Ano 7
Nº 22
1º Trimestre de 1997

 

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Os desafios da mídia institucional

 

Reconhecer a cidadania do leitor é a contribuição do jornalismo praticado nos veículos dirigidos para a construção de uma sociedade mais humana e menos tecnicista.

por Alberto Dines

Devido a circunstâncias próprias de minha biografia, há muitos anos escolhi a opção humanista em detrimento da tecnicista. Penso que o dilema e o confronto entre essas duas tendências – humanismo e tecnocracia – alimentam e justificam os empreendimentos em que hoje estou envolvido, particularmente o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (LabJor) da Universidade Estadual de Campinas e o media watcher Observatório da Imprensa, que pode ser acessado pelo site na Internet da Folha de S.Paulo (http://www2.uol.com.br).

Ter assumido essa opção não quer dizer que eu não dê valor à tecnologia. Ela é importantíssima, mas tão-somente uma ferramenta que facilita o trabalho do artesão. A tecnologia aumenta a qualidade do produto, melhora o acesso do consumidor a ele, mas não substitui o produto. É o artesão quem o concebe, quem lhe dá qualidade e padrões de excelência.
A propósito do conflito humanismo versus tecnocracia, cito resumidamente um texto do jornal alemão do Frankfurter Allgemeine Zeitung que ilustra bem esse dilema. O leitor certamente já ouviu falar da "Sinfonia Inacabada", de Franz Schubert (1797-1828), um compositor romântico de produção extraordinária. Entre as várias sinfonias que fez, uma – que não é a última – é a chamada "Inacabada". Por algum motivo, Schubert não compôs os dois movimentos que faltavam e a obra entrou para a história como a "Sinfonia Inacabada".
O texto a que me refiro conta a história do diretor de uma grande instituição que ganhou dois bilhetes para assistir a uma apresentação da "Sinfonia Inacabada". Por problemas de agenda, ele não poderia ir ao concerto e passou as entradas para um colega de trabalho, um especialista em sistemas e métodos e em organização de trabalho. No dia seguinte, o diretor recebeu um relatório do colega sobre a apresentação que havia assistido. "Eu não sabia que estava diante de um crítico musical", pensou o diretor. E começou a ler o que o colega escrevera:
"Os membros da orquestra repetiram várias vezes as mesmas notas, e essa é uma duplicação desnecessária de trabalho. O número de membros desse grupo deve ser reduzido drasticamente caso realmente seja necessário um volume forte de som, que poderia ter sido obtido através de amplificadores eletrônicos.
"Custou também considerável trabalho tocar as notas semifusas, um refinamento desnecessário. Portanto, é recomendável que todas as notas sejam arredondadas para cima ou para baixo, e se essa recomendação for seguida será possível admitir-se temporários e ajudantes sem qualificação.
"Também é inútil que os metais repitam as mesmas passagens que já foram tocadas pelos instrumentos de corda. Se todas as passagens fossem eliminadas, o concerto de 25 minutos de duração poderia ser reduzido a quatro minutos."
E o executivo de sistemas e métodos concluía seu relatório:
"Se Schubert tivesse utilizado esses dados, provavelmente teria tido condições de acabar a sua sinfonia."
Essa historieta exemplifica bem o conflito entre o humanismo e a tecnocracia. Não vamos crucificar esse executivo de sistemas que produziu o relatório, mas há situações na vida em que os técnicos levam demasiadamente à sério sua função técnica e sequer são capazes de considerar fatores humanos ao lidar com pessoas que fabricam um produto ou prestam um serviço – e com os clientes ou consumidores que os adquirem ou recebem. Os fatores humanos não podem ser jamais esquecidos, como aconteceu no caso da avaliação metodológica da "Sinfonia Inacabada".

