Ano 7
Nº 24
3º Trimestre de 1997

  

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Visão global, comunicação local

     

Mesmo trabalhando na área de bens de capital, e sem consumidor final visível, a Asea Brown Boveri investe pesado em comunicação.    

Asea Brown Boveri (ABB) é um dos grupos empresariais mais internacionalizados do mundo. A organização, que reúne quase 1.500 empresas em 140 países, opera como uma federação de empresas nacionais que se reportam a um centro de coordenação global. Sua atual configuração vem de 1988, fruto da fusão da empresa sueca Asea (criada em 1890) e da suíça Brown Boveri (fundada em 1891). O grupo tem hoje 240 mil funcionários e realizou, em 1996, uma receita global de 25 bilhões de dólares.

A empresa está no Brasil desde 1927 e sua unidade local responde por pouco mais de 2% do faturamento mundial da companhia. O primeiro fornecimento da ABB ao mercado brasileiro, no entanto, ocorreu em 1912, quando construiu o montou o bondinho do Pão de Açúcar, no Rio.

Embora atue na área de bens de capital (energia e automação industrial, principalmente) a ABB desenvolve uma política de comunicação de dar inveja a muitas companhias que operam no segmento de varejo – e, portanto, lidando com um consumidor final mais facilmente identificado. As ações de comunicação da ABB brasileira são inspiradas na estratégia global da companhia, mas não por isso alheias à realidade local. Os resultados mais visíveis dessa postura são a sólida imagem institucional que a empresa desfruta no Brasil, a qualidade de sua relação com clientes e fornecedores e o baixíssimo turn over de seu corpo de funcionários.

Em novembro de 1996, a companhia criou em Osasco (região metropolitana de São Paulo) o ABB Institute – o primeiro centro latino-americano de treinamento de profissionais para a área da robótica e da automação industrial, que também oferece programas específicos para estudantes universitários e engenheiros recém-formados. A iniciativa é reveladora de uma outra faceta da ABB: o forte investimento em pesquisa e desenvolvimento, ao qual a companhia dedicou, no ano passado, 2,63 bilhões de dólares em todo o mundo.

Cedric Mark Lewis, presidente da ABB brasileira, e José Augusto Marques, vice-presidente de marketing corporativo, concederam ao editor Luiz Egypto a seguinte entrevista.

Por que uma indústria de bens de capital como a ABB se preocupa tanto com comunicação?

José Augusto Marques – Uma empresa lida com seres humanos e o destinatário da comunicação é sempre o ser humano. Tanto faz se a empresa vende bens de consumo, presta serviços ou vende equipamentos para infra-estrutura. A preocupação com comunicação na ABB vem do fato de que a companhia entende que, para qualquer tipo de entendimento e diálogo, é essencial a comunicação entre seres humanos.

Quais os públicos estratégicos da comunicação da ABB?

Marques – São, primeiro, o reprodutor natural daquilo que a ABB tem para informar, o seu público interno. São cerca de cinco mil pessoas no Brasil, em cinco fábricas. No mundo, são 214 mil funcionários. A ABB é pioneira na comunicação permanente com seus empregados. Todas as decisões aqui são comunicadas a todos os níveis da empresa. A ABB é com certeza a primeira empresa no Brasil que publica mensalmente os seus resultados ao nível do chão da fábrica.

Qual a vantagem disso?

Marques – Porque é também política da ABB que todos seus funcionários tenham remuneração variável, e esse tipo de remuneração está relacionada com a performance da área, do segmento ao qual eles pertencem e à companhia como um todo. Essa é a base de nossa comunicação. O público interno é o reprodutor natural do processo. O segundo público prioritário é, na verdade, muito mais do que o decision maker, mas a formação de uma consciência de que a ABB é uma empresa preocupada com soluções, e não apenas uma empresa vendedora de produtos. Isso não é conceitual, apenas: vem da origem da ABB. Somos uma empresa que oferece soluções ao mercado, e soluções não são decisões de uma pessoa, mas de um conjunto. Nossa comunicação vai nessa direção.

Cedric Mark Lewis – Quem visita o cliente não é o presidente ou um diretor da ABB, mas pessoas trabalhando. Com uma boa comunicação, essas pessoas ficam mais seguras porque sabem o que está acontecendo e espelham essa segurança para o cliente. O cliente gosta de pessoas que são convencidas e que têm condições de convencê-los. Aí a comunicação é fundamental. E não só em resultados, mas também entrando nas fábricas de modo a garantir a confiabilidade das medidas de performance.

Qual a melhor forma de comunicação?

