Ano 6
Nº 20
3º Trimestre de 1996

 

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Portas abertas à mídia

 

Carlos Salles, presidente da Xerox do Brasil, atribui o sucesso de sua companhia no país a uma acertada (e ousada) estratégia de comunicação.

Na primeira vez que ouviu falar em Xerox, Carlos Augusto Salles tinha pouco menos de 30 anos e era diretor industrial da Casa da Moeda do Brasil. Era 1969 e pela primeira vez o Brasil imprimia seu próprio dinheiro. A fábrica de papel-moeda ganhou tal notoriedade que se tornou uma espécie de Disneylândia: eram muitas visitas importantes, muitas pessoas querendo conhecer como se fazia o dinheiro. Natural que assim fosse. Um dia, disseram viria o presidente da Xerox. "O que é Xerox??", espantou-se Salles, na primeira vez em que ouviu o nome Xerox. Ah, são máquinas de copiar...

Vieram Henrique Gregori, presidente, e Caio Aragão, diretor superintendente da empresa americana que recém-chegara ao Brasil. Conversaram muito, fizeram muitas perguntas. Na saída, o convite para um almoço, daqueles que o diretor industrial recebia aos montes de praticamente todos os que visitavam a Casa da Moeda. Ele nunca ia, mas quem convidou, insistiu. Finalmente o fazedor de dinheiro foi almoçar nos escritórios da Xerox do Brasil, que então ocupavam uma sobreloja da Sete de Setembro, no centro do Rio. Depois do almoço, outro convite: "Queremos que você venha trabalhar conosco". Foi tomar conta da Copycentro, uma rede de lojas de cópias rápidas.

Antes daquele posto e até chegar à presidência da Xerox do Brasil, Carlos Salles, hoje com 57 anos embicou por várias trilhas – "todas elas erradas", segundo o próprio. De família de longa ligação com a terra, na adolescência quis ser fazendeiro. Não deu. Depois, fez opção forçada pelo vestibular de medicina e sobreveio o desastre. No dia da última prova eliminatória, restavam 103 candidatos para as 100 vagas em disputa. A antiga Escola Nacional de Medicina resolveu, então, aceitar os 103 e aplicar uma prova pro forma, resumida a problemas banais de física. "Era uma prova de ficção", lembra Salles. Podia ser, mas o ex-futuro esculápio conseguiu ser o único reprovado. Um vexame, embora sua leitura seja a de que providência divina evitou um crime. "Como médico, eu seria a salvação dos advogados: iria enriquecê-los." Numa encruzilhada, acabou se tornando advogado pela antiga Universidade do Estado da Guanabara. "Jamais advoguei, jamais me registrei na OAB e sou absolutamente incapaz de defender um anjo."

Hoje Carlos Salles comanda uma companhia que, em 1995, faturou US$ 1,4 bilhão e lucrou US$ 92 milhões. Em 1996, quer crescer 10%. A Xerox do Brasil tem 53 filiais no país, quatro fábricas e emprega 5.300 funcionários. É a terceira maior operação Xerox no mundo, perdendo apenas para a matriz americana (US$ 7,5 bilhões de faturamento) e para o Japão (US$ 5,2 bilhões). Numa tarde de agosto, nos escritórios da Xerox localizados na zona do cais do porto do Rio, Carlos Salles conversou com o editor Luiz Egypto. Sua entrevista.

Foto Carlos Salles

Nos últimos seis anos, o faturamento da Xerox do Brasil aumenta a cada balanço e a companhia tem mantido praticamente o mesmo número de funcionários. A onda de downsizing não passou por aqui?

