Ano 8
Nº 27
2º Trimestre de 1998

 

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As lições de Minas

     

Emerson de Almeida, presidente da Fundação Dom Cabral, mostra como a comunicação é importante para obter excelência em tecnologia empresarial.

por Luiz Egypto

A Fundação Dom Cabral nasceu em agosto de 1976, em Belo Horizonte, gerada no âmbito do Centro de Extensão da Universidade Católica de Minas Gerais, onde já se antecipava a intenção de servir a comunidade empresarial em torno da idéia de "ensinar aprendendo para ensinar a aprender". Depois de mais de duas décadas dedicada a programas educacionais orientados à formação de executivos e à capacitação de empresas, a Fundação Dom Cabral ampliou sua presença no país e consolidou-se como centro de excelência e de disseminação de avançadas práticas gerenciais.

A articulação de parcerias deu o tom do desenvolvimento da Fundação. Já em 1976, promoveu sua primeira cooperação internacional com o Groupe Hec Isa, da França, com o qual trabalhou até 1981. Em 1989, em associação com empresas que buscam um padrão de gerência competitiva em escala mundial, criou o Centro de Tecnologia Empresarial (CTE) - do qual participam 24 dos mais maiores empresas em operação no Brasil. Na década de 90, a Fundação iniciou uma profícua relação com duas das maiores escolas de negócios do mundo: o Insead - The European Institute of Business Administration, da França, e a J.L. Kellogg School of Management, dos Estados Unidos.

Nascida em Minas e profundamente identificada com suas raízes, a Fundação cresceu sobre reconhecida base de qualidade. "Mudamos nosso patamar de atuação e passamos a ter uma atuação realmente nacional", diz o professor Emerson de Almeida, presidente da Fundação Dom Cabral e remanescente da equipe fundadora da entidade. É com ele a entrevista que se segue.
 

Qual o foco principal de atuação da Fundação Dom Cabral?

Emerson de Almeida - Nosso negócio é solução educacional para o desenvolvimento empresarial. Somos uma instituição de ensino gerencial e nossa missão é contribuir para o desenvolvimento da sociedade por meio da capacitação e desenvolvimento de executivos, empresários e empresas. Somos uma instituição de interesse público, sem fins lucrativos, mas que se coloca no mercado como uma organização que gera resultados. A maioria das empresas associadas à Fundação Dom Cabral hoje são de fora de Minas Gerais. E a nossa visão de futuro, para os próximos cinco anos, é nos tornarmos um centro internacional de tecnologia de recursos. Isso significa que vamos ter participantes de outros países em nossos programas e em nossa equipe técnica, mas, sobretudo, significa dominar a questão da gerência a partir de um padrão internacional, de tal forma que possamos contribuir para que as empresas tenham um desempenho capaz de fazê-las competir tanto no Brasil quanto fora daqui, em igualdade de condições.

 
No caso do Brasil isso é mais do que urgente, visto que os paradigmas da competitividade mudaram de qualidade e as empresas brasileiras tiveram que correr para se adequarem à nova realidade. Como é que o senhor avalia o padrão gerencial brasileiro, hoje?

Almeida - É uma avaliação muito positiva. Temos dados que comprovam que a gerência brasileira, na média, evoluiu muito do ponto de vista de capacitação nos últimos dez anos. Foi um salto extraordinário. Como isso foi conseguido? Por meio de toda uma reestruturação e da adoção de novos modelos gerenciais que varreram o país nos últimos anos. As empresas experimentaram de tudo: TQC, downsizing, reengenharia…

 
…inclusive algumas tolices.

Almeida - Alguns se arrependem das tolices. Mas, por incrível que pareça, a maioria dos empresários acha que ainda não fizeram o bastante, que ainda há muita coisa a fazer. Ou seja, apesar de tentativas um pouco desestruturadas de adoção de novos modelos, eles estão predispostos a continuar inovando.

 
A aplicação equivocada de programas de reestruturação não acaba destruindo uma parte da inteligência corporativa?

Almeida - Sem dúvida. Já ouvi empresário dizer o seguinte: "Cortei gordura, mas cortei carne também. Agora está faltando carne. A competência que eu terceirizei, ou simplesmente eliminei, hoje está fazendo muita falta na minha empresa". Pesquisas que fizemos indicam que uma boa parte das organizações que fizeram reengenharia admite que isso gerou um clima muito desconfortável dentro da empresa, prejudicando até o seu desenvolvimento.

