Ano 7
Nº 25
4º Trimestre de 1997

 

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Há trinta anos nascia a Aberje; aprendeu a andar, cresceu e se expandiu corrigindo rumos no momento mesmo em que caminhava.   

por Nilo Luchetti (*)

Não as alegrias ou as dores são o nosso destino ou as nossas caminhadas terrestres, mas o procurar agir de modo que cada amanhã nos encontre mais à frente do que estejamos hoje

Henry Wadsworth Longfellow,
poeta americano

    

Quando me foi solicitado um relato de como e por que nasceu a Aberje, meu coração bateu forte. Naquele instante senti-me uma testemunha ad hoc para contar o que estava faltando na bibliografia da história fascinante, algo mágico e em grande parte desconhecido, do nascimento da Aberje. A Associação Brasileira de Comunicação Empresarial não veio à luz assim de repente, mas surgiu no horizonte após prolongada fase de experimentações sociais geradas pela revista Notícias Pirelli, da qual fui inspirador, projetista e por longos anos seu editor.

Em meados de janeiro de 1956, o então diretor-presidente da Pirelli brasileira, Egidio Gavazzi, quis me ouvir. Ele sabia da minha predileção pelo jornalismo e da atuação como correspondente de jornais italianos de São Paulo. Nesse contato informal, e para mim surpreendente, aconteceu uma espécie de sabatina que, pelo seu teor, entusiasmou-me. Foi como alcançar o céu. Gavazzi dissera-me que a empresa instalada no Brasil desde 1929, com matriz em Milão, estava madura e pronta para o lançamento de uma revista periódica dirigida aos empregados e que eu, provavelmente, poderia planejar. Contudo, não deveria ser uma publicação que falasse apenas dos fatos da casa sempre iguais e corriqueiros, tais como joguinhos de futebol entre empregados e de alegres convescotes de confraternização, como era um modismo de amadores na época. O dirigente considerava a missão como algo diferente: seria uma revista editada na área de Recursos Humanos para estimular a inteligência das pessoas, a cultura e a educação. Seu objetivo seria o enriquecimento interior das pessoas, e não apenas a valorização do frio relacionamento dos funcionários com a empresa pelo salário e pelo emprego.

Concluída a breve explanação do diretor-presidente, veio em minha direção uma estimulante saraivada de perguntas que ensejavam a abertura de meu espírito fortemente impregnado de idéias socialmente inovadoras; e para mim, pobre mortal, realizáveis desde que a empresa estivesse disposta a garantir o respaldo necessário à temática a ser gradualmente desenvolvida. Eu defendia que uma comunicação humana bem engendrada poderia obter importantes resultados práticos, conferíveis no tempo. Como, por exemplo, a imprescindível estruturação de um necessário equilíbrio entre o capital e o trabalho a partir de um sistema que teria o condão de gerar uma metodologia social original – uma ferramenta adequada mas ainda não imaginada, porém realizável em prazo dilatado.
    

Vadear o Rubicão

Gavazzi ouviu minhas idéias com paciente atenção. Por fim, disse-me:

– Pelo visto o senhor possui as características humanas de um missionário social do nosso tempo. Creio na validade de suas idéias. Portanto valerá a pena experimentar e, quando for o caso, corrigir a rota andando. Faça então o que é preciso e conte com o apoio da empresa. Mas, antes, tome contato com o diretor-superintendente, engenheiro Umberto Del Sante, para dar início ao planejamento da iniciativa.

O presidente despediu-se de mim com a conhecida frase italiana de bom auspício: "In bocca al lupo!" Era, sem dúvida, o primeiro passo importante, pois sem ele nada aconteceria a seguir. Saí de seu gabinete como picado pela mosca azul.

Em abril daquele mesmo ano, trabalhando além de minhas atribuições normais na empresa e com o auxílio de alguns colaboradores, era editada a revista Notícias Pirelli, em cuja capa via-se o monumento ao "Semeador", instalado em uma praça da capital paulista. A própria capa continha os estímulos de que a publicação necessitava. De fato, o ponto central do programa era o de semear idéias para realizá-las. Idéias inovadoras para galvanizar os leitores, induzindo-os em graus crescentes a participar dos eventos culturais e sociais programados pela Pirelli. A essa altura o mítico Rubicão estava sendo transposto sem dificuldade.

Na edição nº 1, Egidio Gavazzi, dono de uma cultura humanística excepcional, havia-se convencido de que aquele seria o caminho a ser empreendido para uma forma de comunicação moderna, culturalmente avançada, com vistas postas a preparar o espírito dos empregados para um futuro cada vez mais complexo. Ele, milanês prático e racional, dissera-me: "É preciso preparar os nossos empregados para o próximo futuro". Naquela primeira edição, em espaço nobre, publicou-se sua mensagem de boas-vindas na qual referia-se aos leitores com parte viva e não esquecida da organização.