Carlos Salles – O segredo é saber entender o mercado brasileiro. Dias atrás eu conversava com um vice-presidente da Xerox Corporation que estava no Brasil. Eu defendia que a matriz mudasse sua estratégia de produtos. Em vez de ter produtos desenhados para o mercado norte-americano, que depois são levados ao resto do mundo, minha tese é de que temos um conjunto de países que justifica uma linha própria de produtos. São eles China, Índia, Rússia e Brasil. A China tem um bilhão de habitantes, a Índia outro bilhão, a Rússia 300 milhões e o Brasil 150 milhões. Qual a porcentagem da população desses países que pode ser considerada como participante da sociedade de consumo, como tal entendido o poder de compra da Europa Ocidental? Eu conheço um estudo que diz que a China tem 5% de sua população nesse estágio, a Índia 5%, a Rússia 7% e o Brasil 20%.
Vamos traduzir isso em números: 5% dos chineses são 50 milhões, mesma coisa na Índia, 21 milhões na Rússia e 30 milhões no Brasil, que somados chegam a 150 milhões. Ou seja, esses quatro países, se olhados no conjunto, representam duas Franças e meia, ou 35 Dinamarcas, ou 40 Bélgicas. É dessa maneira que devemos olhar o mercado. Vamos imaginar, porém, que nos próximos 10 anos o Brasil continue estagnado – o que não vai acontecer. E que ao mesmo tempo a China, a Índia e a Rússia alcancem o Brasil e passem a ter 20% de sua população também inseridos na sociedade de consumo. Nós vamos ter 200 milhões de chineses, outros 200 milhões de indianos, 60 milhões de russos e 30 milhões de brasileiros. Somados, são 490 milhões de consumidores, isto é, dois Estados Unidos!

 
Qual a reação de seu interlocutor?

Salles – Ele tomou notas o tempo todo. E eu lhe disse: "Isso justifica ter linha de produtos só para esses quatro países, desenhada só para eles". Falta tudo nesses países, que têm necessidades idênticas em matéria de produtos. Isto justifica que a companhia olhe para eles em conjunto, já que serão maiores do que dois Estados Unidos daqui a 15 anos. E mais: conquistar 1% de participação de mercado nesse grupo custa um centésimo do que custa ganhar 1% do mercado norte-americano.

 
O que importa é sair na frente para ter mais chances de ganhar esses mercados emergentes.

Salles – Nós sempre olhamos o Brasil dessa forma. Dizem que o Brasil é um país de terceiro mundo, mas isso é conversa fiada. O Brasil tem primeiro, terceiro e quarto mundos. Mas o primeiro mundo no Brasil é suficientemente grande para justificar um grande esforço. Veja um raciocínio simples: se a economia brasileira crescer 3% – que é um crescimento modesto –, cresce um Chile a cada 14 meses, ou uma Noruega a cada 19 meses. Quem diz que o Brasil é um país miserável é porque trabalha com estatística média, e nada mais enganoso do médias. Primeiro, porque metade da economia brasileira está underground; segundo, porque um camarada como o bicheiro Castor de Andrade seguramente aparece nas estatísticas do IBGE como desempregado e sem salário. Então, este país é muito mais rico do que se imagina. E é assim que nós, na Xerox, avaliamos o país. Enquanto nossos concorrentes perderam tempo discutindo as estatísticas médias, nós fomos buscar os números absolutos e sempre saímos à cata do que estava prosperando no Brasil.

 
Mesmo nos períodos mais recessivos?

Salles – Nós não acreditamos em recessão. Nas piores circunstâncias, sempre tem algum negócio que prospera. Disseram, por exemplo, que a construção civil no Brasil entrou em recessão. Sim, mas qual delas? A de governo. Eu olhava a estatística de consumo de cimento e ele crescia 9% ao ano. Descobriu-se o quê? O brasileiro está construindo sem licença e comprando cimento sem nota fiscal. Enquanto a estatística mostra a estagnação, o negócio cresce.


É por isso que o sr. tem horror a médias?

Salles – As médias não valem nada. As estatísticas brasileiras não valem absolutamente nada.

 
Seus parceiros imediatos, os funcionários da Xerox, pensam da mesma forma?

Salles – Esta é uma companhia que tem um clima vencedor. Se eu começar a falar na crise, a companhia morre. Não há nada que me irrite mais do que discurso de empresário falando em crise, em recessão e pedindo ajuda do governo. Isso para mim é picaretagem com "p" maiúsculo. Toda vez que começa essa choradeira é porque alguém está querendo alguma vantagem, algum cartório, alguma reserva de mercado, algum subsídio ou algo que o valha. Nós não acreditamos nisso. Resolvemos olhar para o mercado e identificar onde estão os bolsões de crescimento. Vamos aproveitá-los e vamos crescer junto.

 
A Xerox fez um grande esforço para reposicionar sua marca, que deixa de ser identificada apenas como uma locadora de máquinas copiadoras para sustentar o conceito "the document company". Como foi esse processo?

Salles – Eu não posso dizer que a Xerox inteira virou "the document company". Este conceito foi apenas agregado ao que a companhia já tinha e fazia. Xerox continua sendo uma máquina de botar pinta no papel para 80% do mercado, e assim vai continuar. O que é "the document company"? É alguma coisa que nós não sabíamos fazer e passamos a fazer.