 
Qual a saída para isso?

Almeida - Vou usar uma metáfora para responder a essa pergunta. Se você pegar dois tipos de médicos - o especialista em transplante e o especialista em tratamento de alergia - eu diria que a melhor solução é a do especialista em tratamento de alergia. Por quê? O especialista em transplante retira um órgão do seu organismo e troca por um órgão estranho, de terceiros. E até hoje não se conseguiu dominar o fenômeno da rejeição. Já o especialista em tratamento de alergia retira do seu organismo os elementos que, devidamente tratados, são transformados em vacinas a ser inoculadas em seu próprio organismo, sem risco de rejeição. Com isso quero dizer que a solução das empresas está dentro das próprias empresas. Essa busca ávida e desenfreada por soluções e modelos mirabolantes vindos de fora, por gurus que aparecem por aí com idéias novas mas nem sempre adaptadas à realidade da empresa, nada disso é solução. A melhor solução para a empresa está em escutar o seu potencial interno e mobilizar esse potencial em favor de uma boa saúde organizacional. Portanto, no processo de comunicação, saber escutar talvez seja mais importante do que saber falar. Geralmente o executivo foi educado para falar. Você já viu algum curso intitulado "Como ouvir em público"?. Eu nunca vi. Mas está cheio de especialista por aí ensinando o executivo a se comunicar com imprensa, a falar em público… Na verdade, o que ele precisa é saber como escutar a empresa.

"A melhor solução para a empresa está em escutar o seu potencial interno e mobilizar esse potencial em favor de uma boa saúde organizacional."

 
A que se deve essa postura? Excesso de arrogância?

Almeida - Os executivos em geral são líderes, são pessoas dotadas de grande energia, que quase sempre tentam provar alguma coisa - e alguma coisa de grandioso - para terceiros. São pessoas de muito talento e que exigem muito de seus subordinados. E geralmente têm dificuldade de ouvir porque são tão bem preparados, estão tão certos daquilo que querem fazer, que no lugar de escutar eles querem dizer para os outros como fazer. Então, falam, falam, falam e às vezes escutam pouco.

 
Como isso se reflete na interlocução da empresa com a sociedade?

Almeida - A sociedade evoluiu extraordinariamente nos últimos anos. E isso é um processo não pára. Um dos traços fundamentais dessa mudança está no próprio papel do Estado e da empresa na sociedade. O Estado está encolhendo, seu papel está sendo reformulado e ele está abrindo mão de uma série de atribuições que antes o emperravam (como, no caso brasileiro, de sua atuação como empresário mesmo). E a empresa, por outro lado, passou a ganhar, além de mais espaço, maior responsabilidade perante a sociedade. Hoje a empresa é escola, é hospital, e tem que cuidar do meio ambiente porque senão a sociedade vai cobrar dela. Por tudo isso a empresa está cada vez mais humilde - humilde no sentido de respeito aos seus vários públicos, sobretudo o público cliente.

 
A empresa tornou-se mais cidadã?

Almeida - Há uma tendência ainda pouco numerosa no empresariado brasileiro de encarar a empresa como empresa-cidadã. Aqui em Minas existe uma empresa do setor siderúrgico, a Usiminas, que tem procurado entender esse fenômeno de empresa-cidadã. Cada vez mais a Usiminas fala em hospitais, fala em educação e no seu relacionamento com os diversos públicos, e menos em aço.

 
O senhor diria que há uma preocupação maior com os valores intangíveis, também presentes na vida das organizações? Como a imagem da empresa, por exemplo, e a forma como ela é publicamente reconhecida?

Almeida - Eu diria que há um movimento nesse sentido, há uma tendência para isso. Você já encontra alguns setores empresariais que estão entendendo e praticando isso. Mas, ao mesmo tempo, percebe-se que há muito ainda o que caminhar. Esse movimento se dá principalmente com empresas expostas à competição internacional. E quando falo em competição internacional não me refiro apenas às empresas brasileiras que estão exportando, ou se implantando no exterior, mas àquelas que recebem dentro do próprio território brasileiro a competição de outras empresas. Essa exposição à competição internacional leva as empresas a ter maior consciência com relação a aspectos como imagem institucional, relação com o cliente, relação com os governos e com a comunidade onde está inserida. Penso que essa exposição é didática. Há um movimento importante de fora para dentro e, claro, isso vai acabar atingindo, pela via do exemplo, também aquelas empresas que não têm essa exposição.

