Ano 8 Nº 28 3º Trimestre de 1998 |
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Em nome da clareza
A cruzada diária pela compreensão produtiva exige a eliminação dos
vícios bacharelescos que pululam na comunicação interna da empresas. por
Artur Roman (*) Li, há alguns anos, em divertido artigo sobre redação administrativa, que quando
alguém quer produzir efeito cômico através da linguagem, ou imita o palavrório dos
discursos políticos ou imita o estilo das cartas comerciais. Mesmo admitindo certa
injustiça com muitos dos políticos, não houve exagero quanto às correspondências
comerciais: estas, normalmente, apresentam um estilo oco e uma linguagem inflada. Na
época do Império e também na Velha República, o governo recrutava os funcionários da
administração dentre os formados em Direito. O resultado foi a instituição, nas
repartições públicas, de uma linguagem chamada burocratês, subvariedade da linguagem
jurídica. As empresas brasileiras incorporaram e reproduzem à risca essas regras na
escrita. Vítima da infeliz inspiração bacharelesca, em geral uma correspondência é
produzida nas empresas como se fosse instrumento de defesa de uma causa jurídica. A
solução de questões da organização fica na dependência de artimanhas argumentativas
arquitetadas pelo redator, expressas em textos empoados, redigidos em linguagem
pretensiosa e pomposa. O discurso jurídico tem relação estreita com a retórica. A
retórica é originária de uma época (5 a.C.) em que, para convencer, era necessário
ser eloqüente. Em seu desenvolvimento através dos tempos, toma duas orientações: a
retórica persuasiva e a retórica ornamental. A primeira visa ao convencimento através
dos argumentos; a segunda busca também o convencimento, mas através do discurso
ostentoso. Tributária da retórica, por seu vínculo com o discurso jurídico, a
correspondência comercial fica indefinida entre a arte de persuadir e a ciência do
ornamento. Acaba por reproduzir uma retórica desclassificada, que exige do redator
acrobacias redacionais, com sérios prejuízos à inteligibilidade da mensagem. O que
poderia ser dito em poucas linhas com simplicidade e objetividade fica camuflado em
subterfúgios, redundâncias e chavões. Linguagem e cultura A comunicação administrativa nas empresas não veicula apenas as informações
necessárias ao funcionamento do sistema. Mostra também suas características, pois é
constituída segundo modelos gestados à sombra da cultura da organização. A
comunicação administrativa escrita, ao insistir nas fórmulas redacionais antigas, pode
estar revelando a predominância de um componente burocrático e rígido da cultura
empresarial brasileira, sem dúvida tributário da herança autoritário-paternalista
legada ao patronato brasileiro. É incorreto afirmar que essa linguagem não comunica. Ela
comunica, sim, a seu jeito. Se deixa de nutrir a organização com informações,
desempenha o papel de marcadora das instâncias do poder. Assim, dentro de uma estrutura
organizacional hierarquizada, a comunicação ascendente - ou seja, o contato com o
núcleo do poder - será de forma não apenas respeitosa, mas aduladora. A comunicação
descendente, por sua vez, será composta basicamente de ordens a serem obedecidas. Esse
comportamento é refletido em uma prática redacional onde importa menos o que se diz, mas
como se diz. Que tem como pressuposto, quanto aos destinatários, que os empresários são
partícipes de uma corte e os empregados são serviçais desprovidos de vontade própria.
