Ano 8
Nº 27
2º Trimestre de 1998

 

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Ajuste de foco

 

A Comunicação Empresarial brasileira evolui paulatinamente de uma abordagem apenas instrumental para importante ferramenta estratégica de gestão.

por Paulo Nassar e Roberto Carlos Bernardes (*)

Os empresários e executivos brasileiros - principalmente a partir da metade dos anos 80 - foram obrigados a mudar a sua visão sobre o papel da Comunicação Empresarial no dia-a-dia das empresas. Até então, essa atividade era relacionada puramente aos processos de comunicação direcionados aos empregados, ou aos gestos de boa vontade da empresa com a comunidade, às visitas e recepções a autoridades, tudo isso sem nenhum laço com o planejamento estratégico das organizações. O que se identificava como ações de Comunicação Empresarial eram, por exemplo, jornais e revistas geralmente de baixa qualidade editorial e industrial, direcionados aos trabalhadores e suas famílias. Os grandes temas desses veículos de comunicação empresarial visavam promover a integração desses públicos internos por intermédio do noticiário de comemorações, aniversários, divulgação de piadas, palavras cruzadas e outros entretenimentos. Pode-se afirmar que as mensagens empresariais dos anos 60 e 70, considerados como limites de uma determinada visão de mundo com respeito à Comunicação Empresarial, eram essencialmente instrumentais, quando não cosméticas.

Entre 1984 e 1985, o universo de crenças, valores e técnicas do empresariado brasileiro sofreu o seu primeiro grande abalo com o processo de transição para a democracia. Era o fim do ciclo de governos militares e a volta da hegemonia civil, com o surgimento da chamada Nova República. Naquele momento, da sociedade brasileira cerceada por 20 anos de ditadura começaram a emergir públicos que potencialmente poderiam influenciar os negócios e as operações empresariais. O Plano de Comunicação Social da Rhodia, publicado em 1985, foi elaborado com a preocupação explícita de alinhar aquela empresa ao novo ambiente social, sobretudo político, vivido pelo país. A Rhodia já nomeava no seu documento os novos públicos empresariais brasileiros - e entre eles, com grande destaque, os jornalistas, naquele momento uma interface qualificada e formadora da agenda da esfera pública nacional.

O documento chegava a trazer um receituário de como os executivos deveriam se relacionar com os jornalistas. Segundo o texto, os executivos da Rhodia "passam a ser instrumentos políticos da prática de estratégias destinadas a permitir que a Empresa participe, também, do processo de formação da opinião pública".

 
Mercado global

O ideário do Plano de Comunicação da Rhodia é até então inédito numa sociedade que se acostumara a ver as empresas e suas representações distanciadas da sociedade, quase sempre operando como extensões do Estado. O documento transforma-se num verdadeiro best seller empresarial e passa a ser modelo e exemplo seguido por outras organizações empresariais brasileiras.
É um pouco à frente, a partir de 1990, no governo de Fernando Collor, que a Comunicação Empresarial é impelida de forma permanente a adicionar no seu dia-a-dia questões que envolvem um universo mais amplo do que apenas a relação da empresa com o público formado por jornalistas. As empresas começam a enfrentar a mudança no papel do Estado na economia, e a vivenciar um jogo irreversível de abertura comercial, privatização de empresas estatais, desregulamentação de inúmeras atividades econômicas, aquisições maciças de empresas emblematicamente nacionais por grupos transnacionais, além de um forte movimento de fusões empresariais e a promulgação do Código de Defesa do Consumidor. A tudo isso soma-se a paulatina integração do país ao mercado global e ao bloco dos países do hemisfério sul-americano.

Esse processo macroeconômico traz como condição crucial para o gerenciamento das operações produtivas e comerciais (em escala regional e mundial) a rápida difusão de novos meios de comunicação e tecnologias de informação, entre elas o Renpac (desde o final dos anos 80 disponibilizado pela Embratel) e a Internet (cuja utilização fora da área acadêmica, no Brasil, se dá com maior intensidade a partir do final de 1994). E potencializa a ação articulada de públicos mais amplos em termos econômicos e políticos, num leque que abrange a imprensa nacional e estrangeira, consumidores em escala mundial, comunidades, acionistas, sindicatos, fornecedores e autoridades, entre outros. Esses públicos, descritos nos planos empresariais dos anos anteriores apenas como alvos (targets), passam a assumir importância estratégica. Isso se dá na medida que:

1) os consumidores podem, no ato de compra, pressionar as empresas por fatores que ultrapassam os parâmetros básicos de produto, preço, praça e comunicação de marketing;

2) do engajamento dos trabalhadores depende o sucesso de inúmeras metas de gestão, tais como certificações de qualidade e reengenharias;

3) as comunidades com seus membros, ONGs e partidos políticos reivindicam informações sobre a relação da empresa com o meio ambiente, entre outras;

4) acionistas de todos os perfis pressionam por dados de toda a ordem;

5) as agências reguladoras cobram das empresas de serviços públicos eficiência e qualidade.

 
Técnicas modernas

Nos anos 90, as empresas brasileiras vêem surgir à sua volta públicos com demandas não só de produtos e serviços, mas também com claras demandas de diálogo. Todos os sinais mostram que o sucesso ou derrocada das estratégias empresariais também tem relação com a atenção que essas organizações dedicam à sociedade (enquanto somatória de públicos) e o mercado, como locus central da concorrência e do consumo.