"Notícias Pirelli pretende ser a publicação amiga de todos nós, da Família [vejam o F maiúsculo], de nossos lares. Pretende informar os acontecimentos que, além de um valor organizativo, industrial e cultural, tenham especialmente um valor humano em nossa vida de trabalho, e na vida de nossos familiares" – escreveu Gavazzi. Já nessa edição explicava-se aos leitores o funcionamento das fazendas de borracha natural da empresa, os elementos básicos da economia nacional, as atividades de nosso grupo internacional criador de empregos, além de matéria sobre o musicista brasileiro Carlos Gomes e noticiário de esportes. Nas páginas derradeiras, enigmística, humorismo e acontecimentos sociais, como devia ser.
    

Fundamentos claros

Os conteúdos humanos dessa estréia foram avaliados e considerados altamente positivos. Era um bom começo de uma longa caminhada de comunicação empresarial de elevado valor educativo, ético e social. Os dirigentes da Pirelli apreciaram esse, digamos, início de conversa tão preciosa. O muro da dicotomia capital vs. trabalho estava sendo atacado com visível vigor. A temática social estava aflorando sutilmente. Os diretores da empresa comentavam que aquela era a oportunidade de aprofundar gradativa e efetivamente o estudo dos fenômenos sociais do Brasil, comparando-os àqueles observados há anos na Europa, especialmente na Itália. Algo realmente complexo, já que se tratava de articular uma linguagem pouco cultuada como a sociologia do conhecimento: uma espécie de fortalecimento de uma área critica do saber.

É com esse espírito e nesse contexto que surgiu a idéia de criarmos uma associação de publicações empresariais. A partir daquela singela mensagem inaugural, tudo o que viria a concretizar-se depois seria mera mas organizada conseqüência, uma oportunidade a não ser desperdiçada. Raramente episódios isolados, mas ricos em sinergias, conseguem oferecer inserções de idéias consistentes e válidas para o futuro. Os fundamentos já apareciam claros, até óbvios. Entretanto, era preciso debruçar-se com denodo e em profundidade no estudo das variantes que apareceriam a seguir. Da mesma forma, era preciso também manter a unicidade do conjunto das idéias transformadoras. Era a fase incipiente da preparação para vôos mais altos, com prudência e responsabilidade.
    

Primeira infância

Em 1965, nove anos depois do lançamento de Notícias Pirelli, teve início um bem engendrado sistema de intercâmbio de idéias entre empresas editoras de 73 publicações empresariais. A direção da Pirelli acompanhava esse movimento com admiração e justificado orgulho, como fosse a invisível patrona desse fórum amplo e coordenado de intercâmbio. O governo autoritário da época sabia de tudo, mas não interferia. A nossa, felizmente, não representava uma mídia perigosa. Brasília achava importante a colaboração das comunicações empresariais na difusão das efemérides nacionais, das iniciativas educacionais e patrióticas, enquanto entre nós, editores, viçava uma liberdade soberana sem interferência de nenhuma espécie. E pela comunicação inteligente entre publicações, já então quase uma centena, desenvolviam-se intensas iniciativas de caráter educativo e social, tais como a promoção de espetáculos teatrais, excursões nacionais e internacionais, exposições de arte, entre outras. Exatamente como havíamos previsto.

No ano seguinte entrei em contato com o professor Siegfried Hoyler, então presidente da Associação Brasileira de Administração de Pessoal (Abape), a fim de que colaborasse comigo na realização de uma primeira Convenção Nacional de Editores de Revistas e Jornais de Empresas. O objetivo do encontro era contribuir para uma melhor qualidade dos temas e dos textos em geral, profissionalizando a área e colocando em relevo as questões relativas ao relacionamento das empresas com os empregados. Hoyler entusiasmou-se com o projeto e logo imaginou organizar um concurso nacional para a escolha e premiação das melhores publicações empresariais. E aprovou sem reservas a proposta da convocação de um encontro nacional de editores para a análise do estagio das publicações empresariais no Brasil – uma novidade absoluta.
    

Evitar desvios

Em 8 de outubro de 1967, no auditório central da Pirelli, em São Paulo, realizava-se a Convenção Nacional dos Editores Empresariais contando com a presença de várias personalidades do mundo empresarial e do jornalismo. O evento inédito transcorreu em clima de otimismo, seja pela novidade como pelos temas em pauta. Era uma oportunidade única de pôr em discussão assuntos nunca examinados coletivamente. Hoyler fez uma interessante palestra sobre "Comunicação Empresarial e seu profundo significado ético" para mais de uma centena de pessoas ligadíssimas no assunto.

No decorrer daquela jornada histórica, a revista Notícias Pirelli recebia do jornalista César Tácito Lopes Costa, diretor do jornal O Estado de S.Paulo, a taça da melhor publicação empresarial do concurso do Abape, outorgada por um júri presidido pelo professor Julio Garcia Morejón, diretor da ECA-USP.

