos internos sobre comunicação para gerentes, supervisores e empregados em geral. Ao disseminar conhecimentos, o comunicador torna-se um verdadeiro líder, um grande facilitador e motivador da comunicação na empresa. Devo reconhecer que atuar como líder, gestor e estrategista é um grande desafio para qualquer comunicador de empresa. Os obstáculos começam ainda nas faculdades de Comunicação, que privilegiam o ensino técnico em detrimento da formação multidisciplinar. Já nas empresas, os comunicadores demonstram desinteresse acentuado pela gestão, fato que aumenta a vulnerabilidade da atividade à intervenção de outras áreas. A imagem de atividade cosmética e de "bombeiro" também dificulta o
desenvolvimento do novo perfil do comunicador, assim como o extremo personalismo de muitos
profissionais da área. As assessorias de comunicação não devem servir, de modo algum,
de vitrinas para comunicadores vaidosos e exibicionistas, que não sabem trabalhar em
times e demonstram total descompromisso com os objetivos da organização. Terceiro Milênio O papel do comunicador de empresa será tão mais reconhecido quanto maior for nossa capacidade de colocar a comunicação a serviço dos objetivos de negócio das empresas. Neste sentido, precisamos nos desenvolver permanentemente, buscando uma atuação mais estratégica, uma gestão de qualidade integrada e orientada para resultados, e a posição de líderes, empreendedores e educadores, contribuindo para que a comunicação seja incorporada como função da organização. Ao desenvolver estas novas competências estaremos preparados para desempenhar o papel que nos compete neste dramático processo de transformação por que passam as empresas, às portas do Terceiro Milênio. (*) Eraldo Carneiro é chefe do Setor de Planejamento e Pesquisa do Serviço de Comunicação Institucional da Petrobras. |
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