É desse nó - que faz as empresas dependerem de forma crucial da produção permanente de processos mediáticos agregados aos seus produtos, serviços e ações de seus gestores - que surge o que podemos chamar de Comunicação Empresarial Estratégica.

O aspecto descontínuo e revolucionário que envolve o novo paradigma da Comunicação Empresarial brasileira sinaliza concretamente a entrada de novos fatores críticos ligados ao planejamento e, mais do que isso, à administração estratégica das organizações. Tal como Thomas Kuhn, em sua definição de paradigma, os gestores empresariais brasileiros, vistos como uma dada comunidade, começam a compartilhar de novas crenças, valores e técnicas com respeito à Comunicação Organizacional.

É no atual plano microeconômico brasileiro que vemos o papel da Comunicação Empresarial como ferramenta estratégica de gestão a balizar o sucesso da transição para novos modelos organizacionais, diversificados e alternativos, tais como o pós-taylorismo, o condomínio industrial e o consórcio modular. Os discursos da Comunicação Empresarial, criados a partir de técnicas de jornalismo, publicidade, relações públicas e recursos humanos, têm desempenhado papéis como o de legitimar - frente aos públicos estratégicos das empresas - a adoção de modernas técnicas organizacionais, expedientes de terceirização, processos de reengenharias, técnicas japonesas ou produção enxuta, além de didatizar todo o tipo de informações advindas das inovações de pesquisa, desenvolvimento, produto e processo. A estabilização da imagem das organizações nas turbulências ocorridas nos processos de privatização, fusões e aquisições empresariais tem sido outra função dos discursos da Comunicação Empresarial.

 
Perfil holístico

O papel de comunicador dentro do paradigma da Comunicação Empresarial Estratégica tem sido "desinstitucionalizado" e não é mais centrado nas mãos dos técnicos tradicionais em comunicação, sejam jornalistas, publicitários ou relações públicas. As discussões sobre as melhores estratégias de comunicação empresarial têm subido para o board das companhias. Os gestores começam a incorporar inúmeras ações comunicacionais nas suas agendas. Não é por acaso que empresas que identificaram na comunicação como um dos pilares de gestão tiveram à sua frente executivos mediáticos - como Edson Vaz Musa (Rhodia) e Carlos Salles (Xerox).

Os aspectos éticos dos processos comunicacionais empresariais perfazem outro ângulo importante do processo de modernização produtiva do país - base do novo paradigma holístico e sistêmico da Comunicação Empresarial brasileira. A ética das relações mediáticas das empresas, gestores e seus públicos é produtora de valores fundamentais para o sucesso da Comunicação Empresarial Estratégica, enquanto ferramenta de gestão. Talvez o mais importante desses valores seja o da credibilidade. As organizações empresariais perdem a credibilidade frente aos seus públicos estratégicos quando operam sem eficácia e/ou legalidade e/ou legitimidade social. Produtos ou serviços com problemas de produção ou operação rompem com a legalidade de determinado negócio e, em cadeia, a legitimidade social. Nos anos 90, os segmentos das empreiteiras e dos bancos brasileiros produziram bons exemplos do que estamos falando. Por isso, as organizações têm incorporado em sua Comunicação Empresarial Estratégica as tecnologias de crisis management, constituindo comitês de gestores que podem coordenar operações empresariais em momentos de eventuais desastres; ou quando produtos e serviços, potencial ou efetivamente, colocam em perigo a sociedade ou o meio ambiente.

Ao final deste século, as crenças, valores e tecnologias relacionadas ao paradigma da Comunicação Empresarial Estratégica revelam uma atividade de perfil extremamente holístico. A Comunicação Empresarial é uma ferramenta estratégica, suporte de Administração para todas as atividades das empresas. Ela é a maior aliada das atividades de marketing e de recursos humanos quando trabalha profissionalmente valores empresariais intangíveis como missão, identidade, parceria, cooperação interpúblicos e interempresas e cidadania empresarial. Para que a Comunicação Empresarial faça bem a sua parte, os empresários e gestores precisam, no mínimo, entender que o conceito de público é mais abrangente que o de mercado.

 
Função social

É importante deixar claro, porém, que esta não é uma tarefa que possa ser atribuída exclusivamente ao mercado - uma instituição composta por sujeitos históricos diferenciados (grupos econômicos multinacionais, empresas, trabalhadores, etc) e, portanto, onde o embate de forças entre os atores não se desenvolve de forma equilibrada e justa.

A nova consciência em relação ao papel que as empresas devem assumir no processo de desenvolvimento e exploração local (seja dos recursos naturais ou dos recursos humanos de um país) relaciona-se à necessidade de se constituir um enfoque mais amplo ao até então adotado, que concebia as empresas apenas como um locus de valorização do capital. Será preciso agregar nessa nova visão a sua função social e pública, ou seja, o quantum que a empresa devolve à sociedade como geradora de emprego, renda, tecnologia e impacto ambiental. Nesse sentido, a Comunicação Empresarial adquire uma função estratégica na ampliação do reconhecimento da sociedade do esforço de transferência de benefícios sociais produzidos pelas empresas. As empresas mais lembradas do país que o digam.

(*) Paulo Nassar é secretário-executivo da Aberje e mestrando em Comunicação Organizacional da ECA-USP; Roberto Carlos Bernardes é sociólogo, doutor pela Universidade de São Paulo e pesquisador da Fundação Seade.

 

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