Palavras mágicas

Vejamos o que ocorre no Brasil. Entre as tantas distorções que enfrentamos, e que muito têm a ver com a tecnocracia, está o uso de certas palavras mágicas. O Brasil descobriu o marketing, por exemplo. E como somos exagerados, subitamente o marketing virou uma espécie de deus, uma panacéia geral, um quebra-galho irrestrito. Temos o marketing de relacionamento, o marketing de produtos, o marketing de guerra, o marketing cultural, o endomarketing etc etc. Até o marketing político, para cúmulo das distorções a que me refiro, se substituiu ao próprio debate político. Causa surpresa, nesse aspecto, que depois das eleições os marqueteiros políticos pontifiquem com invejável desenvoltura sobre questões político-ideológicas. Eles evidentemente têm direito a isso, mas esquecem que apenas trabalham alguns artifícios e recursos da comunicação. Se é para discutir o teor ideológico-doutrinário de uma campanha eleitoral, vamos chamar os analistas políticos, os candidatos ou os presidentes dos partidos. O marqueteiro político não pode se substituir ao pensador político. Mas, no Brasil, essas coisas são atropeladas e de repente o marketing político se substitui ao debate e à ação política – o que é lamentável.
Sobretudo no caso brasileiro, o marketing está se substituindo ao próprio jornalismo, ou seja, o critério da decisão jornalística foi substituído pelo critério da decisão mercadológica. Isso acarreta grande prejuízo ao jornalismo porque este é um serviço público criado pela sociedade para ela se informar; um serviço, aliás, garantido pela Constituição. Ora, se o jornalismo é um serviço público com essas conotações políticas, então não deve ser regido pelas leis do marketing, mas pelas leis da prestação do serviço público. É importante, portanto, colocar esses conceitos no seu devido lugar sem menosprezar as atividades de marketing – que, em certa medida, é um recurso indispensável à operação jornalística.
O que significa a palavra marketing? É um ramo da sociologia aplicado às reações do mercado. Ocorre que a sociedade é maior do que o mercado. A sociedade se compõe de vários mercados e estes são muito dinâmicos. Os mercados mudam, mas a sociedade é permanente. Por conseguinte, é preciso não misturar os conceitos, especialmente quando se está numa instituição pública que também lida com o mercado mas, antes de tudo, opera e tem compromissos com a sociedade. Passo a três exemplos que podem ajudar na ilustração desse raciocínio.
Em meados de 1996, o Banco Central organizou em Brasília um seminário para discutir suas relações com a imprensa, a comunicação e imagem da instituição. Convidaram-me a falar, o que muito me honrou. Ao tomar conhecimento da agenda do seminário, reparei que um dos temas era a questão do marketing. Pensei: "O Banco Central é um órgão político, é o defensor da moeda, é um dos poderes do Estado moderno. Por que o Banco Central tem que tratar de marketing?" Na verdade, o BC estava com problemas de imagem em função do Proer e os organizadores acharam que essa era uma discussão de marketing. Ao me ser dada a palavra, comecei pedindo desculpas aos meus anfitriões. "Vocês vão me perdoar, mas considero isso um non sense. Uma instituição política, um dos poderes do Estado, não precisa tratar de marketing e sim de comunicação. Deve tratar da ação política porque é um órgão político. Então, por que marketing? O Banco Central não está vendendo nada, posto que seu vínculo maior é com a sociedade e não com o mercado." Em suma, eles não haviam feito algumas perguntas básicas que todo devemos fazer com razoável freqüência: "quem somos?", "a que viemos?", "qual é a nossa função?" e "o que a sociedade espera de nós?".
Passemos ao exemplo da TAM, uma conhecida empresa de aviação regional. Em 31 de outubro de 1996, uma de suas aeronaves, que fazia o vôo 402 da Ponte Aérea Rio-São Paulo, sofreu uma pane e caiu logo depois de decolar do aeroporto de Congonhas. No rescaldo do acidente em que morreram 98 pessoas, a companhia deu a cara para bater e assumiu a responsabilidade de fazer todo o possível para minorar o sofrimento das famílias atingidas pelo desastre. Mesmo depois da tragédia, o comandante Rolim Amaro, presidente da TAM, continuou a receber seus passageiros à escada dos aviões, às 7 da manhã, em Congonhas, repetindo um procedimento que já adotara muito antes do acidente. Toda as manhãs, lá está ele recepcionando seus passageiros, oferecendo-lhes aquelas balinhas, dizendo uma palavra amena, fazendo uma piada. Em geral a piada é a mesma, mas isso não tem a menor importância. "Estou recebendo vocês à bala", é o que ele costuma dizer. O importante nesse caso é que Rolim se mantém disponível, inclusive para eventualmente ouvir alguém falar: "Você é um criminoso, a sua companhia matou 98 pessoas". Ninguém diz isso porque ali está o exemplo vivo da humanização de uma empresa. A TAM sempre foi a cara do comandante Rolim.
Há um outro caso que também tem a ver com essa confusão de marketing, ação política e comunicação. No início de novembro de 1996, nosso parco elenco de heróis foi enriquecido por um tal doutor Palhares – uma sombra telefônica que desemperrou, em 30 dias, um processo há anos atolado na burocracia do INSS. Palhares, nome emprestado da galeria de personagens de Nelson Rodrigues, foi uma invenção do publicitário aposentado Hélio Kaltman, um bem-humorado carioca que soube converter sua indignação numa memorável lição no serviço público.
Por telefone, Kaltman – que pleiteava a devolução integral de descontos previdenciários indevidos – fez o acompanhamento diário do seu caso falando com os burocratas da Previdência em nome de um tal "doutor Palhares, do Gabinete", até que sua reivindicação fosse atendida. A repórter Sandra Passarinho soube do episódio, levou-o ao Bom Dia, Brasil, daí a matéria foi para o Hoje e, à noite, para o Jornal Nacional, todos da TV Globo. O jornal O Globo foi atrás da história, publicou reportagem em 7 de novembro e, dois dias depois, realizou façanha à altura da imaginação palharesca: levou Kaltman a Brasília e colocou-o diante do ministro da Previdência, Reinhold Stephanes. O ministro, por sua vez, teve de se retratar do pito que tentou passar no inventor do originalíssimo processo de desburocratização.
O doutor Palhares não é apenas um publicitário, é um jornalista. Por acaso eu o conheço há mais de trinta anos. Kaltman trabalhou comigo na Última Hora e depois no Jornal do Brasil, onde chegou a ser o editor de Cidades. Para fazer o que fez, utilizou-se de um recurso jornalístico semelhante aos que se usavam antigamente, quando se fazia bom jornalismo no Brasil. Kaltman não cometeu nenhuma infração, nenhum crime, mesmo porque o doutor Palhares não existe. Antes de dar vida ao personagem, ele conversou com advogados para saber se estaria cometendo alguma infração. Kaltman inventou uma entidade e nenhum burocrata teve o cuidado de verificar se ela existia ou não. O processo correu e o aposentado recebeu o que lhe era devido.

