Ano 7
Nº 24
3º Trimestre de 1997

 

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A lição de casa

     

Promover uma boa comunicação com os funcionários faz parte das obrigações de uma empresa que se quer competitiva e rentável.     

A comunicação interna é um tema antigo e sempre renovado. Mais do que nunca, é ferramenta imprescindível de resultados nesses tempos de competitividade com qualidade e negócios globalizados. O que antes se resumia aos simplórios comunicados da direção das empresas para o corpo de funcionários, ou à edição do jornalzinho repleto de fotos do presidente e lista de aniversariantes, hoje transformou-se em fator crítico de sucesso dos programas de produtividade e qualidade das companhias. Ter no funcionário um aliado e parceiro de todas as horas – às vezes até mesmo uma espécie de "dono" do negócio – passou a significar um elemento importante para a consecução dos objetivos da empresa como um todo.

Ao trocar sua denominação corporativa para Accor, oficializada em 6 de agosto deste ano e seguindo os ditames mundiais da organização a que está vinculada, a Ticket tinha como desafio mostrar ao mercado a força de um grupo internacional que não se restringe apenas à área de alimentação. Para dar vida à operação era preciso, primeiro, passar o conceito aos funcionários para só então divulgá-lo ao público externo. Havia um risco, porém: revelar com antecedência (em maio) aos funcionários a nova estratégia do grupo e sua identidade visual, poderia significar o risco de a informação vazar antes que todo o projeto estivesse orquestrado. Ainda assim, o caminho escolhido foi o de revelar no house organ da companhia todas as orientações para que os funcionários tivessem a primazia da informação. Ponto para a Accor. Gerar esse tipo de envolvimento faz parte da estratégia que as empresas mais atiladas estão adotando valorizar seus funcionários e fazer com que se sintam parte integrante do negócio.
    

Comunicação direta

Por que o consumidor tem a quem reclamar e o funcionário, não? Diante dessa indagação, e buscando utilizar com os funcionários estratégias semelhantes de comunicação com o mercado, o grupo Pão de Açúcar decidiu, há quatro anos, criar a figura do ombudsman dos funcionários. Enquanto a ombudsman Vera Giangrande atende consumidores da rede, Fernando Solleiro e Maria Aparecida Fonseca ficam disponíveis diariamente, até às 22 horas, para ouvir os funcionários do Pão de Açúcar. Os dois ombudsmen também costumam ir a campo para checar como anda a satisfação dos funcionários nas lojas. "É preciso acabar com a idéia de que alguém da empresa não pode criticar severamente um procedimento interno", diz Vera.

Mas a principal ferramenta de comunicação do Pão de Açúcar com o funcionário é o vídeojornal Canal Livre PA, no qual a organização investe anualmente 300 mil reais. Pelo perfil dos mais de vinte mil funcionários do grupo, Vera Giangrande acredita que a forma mais eficiente de atingi-los é o meio eletrônico. Os vídeos, de periodicidade mensal, trazem informações gerais sobre as atividades do Pão de Açúcar e são realizados pela produtora TV1, sob a coordenação de um comitê interdepartamental da empresa. São feitas avaliações trimestrais das emissões e o retorno tem sido acima de onze mil respostas espontâneas, das quais cerca de 3,5 mil vêm com observações e sugestões – muitas delas transformadas em ações concretas. Bons exemplos disso são a própria existência dos ombudsmen internos, o incremento das reuniões de equipe, o treinamento operacional, a participação em promoções com clientes e os concursos especiais para os funcionários.

Para entrosar um time grande como o do Pão de Açúcar, o departamento de marketing se encarrega de organizar reuniões trimestrais com representantes de funcionários de cada loja, independente do nível hierárquico. Na comunicação direta, a facilidade de acesso aos demais colegas se dá por e-mail. Mesmo os funcionários mais simples podem mandar seu recado, inclusive para os ombudsmen, pelo fax ou pelos terminais existentes em cada loja. Quando a dúvida recai sobre novos procedimentos de atuação, circula o boletim interno Oriente-se, sempre integrado com um vídeo de treinamento.

"Nossa política nos últimos anos têm sido de acentuar o marketing de relacionamento com os funcionários", explica Vera Giangrande. "Primeiro nos preocupamos em motivá-los, envolvê-los e engajá-los nos nossos objetivos para que depois eles possam transmitir essa entendimento aos clientes." Para promover o comprometimento, o Pão de Açúcar investe em uma política de benefícios que inclui alimentação, transporte, pagamento de horas extras, bolsa de estudos em todos os níveis e assistência médica, além de complementos como enxoval para bebês recém-nascidos, convênios com estabelecimentos comerciais e a facilidade de pagamento nas compras nas lojas da rede.
    