 
A companhia não mudou em nada?

Salles – Todos os seus valores tradicionais continuam em vigor e 80% da nossa receita ainda vêm da copiadora isolada, no Brasil e no resto do mundo. O negócio tradicional de copiadora teve a sua morte decretada várias vezes. Balela: a Xerox Corporation continua sustentada pelo negócio tradicional de copiadoras. O que fizemos foi criar condições para, no momento devido, aproveitarmos as oportunidades que vão aparecer. Estamos pensando nos próximos quatro, cinco ou oito anos, na medida que o mercado vá se sofisticando e a soluções integradas sejam de uso mais corrente.

 
O sr. se refere a um horizonte em que os sistemas de gestão e de processamento de documentos entrarão definitivamente na era digital?

Salles – Exatamente. Mas, agora, sabemos que é uma transição lenta. Esta, aliás, é uma lição que a Xerox aprendeu no mundo inteiro: a companhia pensava que essa transição ia durar dois anos. Pois ela já dura dez e deve durar outros dez anos. Por quê? Imaginemos que apenas 20% dos brasileiros tenham acesso aos nossos produtos e serviços. A transição, no caso, ocorre nesse universo de 20%. Para os outros 80%, uma copiadora que só faz copiar o que está impresso numa folhinha de papel é tecnologia de ponta.

 
Gostaria que o sr. falasse sobre as estratégias de comunicação adotadas pela Xerox no Brasil. De que premissa o sr. partiu para considerar a comunicação como área de resultado da companhia?

Salles – A partir dos anos 80, a Xerox foi uma companhia que começou a se comunicar muito bem internamente.

 
Houve um motivo especial para isso?

Salles – Sim, foi o momento em que o sucesso começou e as pessoas queriam contar, falar sobre isso. A nossa organização é bastante horizontalizada, o que permite o trânsito da informação de uma forma mais fácil. Tínhamos, porém, um pouco de medo de falar para fora da Xerox. Quem sabe até em função das circunstâncias de momento no Brasil, ainda no final do regime ditatorial, onde prevalecia a regra de que em boca fechada não entra mosquito. O fato é que a Xerox não se comunicava externamente. Até que Gunnar Vikberg, meu antecessor neste cargo, começou a raciocinar que nós tínhamos um fronte interessante fora da empresa, o fronte de formação de opinião – até porque o Brasil se democratizava e a opinião pública voltava a ser algo importante. Gunnar, então, estimulou a abertura. Ele próprio começou a fazer palestras fora da Xerox, a levar a empresa a participar de organizações setoriais e de uma série de eventos externos, coisa que não fazíamos antes. O contato com a imprensa acabou sendo inevitável. Foi nesse momento que tomamos a decisão de que deveríamos alavancar o sucesso da empresa também em cima da comunicação. Melhoramos nossa comunicação interna e partimos para uma fase de grande abertura em comunicação externa.

 
O que a Xerox pretendia com essa abertura?

Salles – Primeiro, comunicar toda a mudança que estava se dando no nosso negócio, até para ajudar nossa tarefa de marketing. Segundo, capitalizar em cima de uma coisa muito importante e da qual ainda não havíamos nos dado conta. Explico: por inspiração do nosso fundador, Henrique Gregori, nós não somos a Xerox no Brasil, nós somos o Brasil na Xerox. E isto não é um jogo de palavras. Ocorre que a cultura brasileira impôs-se à cultura corporativa a tal ponto que nós fazemos coisas diametralmente opostas daquilo que é o normal e usual na corporação. Neste ponto, a comunicação entrou com um papel muito importante porque difundimos, dentro da empresa e fora dela, a noção de identidade própria, a noção de que esta empresa tem uma cultura própria e de que ela é uma empresa brasileira. É até curioso: quando visito uma outra operação Xerox no mundo, noto que quando eles se comunicam com a imprensa local sempre fazem referência à disputa entre a Xerox e os seus concorrentes. Aqui no Brasil, nós sempre nos referimos à disputa entre a Xerox do Brasil e demais Xerox do mundo. É um campo totalmente diferente. Nós não estamos lutando contra a empresa tal ou qual, nós estamos lutando contra as outras empresas Xerox, a ponto de hoje sermos a terceira maior do mundo.

 
Muita gente se assustou com o verdadeiro escancaramento à mídia promovido pela Xerox do Brasil.