"A exposição à competição internacional leva as empresas a ter maior consciência em relação à imagem institucional  e à comunidade onde está inserida."

 
O senhor considera que isso tem de fato valor? É um investimento importante das companhias cuidar desses valores intangíveis e comunicá-los com mais ênfase?

Almeida - Isso é inquestionável. Veja, por exemplo, que hoje há um movimento muito forte, principalmente na Inglaterra e outros países europeus, no sentido de fazer com que consumidores não comprem móveis que usam madeiras nativas da Amazônia ou de qualquer outra região brasileira. E eles boicotam as empresas moveleiras que não têm esse cuidado. Tempos atrás, os produtores de ferro-gusa de Minas Gerais andaram muito preocupados com o movimento verde porque usavam madeira nativa em seus fornos. Essas coisas são palpáveis e acabam tendo impacto sobre o negócio.

 
A Fundação Dom Cabral trabalha com programas educacionais formatados de acordo com necessidades específicas das organizações que a procuram. Em que medida a comunicação é algo relevante na formulação dos programas de estudo requeridos por essas companhias?

Almeida - Isso é muito presente quando a empresa está preocupada em melhorar o desempenho dos seus principais executivos, especialmente naqueles programas em que os participantes são pessoas ligadas à alta gerência da empresa. Temos um programa denominado PGA - Programa Gerencial Avançado, dirigido à alta direção, no qual introduzimos a comunicação via palestras ou até mesmo no conteúdo de algumas disciplinas. Já levamos presidentes de empresas que têm uma política de comunicação bem estruturada para falar no PGA. E há uma receptividade muito boa com relação a esse item. Mas, quando se vai descendo na estrutura da empresa, isso é menos presente. Claro que os dirigentes principais, o presidente e os diretores, são aqueles que falam em nome da empresa. Mas para que a empresa tenha uma imagem global positiva, seria preciso que a questão da comunicação envolvesse, em seu processo, a organização como um todo.
 

A comunicação como responsabilidade de cada um?

Almeida - Exato. Veja um exemplo: anos atrás fui visitar a Companhia Vale do Rio Doce para convidá-la a se associar ao Centro de Tecnologia Empresarial. O então presidente, Wilson Brummer, marcou uma reunião comigo às 15 horas. Eu cheguei dez minutos antes, mas Brummer teve um problema nesse dia: houve um fato qualquer que o obrigou atender a imprensa naquele horário. E com isso ele me deixou esperando por quase uma hora. Enquanto eu aguardava, chega um garçom oferecendo um café. Aceitei, o garçom me serviu e não saiu da sala. Virou-se para mim e perguntou: "O senhor está esperando o dr. Wilson?" "Estou." "Pois é, o nosso presidente teve um problema hoje; está atendendo a imprensa por isso vai demorar um pouco." E continuou: "O sr. não se preocupe que isso não é coisa que ele faça com freqüência, não. Isso é raro. O sr. conhece a Vale do Rio Doce?" "Conheço", eu disse. "Pois é, nossa companhia tem uma atuação importante no país, operamos em várias áreas…", etc etc. E aquele garçom ficou ali comigo, por uns vinte minutos, falando sobre a Vale. Isso me chamou muito a atenção. E refleti que Vale certamente tinha uma política de comunicação não é só de envolvimento, mas de comprometimento de toda a empresa. E isso é muito importante. Em uma empresa como aquela, ou em qualquer outra, quem faz a comunicação no dia-a-dia não é só o presidente. Ele é importante, sim, para falar com a imprensa e com as autoridades. Mas os funcionários que estão na mina, na Estrada de Ferro Vitória-Minas ou no porto também fazem comunicação. Este é um outro conceito muito importante, além daquele que diz respeito a saber escutar: a comunicação tem a ver com a empresa como um todo. É essencial que o presidente e os diretores saibam se comunicar, mas é preciso que a empresa toda se envolva nesse processo.
 

Esse envolvimento existe quando essa alta direção é capaz de identificar a comunicação como área de resultado e não apenas como área acessória do negócio, concorda?