Lealdade e produtividade

A lealdade com o funcionário também faz parte da estratégia da VR, que opera na área de alimentação. Para Bernardo Zamijovsky, diretor de marketing do grupo, "quem não tem a lealdade dos funcionários tem alto turn over também de clientes". A VR tem uma rotatividade anual de mão-de-obra em torno de 20%, considerada baixa em relação ao segmento de fast food, onde a média é de 90%.

A VR, que conta com mil colaboradores, preocupou-se em estabelecer vários canais de comunicação interna – para os quais destina 500 mil dólares no segundo semestre de 1997. O primeiro deles é o jornal mensal Conversando, no qual os funcionários participam e que traz informações sobre programas de recursos humanos e integração de filiais, sempre divulgando a missão, os princípios e os valores da empresa.

Simultaneamente à mídia impressa, a VR passa por uma "webficação", que inclui a construção, até o final do ano, de uma Intranet que irá conectar funcionários ao sistema Extranet, voltado para clientes. Com isso, a empresa passa a ter conectividade e distribuição de informações de forma mais rápida, proporcionando maior autonomia aos escritórios. Há ainda um canal pessoal de contato com a vice-presidência da empresa em cafés da manhã periódicos, que ajudam a quebrar a barreira do topo da hierarquia com uma área operacional específica. Além disso, regularmente um funcionário é escolhido para conversar com a alta gerência. Caso um colaborador não tenha essa oportunidade e queira se manifestar, a empresa põe à sua disposição um canal telefônico de reclamações.

No começo de 1997, uma pesquisa da VR detectou que o resultado dessas estratégias de comunicação interna apontavam para uma maior satisfação de seu pessoal. Zamijovsky atribui isso à correção do programa de recrutamento e seleção, que tem se empenhado em acertar na colocação das pessoas mais adequadas para as diversas atividades. A pesquisa também constatou que os funcionários queriam a inclusão de mais benefícios, o que resultou na troca de fornecedores na área de convênio médico e também na maior divulgação dos níveis salariais praticados pela empresa.

Aqui também a estratégia da comunicação interna é guiada nos moldes da comunicação da empresa com seus consumidores. Pensando nisso, a VR procedeu a uma revisão de sua papelaria e quadro de avisos. A partir de agosto, passou a utilizar o personagem Dilbert em sua comunicação interna. Criado por Scott Adams, os quadrinhos de Dilbert representam o cotidiano de uma empresa clássica mundial, com todos os chavões relacionados à chefia e aos entraves burocráticos. "Com o personagem, reconhecemos que não somos uma empresa perfeita e que nosso princípio é o de transparência e diálogo", diz Zamijovsky.
     

Funcionário globalizado

A Philip Morris ainda aposta na mídia tradicional para estabelecer ligação direta com o funcionário. Do total de 350 mil dólares investidos anualmente em comunicação interna, a revista Elo absorve 200 mil dólares dessa verba. A publicação é o principal foco de integração com os funcionários das várias empresas, entre elas Kibon, Suchard e Lacta. "Procuramos mostrar ao funcionário que ele faz parte de um conglomerado muito maior do que sua unidade ou sua empresa", diz Marcelo Alonso, gerente de comunicação do grupo. "Dessa forma ele pode visualizar melhor nossa estratégia de crescimento e seu lugar na organização."

Além da revista, o departamento de comunicação da Philip Morris se encarrega de atualizar o quadro de avisos em todas as unidades não só com comunicados, mas também com notícias das atividades de todas as áreas, notas sobre o funcionamento do plano de saúde, nomeações e outras mudanças organizacionais. Na empresa há 1.200 pontos interligados pela rede de computadores. No sistema de e-mail são inseridas informações de interesse do funcionário, em pastas compartilhadas. Segundo Alonso, a Philip Morris adota a filosofia empresarial de livre trânsito e comunicação entre os diversos níveis hierárquicos. Ele garante que o correio eletrônico reduziu a timidez dos funcionários nos contatos com a alta administração.

O e-mail também funciona como um clipping do que foi publicado na imprensa sobre a empresa. Quando os assuntos são urgentes, é o meio eletrônico que garante a difusão da informação em tempo real para toda a companhia. No final de junho, por exemplo, quando alguns estados norte-americanos assinaram com empresas de tabaco um compromisso de estabelecer um fundo para "suprir eventuais custos para doenças presumidamente advindas do uso do cigarro", toda a Philip Morris brasileira teve a notícia na mesma hora. Com seus computadores conectados ao servidor da matriz, o departamento de comunicação da unidade brasileira pôde agilizar a informação e preparar executivos para possíveis abordagens de clientes e da imprensa.