Definições claras

Esses três exemplos ajudam a marcar alguns conceitos. O atual processo de globalização e de competição intensa exige definições extremamente claras. Ou sabemos identificar uma opção para nós mesmos, para em seguida oferecê-la com a mesma clareza aos mercados e à sociedade, ou ficaremos para sempre envoltos em sombras e ambigüidades, portanto vulneráveis. Isso vale para grandes grupos empresariais, para instituições públicas, para profissionais, para produtos, para serviços e veículos jornalísticos, e vale também para as pessoas. As pessoas têm que se definir e também perguntar "a que vim?", "o que eu sou?", "que contribuição tenho a dar à sociedade?", "papel devo desempenhar dentro de uma organização?".
São conceitos, afinal, aplicáveis ao jornalismo em veículos institucionais. É preciso atentar, contudo, que não estamos criando uma definição fechada ou nomeando autarquicamente o jornalismo institucional. Estamos falando de jornalismo, ponto. Fazemos jornalismo nas páginas de esportes, nas páginas de política, de cultura e fazemos jornalismo nos veículos empresariais. Não existe um jornalismo empresarial tout court. Existe o jornalismo, com as suas regras fixas e definidas, que se pratica em vários ambientes, em vários tipos de veículos. E o que é o jornalismo? Naturalmente isso exigiria um ensaio à parte, mas há uma definição rápida e simples de que gosto muito: o jornalista é o mediador entre uma realidade velozmente mutante e a sociedade que é bombardeada por uma massa cada vez maior de informações fragmentadas.
O que significa mediar? Significa intermediar, fazer a interlocução, situar e contextualizar. Em termos práticos, o jornalista traduz as informações que apura de uma forma tal que o leitor – ou o telespectador ou o ouvinte – as receba e possa se situar no contexto em que elas se deram.
Seria uma experiência extraordinária para o leitor não jornalista conhecer a dimensão da massa de informações que diariamente chegam à redação de um jornal, revista ou emissora de rádio e TV. São, literalmente, milhares de informações vindas de toda a parte do país e do mundo. Qual é a função do jornalista, então? É pegar essa massa de informações e contextualizá-las, colocá-las em sintonia com a vida do leitor, mostrar a ele porque determinada informação é importante e como ela vai afetar a sua vida. O jornalista é o que, em inglês, é chamado de gatekeeper: é o porteiro, o guardião, o gestor das relevâncias. O jornalista é um gerente do conhecimento que decide o que é importante e o que não é, o que vai afetar mais ou menos a vida do leitor, ouvinte ou telespectador.
Não é meu objetivo tratar da grande imprensa, mas da imprensa institucional praticada nas empresas privadas e organizações públicas, e avaliar em que medida ela está contextualizando as informações de que dispõe. Da mesma forma como a grande imprensa, os veículos institucionais também não sabem contextualizar a informação. Essas publicações são muito segmentadas, muito dirigidas, e acham que a cabeça do ser humano funciona apenas numa direção. Por isso, cometem o erro da desumanização. E aqui chegamos a um ponto fulcral. A segmentação é um método de trabalho que nos ajuda a lidar mais diretamente com os mercados que compõem a sociedade. Mas a segmentação não ocorre na cabeça da pessoas. O ser humano não é segmentado: ele é cósmico, é universal. Somos, na verdade, um conjunto de segmentos. Se tratarmos o ser humano como um ser segmentado, estaremos sendo desumanos e confinando-o a um limite e a uma minimização da sua capacidade de SER – em maiúsculas – que é terrível e totalitária. Não podemos tratar o leitor de uma publicação institucional apenas como um segmento: temos que vê-lo num conjunto de interesses maiores.
A publicação empresarial que trata de relações do capital e do trabalho tem de compreender a relação de motivação que mantém com seus leitores, que por sua vez têm outros interesses e estão integrados em um mundo maior. Esse leitor está vivendo um mundo em transformação. Ele não é apenas uma pessoa que recebe os inputs formulados na direção da instituição ou da empresa, mas também tem outras e maiores pretensões. Será preciso situá-lo no mundo para que ele possa entender o que está se passando na organização a que pertence, e para que não seja apenas um autômato obedecendo motivações e doutrinações de um robô.