Quanto aos clientes... Ah, esses são figurantes de pouca importância. Afinal, a
burocracia têm os olhos voltados para as suas próprias entranhas. E só encontra
justificação em si própria. Esta leitura não pode ser aplicada às empresas que hoje
se dão conta de que a comunicação é um diferencial competitivo na conquista e
fidelização do cliente. Mas quando se reconhece a necessidade de dar tratamento
integrado à comunicação organizacional, não há como perder de vista o cliente
interno. Na comunicação interna das organizações, porém, ainda é forte a
utilização das regras redacionais do burocratês. Gramática burocrática Expressões como "especial fineza", "obsequiosa atenção" e outras
do gênero, que invariavelmente comparecem nas correspondências, são referenciais banais
de uma cortesia pouco sincera. Sua reiterada explicitação esvazia de sentido a
expressão, atuando mais como marcador simbólico de um respeito supostamente subjacente
em todo relacionamento (não só comercial, mas humano) que não necessita ser
insistentemente consignado. Percebe-se nas mensagens que o redator, temendo ser vulgar,
evita escrever de modo simples e direto. Mas não é o uso de frases sintaticamente
complexas, com expressões eruditas, que torna o pensamento mais rico. Uma mensagem
ininteligível pode, inadvertidamente, passar a idéia de que o seu conteúdo não é
verdadeiro. A clareza de pensamento se manifesta através de textos que, lidos, são
facilmente entendidos pelo leitor. O investimento na redação excessivamente elaborada
consome desnecessariamente tempo do redator e do leitor, e a empresa perde com isso. Quousque tandem No passado, citávamos expressões e até mesmo frases em latim para enobrecer os
textos. Felizmente, os data venia estão ficando restritos ao meio jurídico. Nas
empresas, substituímos o latim pelo inglês. Não tem sentido ficar inventando tradução
para palavras do inglês que já estão acomodadas no vocabulário do brasileiro. As
novidades na área de informática, por exemplo, chegam tão rápidas e com tal
intensidade que não há tempo de se criarem nomes correspondentes no português para os
produtos. O que deve ser combatido é o exagero de citações em inglês, colocadas nos
textos com a pretensão de mostrar sintonia com as idéias administrativas dos gurus
americanos. Acabamos por repetir, qual papagaio, expressões importadas sem dar conta de
seu significado. Lê-se memorando convocando os funcionários para se dedicarem a
determinado projeto "full time o tempo todo". Vê-se mensagem que determina a
data para "startar o início do processo". O gesto redacional de utilizar
vocábulos do inglês é uma atualização do vício de escrever latinismos. Sugere a
intenção do autor de escrever para não ser entendido. Nada mais do que manter a
coerência de um perverso acordo tácito ainda existente em muitas organizações, em que
uns escrevem para não serem lidos e outros lêem para não entenderem. Em vez de
reproduzir expressões de inglês para impressionar o leitor, vamos copiar, sim, a
preocupação dos americanos com a simplificação da linguagem burocrática. Deu no The
Economist (6/6/98) que o presidente dos EUA emitiu um memorando executivo determinando que
os burocratas passem a utilizar plain language ao escrever qualquer novo documento
dirigido ao povo americano. Clinton sabe do que está falando. Se passarmos a utilizar
linguagem simples nos textos administrativos, o processo de trabalho ganha em eficácia.
Com certeza sobrará mais tempo, inclusive para estagiárias. Excitação preliminar Na falta de latinismo, utilizamos também chavões do português. Palavras e expressões que têm presença garantida em todas as mensagens. São carimbos desprovidos de conteúdo informativo e que tornam os textos desestimulantes para leitura devido a sua mesmice. Tirar os empoeirados "por oportuno", "outrossim", "a propósito", "convém enfatizar", "sem mais para o momento" é um saudável exercício de abrir mão de práticas antigas comprometidas com um tempo em que o mundo dos negócios girava lentamente. Esses intróitos são desnecessários e devem ser varridos de nossos textos. E pior será substituí-los por cacoetes terríveis como "a nível de". O leitor também devia incomodar-se com aquelas aulas de português em que fazíamos análise sintática do Hino Nacional e até dos "Lusíadas". Muitos daqueles conteúdos são úteis na hora de escrever nas empresas, principalmente nesta época em que vivemos sob a tirania do tempo real. Temos que dar preferência à ordem direta na construção das frases: primeiro vem o sujeito, depois o verbo e por fim os complementos. Em um período composto por subordinação, a oração principal deve vir no início da frase. Quer dizer: a oração principal deve vir no início