Ano 7 Nº 24 3º Trimestre de 1997 |
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Campanha pela adoção do balanço social ganha espaço nas
empresas como importante instrumento de prestação de contas à sociedade. por Humberto Manera Filho A última grande causa abraçada pelo sociólogo Herbert de Souza (1936-1997), o Betinho, símbolo da luta pela cidadania no país, a divulgação de balanços sociais pelas empresas já começa a mobilizar as organizações e a aquecer o debate sobre sua importância e efeitos reais. Lançada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) organização não-governamental fundada por Betinho em 1981 e liderada pelo sociólogo até a sua morte , em encontro promovido em junho passado e que reuniu cerca de 80 empresários no Rio, a campanha de defesa do balanço social conta hoje com a adesão de entidades civis, parlamentares e empresas como Xerox, Glaxo Wellcome, Odebrecht, Usiminas e Banco Noroeste; Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e Comissão de Valores Mobiliários; além do jornal Gazeta Mercantil, que se prontificou a estimular a publicação dos demonstrativos em suas páginas. A idéia de divulgar balanços sociais não é nova. O procedimento é adotado na França há vinte anos e faz parte da legislação daquele país. O conceito de responsabilidade social das empresas vem se difundindo por todo o mundo, transformando-se, em alguns casos, até em critério para a escolha de determinado produto. Nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, é comum a organização de movimentos de cidadãos que boicotam artigos manufaturados que provocam danos ao ambiente durante o processo de industrialização, ou que utilizam mão-de-obra infantil em sua cadeia produtiva. No Brasil, a disseminação da tese do balanço social inaugura uma nova
era de transparência no relacionamento da empresa-cidadã com a comunidade. Divulgado de
forma sistemática pelas organizações, o demonstrativo de ações sociais (que
transcende a avaliação de natureza exclusivamente econômico-financeira) poderá se
constituir em um importante instrumento de comunicação da responsabilidade social,
funcional e ambiental da empresa, e dos critérios de distribuição do volume de riqueza
por ela gerada aos públicos com os quais se relaciona. Efeito demonstração Que princípios definem um balanço social? De acordo com João Sucupira, coordenador do Núcleo de Democratização do Estado, do Ibase, o demonstrativo consiste em um conjunto de indicadores precisos que permitem à empresa especificar o quanto está envolvida, como instituição, com as questões sociais. "Não é um balanço contábil, pois não discrimina nem ativos nem passivos", diz Sucupira. "O formulário que elaboramos especifica apenas dados como quantidade de admissões, gastos com saúde, educação e treinamento, investimentos na preservação do meio ambiente, número de empregados portadores de deficiências e porcentual de cargos de chefia ocupados, por exemplo, por mulheres." A adesão é muito simples, garante o Sucupira. "A empresa interessada solicita ao Ibase o formulário que, depois de preenchido, é encaminhando ao Instituto, que fará uma publicação reunindo todas as organizações participantes. Posteriormente, os dados podem ser divulgados pela empresa da forma que melhor lhe convier", afirma. "E tudo isso pode ser feito praticamente sem nenhum custo." Sucupira ressalta que as informações fornecidas não serão checadas pelo Ibase ou por qualquer outro órgão: "Ao publicar seus dados, a empresa está se expondo e será naturalmente fiscalizada pelos funcionários, pela comunidade e pela concorrência. Se divulgar uma inverdade, ficará desmoralizada." O coordenador do Ibase assegura que são inúmeros os benefícios da
adoção do balanço social como instrumento de prestação de contas da empresa-cidadã
à sociedade. "A instituição vai perceber que só tem a ganhar com isso, pois terá
oportunidade de mostrar uma imagem positiva de suas ações, agregando credibilidade e
notoriedade à sua imagem. Os concorrentes logo vão perceber que isso dá prestígio e
acabarão sendo induzidos pelo efeito demonstração", argumenta. Valores éticos A publicação do balanço social tem mobilizado também o Legislativo. Na Câmara Federal, as deputadas Marta Suplicy, Maria da Conceição Tavares e Sandra Starling apresentaram projeto de lei criando o mecanismo para empresas públicas e privadas com mais de cem empregados. Pelo projeto, a publicação do balanço social compreendido como um conjunto de informações a serem publicadas anualmente junto ao demonstrativo contábil torna-se obrigatória e deverá relacionar as despesas das empresas em itens considerados sociais, como o número de empregados existentes no início e no final do ano, tempo de empresa, escolaridade, sexo, cor, qualificação dos funcionários, número de profissionais por faixa etária, valor total da participação dos empregados nos lucros da empresa, entre outros. O projeto determina ainda que o demonstrativo social seja afixado na entrada principal da empresa durante um período de pelo menos seis meses após a sua publicação; além ficar disponível a funcionários, autoridades e órgãos públicos e de pesquisa. Na Câmara Municipal de São Paulo, a vereadora Aldaíza Sposati
apresentou projeto de lei que estabelece o Selo e o Dia da Empresa-Cidadã, a ser
comemorado em 25 de outubro, data em que também é celebrado o Dia da Democracia. Pela
proposta, apresentada para discussão em sindicatos patronais, de trabalhadores e
organizações civis, a Câmara paulistana atribuiria o Selo da Empresa-Cidadã às
companhias que apresentarem qualidade em seus balanços sociais. As instituições seriam
classificadas em diversas categorias, respeitando-se sempre o seu porte empresarial.