Compromissos diretos

O jornalismo institucional no Brasil hoje está vivendo transformações importantes, que têm a ver com o processo por que passa o país no que diz respeito à competição, qualidade, diminuição de custos, reengenharia e enxugamento. Grande parte das publicações empresariais são terceirizadas, o que é inevitável: grandes empresas não podem mais se dar ao luxo de ter um departamento com uma redação própria para fazer apenas um veículo, ou talvez dois, quando poderiam fazer o mesmo produto, a um custo bem menor, contratando serviços externos. Esse é um dado inexorável que teremos de enfrentar daqui para frente. Significa, então, que as pessoas que encomendam o produto institucional têm de insistir nas perguntas a que já me referi: "a que viemos?", "qual é o nosso negócio?", "o que pretendemos?", "o que queremos do mercado?", "o que queremos do leitor dessa publicação?". Com essas questões devidamente respondidas, o contratante poderá ser melhor atendido pelo grupo terceirizado. É preciso saber claramente o que se quer de uma publicação institucional – condição básica para que as guide lines de sua concepção e alcance sejam passadas para aqueles que executarão o produto. O problema é ainda mais grave em uma instituição pública, porque esta opera com recursos públicos, tem compromissos sociais e precisa zelar para que o dinheiro que está sendo repassado a um grupo privado para executar o trabalho seja gasto com propriedade e eficiência.
Há um outro aspecto que, embora novo na conjuntura brasileira, é capaz de gerar oportunidades extraordinárias para a prática do jornalismo institucional. Trata-se do processo de privatização, especificamente na área dos serviços públicos. Tome-se o exemplo de uma ferrovia no Estado de Santa Catarina recentemente privatizada, e de cuja existência de repente tomamos conhecimento. Essa ferrovia provavelmente se comunicava com seu público de uma forma totalmente clandestina. Ela fazia parte de um sistema ferroviário vinculado ao ministério dos Transportes, por sua vez gestor de uma comunicação muito genérica, que não privilegiava a prestação de serviços nem as informações consistentes sobre a ferrovia em questão. Mas a partir do momento em que essa estrada de ferro foi privatizada, ela ganhou relevância. Agora existe como uma instituição, como uma prestadora de serviços públicos, e não mais perdida no bolo da malha ferroviária nacional. Transformou-se em uma entidade com compromissos diretos e dirigidos a uma comunidade determinada. Isso significa que a empresa tem de individualizar sua comunicação, isto é, comunicar-se de uma forma muito específica com seus públicos – prestando contas, motivando, explicando o que está acontecendo, mostrando quais são os projetos que pretende fazer e o porquê de fazê-los.
Outro problema a considerar no quadro geral do jornalismo institucional é que ele vende não apenas motivações dirigidas, mas também conceitos maiores de relações entre as pessoas; ou seja, ele tem uma função importante dentro do processo mediático maior. A mídia, aqui tomada como o conjunto dos grandes veículos de massa, hoje anda meio perdida, sem saber exatamente qual é o seu papel. Não é à toa que os jornalistas e as grandes corporações, sejam patronais ou profissionais, estejam discutindo tanto o papel do jornal. Ocorre que, se eles estão perdidos, o jornalismo institucional está perdido também. Reforcei essa percepção ao analisar quase uma centena de títulos de publicações institucionais que me foram enviadas pela Aberje. Não havia ali nenhuma compensação às falhas da mídia. Ainda assim selecionei três publicações, estas sim extraordinárias porque preenchem e complementam certas falhas da grande imprensa – vale dizer da comunicação de massa genérica e generalista, que hoje vive uma crise.