Lewis – Penso que a comunicação deve ser a mais direta possível, em todos os níveis. Quando há algum motivo, chamo todo mundo e falo diretamente para as fábricas. Com todos os meu erros de português, eles às vezes até entendem melhor o que eu estou falando. A relação é franca: há cinco anos não temos cartão de ponto em nossas fábricas. Não temos sequer esse tipo de controle.

Marques – Uma empresa vive em função do mercado. E comunicação é o entendimento do que acontece no mercado – recebido, processado e transmitido de volta a todos os cinco mil empregados da empresa. Se não for assim, se essa informação não for disseminada e ficar restrita à direção da empresa, então ela não fará sentido algum.

Os funcionários da ABB efetivamente compreendem os objetivos para os quais a comunicação de empresa é produzida?

Marques – Eu não posso jurar que seja assim porque, felizmente, nós não lidamos com salsichas, mas com seres humanos. E cada ser humano tem seu pensamento e sua maneira de ver as coisas. Mas, de uma maneira geral, a resposta é sim.

Há controle de resultados?

Marques – Claro. Até os veículos internos publicados pela empresa são checados pelo seu público alvo em bases permanentes. Mas vamos ser bem claros: a comunicação empresarial no Brasil ainda é incipiente em relação a outros países. Entendemos que a ABB está a um passo à frente da média de empresas que não lidam diretamente com o público. Temos, por exemplo, um toll free 0800 que é um canal aberto de comunicação com o universo da sociedade, e não apenas com os clientes. Investimos pesadamente na divulgação desse toll free em cima da tese "Precisamos conversar, ligue para nós". E temos índices altíssimos de retorno, muito acima da média. Não se trata de um serviço de atendimento ao cliente: é muito mais do que isso. Serve, inclusive, para o nosso próprio pessoal.

De que maneira?

Marques – Temos um sistema chamado Processo de Resolução de Reclamações de Clientes (PRRC) ligado ao toll free. De qualquer lugar do Brasil, nosso pessoal injeta gratuitamente no sistema – seja por telefone, computador ou fax – tudo o que ouviu sobre a companhia em qualquer lugar, especialmente o que não for bom. A base da nossa comunicação é que ela precisa ser interativa e precisa promover respostas a quem quer saber algo da empresa, seja o que for.

Esse espírito é mais propriamente brasileiro ou é um padrão mundial de comportamento da ABB?

Lewis – É brasileiro, sim, porque estamos no Brasil. Claro que, como disse Marques, no Brasil, em geral, o nível de comunicação não é muito alto. No entanto, como estamos presentes local e globalmente, o nosso nível de comunicação é influenciado pela parte global da companhia. Mas o sistema é brasileiro.

Marques – O presidente do Conselho de Administração mundial da ABB, Percy Barnevik, é uma pessoa que desde o primeiro momento da fusão, em 1988, tem uma máxima que é a seguinte: "Information, information over information". Quanto mais informação o manager, o líder da fábrica e o operário tiverem, mais integrado à empresa estarão. Como disse Cedric, a máxima é global. Já a ação é local por natureza. Tem uma forte influência global? Claro que tem. Mas a ABB – e isso não é um slogan – não é uma empresa multinacional: a ABB é uma empresa multidoméstica. Isto quer dizer que agimos localmente e pensamos globalmente. Aliás, esse conceito foi usado pela primeira vez pelo Percy Barnevik e hoje está aí, de propriedade de muitos consultores. "Pense globalmente e aja localmente." Nesse sentido a ABB é uma empresa brasileira, integrada no Brasil. Portanto a metodologia da comunicação no Brasil é brasileira, ou seja, nós não importamos campanhas. Isso é investimento pesado em comunicação, uma coisa de que a ABB se orgulha muito.

Os senhores atuam em um segmento durante muitos anos sacrificado pela falta de investimentos. E agora? Como a ABB está acompanhando processo de privatização e de estabilização da economia brasileira?

Lewis – Olhamos muito favoravelmente para o programa de privatização e a ABB está apostando na América Latina. Planejamos Estamos pensando investir em torno de 200 milhões de dólares porque sentimos a proximidade de um novo boom econômico. Esses 200 milhões de dólares podem vir para cá em até dois anos, dirigidos a aquisições e investimento. Não estamos falando em curto prazo, mas olhando para o futuro. Para a ABB, o Brasil é o centro de excelência para a América Latina. Apostamos no país porque nossa empresa atua em um segmento que trabalha no longo prazo. Continuamos a fazer mais força de produtividade com o objetivo de melhorar, melhorar e melhorar. Estamos olhando internamente sempre com a meta de diminuir custos, melhorar a competitividade e deixar o governo tomar as suas providências.