A proposta de criar uma Associação de empresas editoras de publicações, como previsto, foi aprovada por quase unanimidade, registrando-se pouquíssimas divergências. Nessa aprovação estava implícito o profundo interesse de dar especial ênfase no relacionamento civilizado entre empresas e empregados. Salientou-se, na convenção, que o Brasil devia contar com todos os fatores econômicos possíveis para crescer sem sobressaltos e criar empregos crescentes, tendo em vista um mercado interno também crescente. Embora ainda não legalizada com estatutos e registros em cartório, a Aberje nascia com direito a um almoço de confraternização e um ambiente de amplo consenso construtivo. Naquele 8 de outubro registravam-se, assim, dois resultados importantes: a realização da 1º Mostra de Publicação Empresariais e a fundação de uma associação de comunicações empresariais, a primeira da América Latina.

Poucas semanas depois, já legalizada a entidade, eu era eleito o primeiro presidente da Aberje – Associação Brasileira de Editores de Revistas e Jornais de Empresas, em assembléia realizada no auditório do jornal Folha de S.Paulo. Fui, à época, premiado com uma enorme responsabilidade: a de manter intactos, mas evoluindo no tempo, os princípios norteadores da entidade, e evitar desvios. Para mim, embora otimista inveterado, a incumbência parecia nada fácil: manter viva a originalidade das idéias, sempre, como ponta de lança a abrir novos caminhos ainda desconhecidos.
    

Marca registrada

Foi esse estímulo que permitiu-me tomar contato com o professor Dimitri Weiss, da Universidade Sorbonne-Pantheon (Paris), que logo enviou, para meu conhecimento e estudo, suas obras "Communications et Presse d’Entreprise" e "La Communication dans les Organization Industrielles". Da minha parte, em troca, o professor Weiss vinha obtendo amplas informações sobre nossas atividades no Brasil.

Em 1972, o mesmo catedrático, após varias correspondências, enviou-me mais um de seus livros, "Contributions a l’Etude de la Presse d’Entreprise et Essai de Bibliographie". Ao lê-lo, fui surpreendido com duas significativas citações: na página 188, quatro nomes de gente da Aberje: o meu, o de Wilson Candeloro, de Ubirajara Mendes e de Luis Mota. E, ainda mais surpreendente, à página 196, a citação do Brasil como um país dotado de uma comunicação empresarial relevante, ao lado de Estados Unidos e Canadá. Este episódio significava que o Brasil estava sendo considerado, já naquele ano, inquestionavelmente um país pioneiro no continente americano. Em outras palavras, a comunicação empresarial no Brasil pertencia e enquadrava-se nos padrões do Primeiro Mundo. O prestígio da Aberje estava sendo reconhecido e consolidado.

Dessa época até nossos dias a caminhada foi confiada a outros companheiros que avançaram no fortalecimento da entidade, pontualizando uma primeira e uma segunda fase da organização. Em abril de 1988, a Associação Brasileira de Editores de Revistas e Jornais de Empresas mudou sua denominação para Associação Brasileira de Comunicação Empresarial – mantendo a sigla Aberje, já então uma marca suficentemente conhecida no meio profissional e empresarial.
     

Palavra do poeta

A Aberje instalou-se em uma sede nacional condigna, continuou a semear idéias, participou de um congresso internacional na Suécia e passou a realizar convenções e encontros anuais para discutir teses cada vez mais abrangentes. A entidade administrou cursos de jornalismo empresarial e outros de grande interesse das empresas, e consolidou o Prêmio Aberje – hoje uma referência de suma importância na Comunicação Empresarial brasileira.

Neste trigésimo aniversário da entidade, a pesquisadora Margarida Maria Krohling Kunsch, professora-titular da ECA-USP, realizou um inteligente trabalho de pesquisa sobre relações públicas e comunicação que transformou-se no livro "Relações Públicas e Modernidade – Novos Paradigmas na Comunicação Organizacional". No segundo capítulo, a autora historia levemente como a Aberje nasceu e se desenvolveu. Uma obra necessária e louvável, um princípio de bibliografia.

Pela dedicação de tanta gente, a Aberje tornou-se uma insubstituível instituição das comunicações empresariais brasileiras. E vem crescendo por todos os lados, com visível leque de ações e iniciativas tendo em vista cumprir seu destino. Permito-me lembrar, no entanto, que as brumas da negatividade estão sempre à espreita para deturpar os mais nobres ideais, especialmente nos tempos caóticos que estamos vivenciando. A lógica da economia não pode prescindir dos sentimentos emanados da alma humana. É preciso sempre verificar a rota e, quando necessário, empenhar-se em corrigi-la. O pensamento do poeta Longfellow, na epígrafe deste relato, constitui um lembrete valioso para os Homens de todos os tempos. É assim – penso do alto da minha idade vetusta – que a Aberje moderna e incansável poderá projetar a terceira fase de sua vida admirável, preparada como está para enfrentar os desafios futuros e dar os primeiros lúcidos passos no terceiro milênio. Business? Sim, business. Mas com forte dose de humanitarismo criador e propulsor. Com sabedoria e com alma.

(*) Nilo Luchetti é jornalista e foi o primeiro presidente da Aberje.

 

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