Almeida - Sim. Há um sinal importante de mudança significativa quando a direção fala: "Comunicação é algo que agrega, eu sou parte desse negócio e vamos cuidar disso com carinho". Mas a empresa é um organismo vivo, feita de pessoas, e por isso sujeita a altos e baixos, a crises e ondulações. É necessário ter consistência, mas é difícil manter a consistência no dia-a-dia - seja em comunicação, seja em qualquer área da companhia. Isso tem de ser um esforço diário. Depende muito, eu diria, do coração. Depende muito daquilo ser uma coisa real, verdadeira. O que nos remete a um outro conceito importante: a questão de dar o exemplo da prática, e não apenas mandar fazer. Isso é fundamental em um processo de comunicação. Outro conceito a ser enfatizado é a questão do discurso e da prática - que têm de andar juntos para dar certo. Não adianta apenas falar: é preciso que aquilo que é falado seja também feito, para que se torne uma coisa concreta. A comunicação, nesse ponto, é uma arma importantíssima mas muito perigosa. Se ela ficar apenas nas mãos dos profissionais da comunicação, e a empresa não praticá-la, não vai adiantar nada. A coerência entre discurso e ação é fundamental.

 
Como atingir essa coerência?

Almeida - Um bom instrumento para isso é cada empresa ter o seu plano empresarial, no sentido de que a empresa saiba, e defina com clareza, qual é a sua missão e quais seus valores. Ao se obrigar a esse exercício, ela vai fundo naquilo em que acreditam as pessoas que a compõe. É o exercício que leva o corpo social da organização a ter confiança sobre o que é a empresa, para que ela existe, no que ela acredita, qual sua missão e onde ela quer chegar.

 
E também para convencer as pessoas de que esses valores são para valer.

Almeida - Há grandes especialistas em desenvolvimento gerencial que defendem ser o papel fundamental do presidente da empresa, hoje, não dirigi-la, mas dar direção a ela. E dar direção é ajudar a definir qual é a missão, os valores, e ser o fiscal desses valores.

 
Essa prática implica incremento de produtividade e melhor desempenho geral do negócio?

Almeida - Inteiramente. Ser ecológico, ser ético e transparente dá dinheiro, gera resultado palpável e mensurável.

 
Do ponto de vista gerencial, qual a tendência mais significativa desenhada no futuro que bate à nossa porta?

Almeida - Há uma palavra que resume isso: parceria. As empresas estão procurando fazer junções, aproximações e parcerias entre elas. O excesso de competitividade que faz com que as empresas percam muitas oportunidades de cooperação - às vezes deixando de ganhar no curto prazo, mas criando oportunidades de multiplicar os ganhos futuros. Dentro das grandes organizações empresariais, as companhias estão procurando se organizar em confederações de pequenos negócios que se interligam, que cooperam entre si. Para enfrentar esse movimento, os pequenos também estão procurando fazer suas parcerias. Em inglês há o neologismo coopetition, que é a junção de cooperação e competição. Esta é a forma que as empresas estão enxergando para enfrentar o fenômeno da globalização.
 

Como buscar essa cooperação, ganhar escala e aumentar a competitividade, em um ambiente contaminado pelo chamado "custo Brasil"?

Almeida - É claro que existe um "custo Brasil", assim como também existem o "custo Rússia", o "custo Japão", "custo Tanzânia". Esses constrangimentos existem. Mas é interessante perguntar o seguinte: como, apesar do "custo Brasil", existem empresas excelentes no país, ganhando dinheiro e se diversificando, fazendo novos investimentos e se internacionalizando? O segredo fundamental está em conseguir mobilizar a energia que existe dentro de cada empresa. Se se conseguir aliar comunicação aos conceitos de coerência entre discurso e ação, de exemplo, de envolvimento da companhia como um todo, de escutar o colega e o subordinado, será possível mobilizar a energia interna e potencializar a capacidade da empresa. O "custo Brasil" continua um problema importante, mas vamos pensar por que, em determinados setores, há empresas que vão tão bem e outras que vão tão mal? Será por causa do "custo Brasil" ou porque uma tem uma política adequada de comunicação com seus públicos e outra não?
  

O futuro será da empresa que tenha o conhecimento como um valor, um bem a ser espargido por todos os escalões. Isso faz sentido?

Almeida - Sim. E o conhecimento mais importante que um dirigente de empresa deve que ter é sobre as pessoas. É importante que ele conheça o negócio da empresa, suas finanças, o mercado, a concorrência, a tecnologia. Mas entendo que à medida em que ele conhecer melhor as pessoas, e saber lidar com elas, mais ele terá êxito na sua missão de levar a empresa a um bom caminho. Isso é um bom negócio.

 

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