O que dizer do desempenho na ABB nas exportações?

Lewis – Em 1994 exportamos 230 milhões de dólares. Em 1995 nossa performance caiu para 100 milhões de dólares, em função da sobrevalorização do real. Vivemos aqui uma situação singular: nós não apenas vendemos para o cliente, mas temos um compromisso com ele. Por isso, chegamos até a vender abaixo do custo para segurar o cliente, sabendo que a situação não poderia continuar como estava. Pois bem: em 1996, exportamos 200 milhões de dólares. Como fizemos isso? A política cambial se manteve a mesma, mas aumentamos internamente nossa produtividade e pudemos voltar a exportar. Ainda há problemas de infra-estrutura, cujos custos são muito altos. Mas quando esses custos diminuírem, nós já estaremos prontos para a nova realidade.

No que a comunicação pode ajudar?

Marques – Não somos uma entidade de benemerência: somos uma empresa cujo objetivo é o lucro, a rentabilidade. Todo o investimento feito em comunicação tem como meta primeira o objetivo social, natural da comunicação. Mas o pano de fundo de todo o investimento é a rentabilidade. A comunicação não é uma coisa isolada do objetivo maior da empresa.

Partimos de um pressuposto comum, pois entendemos que a comunicação é uma área de resultados. Não é perfumaria.

Marques – Comunicação é uma área de suporte ao resultado. E você só descobre se investiu corretamente se medir o retorno. Quando tomamos a decisão de fazer investimento em comunicação, temos de ter a exata idéia do retorno disso. A ABB é uma empresa que não se administra pela sobrevivência, mas pela perenidade.

Lewis – A ABB é uma organização que reúne mais de mil empresas em todo o mundo. Com tantas empresas, como trabalhar sem uma comunicação excelente? Em empresas ditas normais, com estruturas piramidais e centralizadas, a comunicação vem de cima para baixo. Quando esse tipo de estrutura não existe, como no caso da ABB, é preciso melhorar bastante a comunicação, caso contrário será impossível gerenciar quase 1.500 empresas em 140 países. Será preciso fazer comunicação, comunicação e mais comunicação para evitar ruídos. Isso é fundamental para uma empresa global and local como a ABB.

A ABB e um grande grupo de empresas que trabalham no Brasil têm se esforçado para exportar, ainda que sob condições adversas. Essas empresas competem em sistemas produtivos globalizados, e portanto não podem abrir mão de sempre inovar e criar vantagens competitivas. O segmento em que os senhores atuam, energia e automação, é especialmente relevante nesse cenário. O câmbio atrapalha o trabalho da ABB?

Marques – Para qualquer coisa se faça, existem duas atitudes: uma é sentar na sarjeta e chorar, a outra é trabalhar. Definitivamente a ABB não senta na sarjeta. Eu não sei se o câmbio está defasado ou não, porque aqui nem o presidente da companhia nem eu temos a menor possibilidade de ingerência sobre a política de câmbio. Este é um fator externo. Então, vamos buscar ganhos de produtividade onde eles estiverem para compensar um eventual sobrevalorização do real. Buscamos melhorar a performance e dobramos nosso volume de negócios nos três últimos anos. Não vamos discutir câmbio, mas sim discutir mecanismos compensatórios. Por exemplo, a eliminação da incidência cruel de impostos na cadeia produtiva. Já temos algo, que é a eliminação de ICMS nos bens de ativo fixo e na exportação, além da isenção de IPI para determinados projetos. Posso lhe garantir que, para alguns produtos nossos, o PIS-Cofins chega a 7% na ponta da cadeia produtiva. Outro exemplo: partes, peças, componentes montados e subconjuntos têm alíquota de importação maior do que o produto final, o que é um absurdo e um desestímulo à produção no Brasil. Queremos condições isonômicas de competição. Não queremos privilégios.

Lewis – Às vezes o câmbio sobe em um país e cai no outro. Câmbio é um problema do país. E o país deve saber como gerenciar isso melhor do que nós.

Marques – Não gostaríamos que o governo ingerisse no management de nossa companhia e portanto não nos sentimos no direito de ingerir no management deles. Cada um que faça o seu, o melhor possível.

Na área de automação, os senhores têm clientes entre as grandes montadoras e outros setores de produção em escala. Acreditam ser possível vislumbrar uma tendência de banalização do uso da automação? O pequeno empresário pode já pensar em aumentar sua produtividade com os recursos da automação?