Segundo a vereadora, o projeto estimularia, sem tornar obrigatória, a prática da
publicação de balanços sociais. "É uma forma de saldar parte da grande dívida
social do país, incorporando, na virada do século 21, valores éticos alicerçados na
democracia, solidariedade e cidadania", diz Aldaíza. Exemplo antigo Apesar de despertar apenas recentemente maior atenção da sociedade, a divulgação de balanços sociais já é prática corrente em algumas empresas. Uma delas é a Organização Odebrecht, que desde 1994 publica um Balanço de Responsabilidade Social em seus relatórios anuais. Em vez de ater-se a ações específicas ou pontuais, em seus balanços a organização privilegia o cumprimento de sua atividade empresarial como um indicador de responsabilidade social. "Entendemos que uma instituição empresarial já é essencialmente uma organização social", afirma Márcio Polidoro, diretor de comunicação empresarial do conglomerado. Para o diretor da Odebrecht, "a empresa assume essa responsabilidade ao produzir riquezas, gerar empregos, remunerar acionistas, prestadores de serviço e fornecedores, além de pagar tributos ao governo". E acrescenta: "A responsabilidade social consiste no desempenho empresarial competente e responsável no tocante às questões ambientais e comunitárias." Polidoro deixa claro, no entanto, que a Organização Odebrecht também desenvolve uma série de ações sociais, educacionais e culturais, mas que isso "é adicional ao exercício da atividade empresarial responsável". Polidoro considera o balanço social um instrumento importante, mas sua
divulgação deve ser uma decisão de cada empresa. "Nós o publicamos há três
anos, o que não significa que antes disso não desempenhávamos nosso papel social.
Tomamos essa iniciativa porque entendemos que é uma forma de prestação de contas à
sociedade e parte de nossa responsabilidade pública. Penso que a sociedade precisa saber,
por exemplo, que no último ano a Odebrecht produziu uma receita consolidada de 4,5
bilhões de reais e conhecer de que forma esse valor foi distribuído." Opiniões heterogêneas De certa forma, a discussão sobre a validade do balanço social está apenas começando e ainda está longe de chegar à unanimidade. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo (29/03), o primeiro coordenador-geral do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), Ricardo Young, salienta que "compelir as empresas a publicar esse balanço é deixar de reconhecer que a iniciativa privada, obrigada pelo governo, já está contribuindo compulsoriamente com uma série de ações das quais, infelizmente, não vem recebendo a mínima satisfação". A partir desse raciocínio, o coordenador do PNBE sugere que "quem deve ser obrigado inicialmente a publicar alguma coisa é o governo, detalhando a destinação dos bilhões de reais que obriga as empresas a recolher diariamente em todo o país, para ações supostamente sociais." De outro lado, a publicação de balanços sociais também é avaliada como mais um mecanismo de análise do desempenho das empresas no mercado. A sua utilização com essa finalidade vem sendo debatida pela Associação Brasileira dos Analistas de Mercado (Abamec), que deverá se posicionar a esse respeito junto à Comissão de Valores Mobiliários. "Ainda estamos discutindo a questão, mas é certo o balanço social poderia trazer dados importantes ao investidor sobre as instituições", acredita Antônio Carlos Colangelo Luz, vice-presidente da Abamec. "Apesar disso, continuamos lutando principalmente para a melhoria das informações contábeis das empresas." Outra entidade que vem debatendo o tema é o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas do Brasil (Gife), que reúne 40 organizações-cidadãs, entre elas a Fundação Abrinq, Bradesco, Alcoa, Santista, O Boticário e Iochpe. Artigo publicado pela presidente da entidade, Evelyn Berg Iochpe, também na Folha de S.Paulo (01/04), expressa a opinião do Gife sobre o balanço social: "A importância da iniciativa está em reconhecer esse novo ordenamento do processo social, em que o Estado se encolhe e abre espaço para que os cidadãos tomem parte da construção social. Claro está que, se o Estado reconhecesse esse encolhimento e criasse necessárias facilidades para transferir o ônus à sociedade civil, estaríamos diante de uma forte decisão pelo desenvolvimento social sustentado." Principal defensor desse instrumento de cidadania, o próprio Betinho soube como ninguém sintetizar sua amplitude e importância: "O balanço social não pode ser uma peça de marketing, mas uma demonstração responsável de investimentos sociais realizados pelas empresas", escreveu o sociólogo. "A idéia precisa tornar-se realidade e espalhar-se por todo o país. Nesse sentido, não importa quem é o pai ou a mãe da idéia. Todos devem colaborar o mais amplamente possível e com a maior transparência junto ao público, que é, em última análise, o beneficiado final do balanço." |
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