Outro instrumento de aproximação do funcionário com a alta gerência da Philip Morris é o telefone 0800 "PM Responde". Por meio dele, o funcionário pode deixar um questionamento para que o presidente – que responde por escrito em, no máximo, 15 dias. A participação é incentivada com uma promoção que sorteia viagens para conhecer fábricas situadas em localidades como São Paulo, Recife, Curitiba e Rio de Janeiro. Além disso, as gerências gerais de cada unidade têm autonomia para realizar reuniões informais, como cafés da manhã com os funcionários.
    

Hora do cafezinho

Na Fundação Dom Cabral, o café da manhã também é uma estratégia bem sucedida de aproximação com o presidente da instituição. Pelo menos uma vez a cada 45 dias, um funcionário é destacado para uma conversa informal com o principal dirigente da Fundação. "As pessoas estão mais reivindicativas, querem ter seu espaço e suas indagações ouvidas", constata o consultor Carlos Pessoa, diretor de mercado da instituição. Além da criação de mecanismos para a participação dos funcionários nos resultados das empresas, Pessoa sugere a execução de um esforço constante no sentido de favorecer o diálogo e de tornar os funcionários co-responsáveis pelos procedimentos adotados pelas organizações. Com as hierarquias cada vez mais achatadas pela readaptação das empresas ao mercado, a tomada de decisões só consegue ser rápida e eficiente com o comprometimento do pessoal.

Para Pessoa, a maior parte das tendências de comunicação interna nas empresas passa pela tecnologia, que fascina e une funcionários de departamentos tão distintos quanto simbióticos. Além do e-mail, a Fundação utiliza também clipping e quadro de avisos. As quatro unidades operacionais da instituição – desenvolvimento de altos executivos, programa de acompanhamento para empresas, especialização de jovens executivos e parcerias com médias empresas – padronizaram sua forma de divulgar comunicados aos 90 funcionários.

Apesar de realizar trabalhos de consultoria para diversas empresas, a Fundação Dom Cabral não costuma receber solicitações para analisar e estruturar trabalhos de comunicação interna. A demanda, ali, é mais focada em capacitação gerencial e estratégias de gestão, refletindo as necessidades emergenciais das empresas. Mas isso não chega a refletir a tendência do mercado – muito pelo contrário. Segundo Luiz Ciocchi, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABARH), as empresas estão "muito preocupadas com o tema", variando apenas a forma como o fazem, de acordo com o tipo e formação de seu pessoal. Para Ciocchi, embora a tecnologia seja uma tendência na comunicação interna, os veículos tradicionais não serão totalmente substituídos. Ele acredita que há uma tendência cada vez mais clara no empresariado brasileiro em perceber que os recursos humanos fazem a diferença no seu negócio. "O empresário que está voltado para a competitividade e globalização tem a visão de que o fator determinante desses processos é o elemento humano. O funcionário brasileiro já mostrou que é fiel, leal e criativo, cabendo à empresa a responsabilidade de estimular esse potencial", diz Ciocchi. (ND)

    
    
Comunicação interna e o Chupa-Cabras
     

Paulo Nassar(*) critica o conceito de Comunicação Interna mostrando que as empresas e instituições devem pensar estrategicamente os seus públicos e não através de conceitos geográficos.
     

Papai-Noel, cegonha, lobo-mau, chupa-cabras e comunicação interna são figuras que certamente têm um papel no reino da carochinha. No caso específico do que se chama comunicação interna cumpre também a função de aumentar o faturamento de alguns consultores de comunicação e preservar o poder daqueles gestores de recursos humanos que não entenderam ainda que a comunicação eficiente é sistêmica, não compartimentalizada, e altamente prejudicial para as empresas e instituições quando nas mãos de diletantes e de amadores. Por quê? Porque comunicação interna não passa de um termo geográfico. O que as empresas, as instituições, e até os indivíduos, têm são públicos estratégicos (aqueles que têm impacto nos seus negócios e nas suas atividades). Públicos estratégicos (acionistas, funcionários, imprensa, comunidade, consumidores, autoridades, sindicatos...) que cada vez mais querem qualidade total da comunicação em empresas ou das empresas, e também de todo o tipo de emissor.

Dar status de ciência ao que se pretende chamar de comunicação interna é retomar antigos preconceitos, paradigmas do tempo em que os executivos eram chamados de white collars e os operários de blue collars. No tempo do holístico, da inteligência emocional, do Mercosul, da globalização, por que não assumir, de uma vez por todas, que a comunicação em empresas deve ser integrada e profissional?

(*) Paulo Nassar, jornalista, é autor dos livros "O que é Comunicação Empresarial" (com Rubens Figueiredo, Ed. Brasiliense) e "A Comunicação da Pequena Empresa" (com Nelson Gomes, Ed. Globo).

 

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