Marques – A automação é um fato irreversível no mundo, tanto quanto a computação. E a pequena empresa é o cerne da produtividade de um país. Nesse sentido, vou chegar ao máximo da ousadia: em muito pouco tempo vamos ver a serralharia, por exemplo, que é o mais banal utilização da indústria metalúrgica, vamos ver serralharias automatizadas.

Lewis – Eles também vão precisar de qualidade e de competitividade. E hoje automação é igual a qualidade.

Marques – A empresa ideal é aquela que descobre a solução para o problema do cliente antes que ele descubra que tem o problema. É isso que nós queremos da ABB. Chegamos a criar uma instalação física chamada ABB Institute, um centro difusor de tecnologia de gestão. Por quê? Porque entendemos que isso é valor agregado para o cliente. E se temos alguma coisa a oferecer ao cliente como valor agregado, além de fabricar um produto que pelos menos 30 concorrentes no mundo também sabem fazer, uma dessas coisas é tecnologia de gestão. A parceria, embora uma palavra desgastada, agrega valor para os dois lados. Na área de automação, sabemos que em algum momento o dono do pequeno negócio deixará de ter funcionários soldando pedaços de ferro para ter funcionários projetando coisas mais interessantes.

O desemprego estrutural é uma realidade em muitos países desenvolvidos. Embora reconheçam sua importância para o aumento da produtividade, os críticos da automação a condenam por gerar uma espécie de evolução destrutiva, isto é, por concorrer para diminuir empregos e o poder de compra dos trabalhadores.

Lewis –Quando começou o negócio de automação e robótica eu vim emprestado para a empresa brasileira. Trabalhei com isso na Suécia, com tecnologia da Asea sueca. Naquela época houve muitas questões sobre a criação de desemprego, o que é completamente fora de propósito.

Marques – Os dois países mais robotizados do mundo são Estados Unidos e Japão, onde o nível de desemprego é o menor do mundo.

Lewis – A automação enobrece a mão-de-obra e retira o trabalhador do trabalho repetitivo e insalubre.

Marques – É uma conversa mole a história de que a automação diminui a mão-de-obra. O que ocorre é a mudança da mão-de-obra para um outro tipo de trabalho menos burocratizado.

Falemos de energia, outra expertise dos senhores.

Marques – O Brasil precisa contratar, entre 1997 e 2000, cerca 20 mil megawatts de energia. Os números são do próprio ministério das Minas e Energia. Apenas esses 20 mil megawatts restituirão ao Brasil o nível de segurança do sistema com que trabalhou até dois anos atrás. O país trabalhava com um nível de segurança da ordem de 10%, um padrão mundial classe A. Hoje, trabalhamos com menos de 1%.

Estamos correndo atrás do prejuízo?

Marques – Temos um risco em setembro: o presidente da Eletrobrás mencionou isso em uma palestra em São Paulo. Setembro é um mês crítico porque provavelmente a demanda será exatamente igual ao consumo na região Sudeste e nós poderemos ter um risco real de falta de energia. Mas o Brasil já tem 9 mil megawatts contratados.

Três anos não é pouco tempo para instalar tanta capacidade?

Marques – Não é instalar, é comprar. A instalação se dará a partir de 2000. Nove mil megawatts deverão estar disponíveis até 2000, mas só tiram a diferença do passado e sequer conseguem atender a demanda de consumo. Os 20 mil megawatts adicionais que precisamos representam quase duas Itaipu. Sabíamos que esse desafio viria, era só uma questão de tempo. Por isso, no passado, durante a chamada década perdida, as nossas instalações de geração continuaram operando, à custa de sangue, suor e lágrimas. Mantivemos uma fábrica enorme, com um time de primeira ordem – e isso não é barato – durante dez anos de buraco. E apesar de tudo isso conseguimos sobreviver, produzindo. Mais oportunidades surgirão à frente e estamos preparados para atendê-las. Neste momento, só no mercado brasileiro há concorrências para o fornecimento de linhas de transmissão da ordem de 1 bilhão de dólares. E muito mais virá em seguida, porque será preciso levar essa energia toda aos centros de consumo. Com a privatização das grandes empresas de distribuição, que todos nós imaginamos começar ainda em 1997, pode ter certeza que, depois de um ano, os novos proprietários terão de investir pesadamente em automação de distribuição, automação de sub-estações, de sistemas de controle de distribuição e de despacho de carga.

Lewis – O negócio de distribuição é faturamento direto. Na área de privatização, o que está sendo demonstrado é que os investimentos em distribuição vão aumentar bastante.

 

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