Informação de qualidade

Uma dessas publicações é a Revista Kalunga. Kalunga é uma empresa paulista dona de uma rede de lojas que atua em vendas por atacado no segmento de papelaria. Lápis, papéis, suprimentos de computação e tudo o mais relacionado com papel e escritório podem ser encontrados na Kalunga. A companhia têm uma publicação mensal que circula há 24 anos. É uma revista em policromia, impressa em bom papel e com mais de cem páginas. Em uma parte do miolo, eles publicam um catálogo de preços. Está tudo ali: canetas esferográficas, o tipo, as quantidades para entrega imediata, os preços, os papéis, as tintas, os pincéis, tudo... Mas antes de o leitor chegar ao catálogo detalhado, encontra várias matérias muito bem produzidas do ponto de vista jornalístico. E eu me perguntei por que eles estão apostando em um conteúdo suplementar, digamos assim, mais culto. A resposta é evidente: é porque eles lidam também com escolas privadas e públicas, e indiretamente também estão vendendo educação. O negócio da Kalunga é vender cadernos, lápis, quadros-negros; mas, ao bancar uma publicação empresarial, eles não descuidaram do aspecto institucional. Por isso sua revista oferece um suplemento informativo e não mostra apenas que a empresa é muito boa, que tem preços competitivos e uma grande rede de filiais no Estado São Paulo. Ao contrário: eles estão dando um material institucional que coloca o cliente no contexto maior da informação, da educação e da cultura. O leitor da revista não tratado utilitariamente como cliente, mas como partícipe de um processo de desenvolvimento.
Outra revista muito inteligente, num pólo totalmente oposto, é a Rumos do Desenvolvimento, publicação mensal da Associação Brasileira de Instituições Financeiras de Desenvolvimento (ABDE). A revista insere-se no mesmo escopo de tratar o leitor no contexto maior da cidadania, considerando-o agente de um processo de mudança e uma pessoa que precisa ser motivada e informada para se situar no processo que nós estamos vivendo hoje no Brasil. Fazem, em suma, fazem uma revista excepcional. Publicam entrevistas maravilhosas, como a que deram com Celso Furtado – pauta que nenhum grande jornal se lembrou de fazer. Mais do que economista, o mestre Celso Furtado é um pensador do Brasil. A revista é modelar no sentido de oferecer uma visão institucional ao seu mercado. Contextualiza todo o processo que está ocorrendo no Brasil e oferece elementos de relações de operações financeiras e desenvolvimento econômico. Dá uma visão de cidadã do processo brasileiro.
Uma terceira publicação é a da Brasmotor, denominada Brasmotor – revista da visão de futuro. Trata-se de uma empresa brasileira e hoje transnacional, que tem uma proposta não apenas de vender mais, de crescer, mas também uma proposta conceitual que eles chamam de "visão do futuro". A revista faz o trabalho normal do jornalismo empresarial, de motivar os seus clientes internos e externos, mas igualmente vende um conceito. Assume-se como uma instituição que quer oferecer uma coisa a mais do que a simples motivação específica para determinados objetivos. Dessa forma, a Brasmotor coloca seu público no contexto maior das transformações mundiais, coisa que tem faltado à mídia brasileira.
O processo que hoje estamos vivendo no mundo pode ser visto como a era da fragmentação. A globalização é uma das manifestações dessa fragmentação, mas é importante identificar as oportunidades desse processo. É importante verificar que estamos fragmentando também segmentos definidos, tão frios, tão tecnicistas. E nessa fragmentação dos segmentos temos de enxergar um dado vital: não estamos lidando apenas com clientes internos ou externos, nós estamos lidando com cidadãos. Estamos lidando com homens. E aqui volto ao raciocínio inicial, à minha opção pessoal, sem que por isso seja preciso sair por aí quebrando computadores. Estamos lidando com um Estado feito de pessoas, de gente que tem aspirações, que tem que ter esperanças para o dia de amanhã. Por mais críticos que sejamos, temos de injetar esperanças em nosso público, caso contrário as pessoas voltarão deprimidas para suas casas e, no dia seguinte, não serão peças produtivas de um processo de crescimento e de expansão. Se conseguirmos fazer isso, estaremos fazendo do jornalismo empresarial também um jornalismo institucional. E um jornalismo mais humanizado.

 

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