da frase em um período composto por subordinação. A oração subordinada, como o próprio nome diz, vem depois da principal. Essa ordem direta - o mais importante primeiro - deve ser seguida na estrutura do texto. Em oposição, a gramática do burocratês ensina que o objetivo de uma mensagem deve vir no final do texto, depois dos argumentos e considerações. Essa estrutura ejaculatória (o mote da mensagem é despejado após longos e excitantes parágrafos preliminares!) não funciona nas empresas. O leitor quer saber o objetivo da mensagem, quando bate o olho no texto. Não há tempo para ficar lendo justificativas e explicações, principalmente quando não são relevantes para o processo de trabalho. Se necessários, esses complementos devem vir após a informação mais importante. Uma das explicações para a valorização de textos prolixos é a relação que
estabelecemos com o papel, suporte histórico da informação. A necessidade de dar
concretude ao nosso esforço de trabalho, principalmente para quem atua na área de
serviços, tornou-nos excelentes produtores de papel. Isso é resultado de um processo de
sacralização do papel, construído nos últimos cinco séculos. Começa com Gutenberg,
passa por Lutero e se consolida com o modelo burocrático weberiano, que propõe um
sistema organizacional esteado em normas escritas. E tem mais. Graças à tecnologia da
reprodução, fotocopiamos, a baixo custo, livros e textos interessantíssimos que
guardamos bem no fundo de nossas estantes e gavetas. Esse hábito nos dá a ilusão de que
temos o conhecimento apenas por possuirmos a informação consubstanciada nas centenas de
folhas que nunca serão lidas. Essa relação erótica com o papel, que faz com que
sintamos prazer em manusear as folhas carregadas de informação, atua quando vamos
escrever um texto. A folha em branco pede que a completemos com palavras. O desafio passa
a ser preencher o papel, ou a tela do computador. Transmitir a informação fica em
segundo plano. Simplificação desejada O papel do papel nas organizações está se alterando graças à informatização da
comunicação. O papel vai desaparecer? Claro que não. Mas, a circulação cada vez mais
intensa de mensagens eletrônicas nas empresas está desbancando o papel como suporte por
excelência da comunicação, com saudáveis mudanças na linguagem. O e-mail (de
eletronic mail, correio eletrônico) instaura uma terceira forma de linguagem, que
incorpora tanto as vantagens da oralidade quanto as da escrita. Embora seja redigido, o
texto eletrônico apresenta características da oralidade, principalmente quanto ao
descomprometimento com o formalismo da escrita. Permite a coloquialidade do telefone, sem
perder a possibilidade de que a mensagem fique armazenada - ou seja, mantém o atributo da
perenidade, próprio da escrita. As mensagens de correio eletrônico apresentam-se com uma
linguagem mais leve, solta, inclusive com gírias, marcando sua oposição ao dogmático,
ao moroso, características da correspondência convencional. O texto, sem abrir mão da
elegância, mas liberto dos artificialismos, ganha vida, fluência e, principalmente,
clareza e objetividade, uma vez que redigido de forma simples e direta, sem os
subterfúgios tradicionais. Ao incorporar uma linguagem mais simples, ágil, direta e
clara, o texto administrativo perde a função de marcador das instâncias de poder. Passa
a desempenhar, com mais eficácia, o papel primordial de veículo da comunicação
administrativa - aquela que orienta e desencadeia os processos de trabalho. Contra o texto oco Acompanhei uma experiência rica no Banco do Brasil, convidado a desenvolver e coordenar um programa de qualidade na comunicação escrita batizado OCA - Oficina de Comunicação Administrativa. O programa está mudando a forma de escrever dos redatores da empresa. O Banco do Brasil, cuja história se confunde com os primórdios da administração pública, sempre valorizou o texto prolixo e bacharelesco, fiel à tradição jurídico-formal da linguagem burocrática. Sintonizada com os desafios da contemporaneidade, a partir da OCA o Banco passou a adotar na redação administrativa um estilo singelo e objetivo. Os resultados têm sido excelentes no que se refere à racionalização da comunicação interna, com reflexos diretos na produtividade dos funcionários e no resultado financeiro. É a seguinte a orientação da OCA para quem vai escrever a leitores que têm pressa.São dicas válidas para a redação administrativa de qualquer empresa.
(*) Artur Roman é mestre em Lingüística (UFPR), doutorando em Comunicação Institucional (USP) e instrutor de Planejamento e Treinamento em Comunicação Organizacional do Banco do Brasil. <artur@avalon.sul.com.br> |
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