Salles – Nós tivemos surpresas muito agradáveis. Aprendemos, por exemplo, que existe uma relação cliente-fornecedor entre nossa empresa e a imprensa, da mesma forma como existe uma relação cliente-fornecedor entre a imprensa e o leitor. Nós temos que tratar a imprensa como um cliente. Qual o nosso produto? É a notícia, a informação. Como a imprensa é um cliente nosso, temos de fornecer a ela uma notícia confiável, na hora certa, dentro de certos padrões. Acho que isso profissionalizou muito a relação com a mídia e não temos do que nos queixar. Consideramos que a imprensa nos dá um tratamento absolutamente justo.

 
E com relação aos outros públicos de interesse, como funcionários, governo, instituições e comunidade?

Salles – A imprensa acaba sendo a grande estrada em direção a eles. Os nossos empregados, por exemplo, se habituaram a ler na imprensa informações sobre a empresa. Eles não ficam esperando a empresa comunicar porque sabem que os jornais e os outros meios também são fontes de informação sobre o que se passa aqui dentro. Eles recebem informação de todos os lados, inclusive internamente, por meio de jornais murais atualizados diariamente. Nossa comunicação é ampla e nós a deixamos correr muito solta.

 
Como assim? Sem planejamento?

Salles – Não. Em primeiro lugar, nós não temos porta-voz. Qualquer gerente está treinado e qualificado para falar em nome da empresa, e ponto final. No Brasil, são mais de cem pessoas aptas a isso. Pode falar, está livre para opinar e não há censura prévia. Esse funcionário sabe o que vai dizer porque foi treinado. Ele expressa sua opinião e fala em nome da Xerox.

 
O sr. aconselharia a seus pares a assumir o mesmo tipo de atitude?

Salles – É evidente que tudo vai depender da cultura da empresa. A Xerox é uma empresa muito aberta, enquanto existem empresas que são muito fechadas. Aqui, a comunicação é informal, nós deixamos as coisas acontecerem. Sentimos que o gerente que se comunica, que dá entrevistas e que fala em nome da empresa, valoriza-se perante seus subordinados, seus companheiros, perante ele próprio e a empresa.

 
Os veículos têm sido fidedignos em relação às informações que apuram junto à Xerox?

Salles – Se a informação sai truncada o erro é nosso, nós comunicamos mal. O jornalista não tem a obrigação de entender de todos os assuntos e ele não pode ser um especialista em Xerox. Então, se a informação sai truncada, a culpa é nossa, isto é, nós fomos maus fornecedores.

 
Como a corporação encara um comportamento como esse, tão aberto e tão informal?

Salles – A corporação tem tido uma atitude curiosa em relação à Xerox do Brasil. Em primeiro lugar vem a estupefação pelo que estamos fazendo, o medo. Depois, a tolerância de esperar para ver o bicho vai dar. E, finalmente, o aplauso. Em 1992, quando começamos esse nosso programa de abertura para a comunicação, o que houve foi pânico na corporação. Entretanto, no ano passado, nossa gerente de comunicação Marilene Lopes foi aos Estados Unidos levar o programa de comunicação da Xerox do Brasil porque ele havia sido considerado um programa padrão no mundo Xerox.

 
A que o sr. atribui esse reconhecimento? Somente à ousadia?

Salles – Atribuo a um orgulho incontido sobre o que estávamos fazendo. Nós não conseguíamos ficar calados, era preciso botar para fora. Estávamos tendo tanto sucesso, e continuamos a ter até agora, que era impossível ficar calados.

 
Outro assunto: qual a importância das ações comunitárias bancadas por uma empresa privada?

Salles – É uma questão de sobrevivência. Uma empresa que se isola do ambiente onde opera está fadada a morrer. A história está cheia de exemplos de organizações que pensavam poder viver isoladas da comunidade onde trabalham. E não podem. A empresa é um corpo vivo, um organismo, e é feita de pessoas. A empresa não pode deixar de pulsar no mesmo ritmo da sociedade onde ela está. O empregado quer ser socialmente responsável. Ele não quer estar associado a uma empresa fria, desconectada do mundo onde vive. A primeira coisa que fazemos aqui é conectar a empresa com a família do empregado. A Xerox do Brasil não tem eventos apenas para o funcionário: os eventos são para a família também. Outro ponto: se hoje temos 20% dos brasileiros na sociedade de consumo, qual é o nosso sonho? É que aqueles 20% virem 40% ou 80%. Portanto, se pudermos contribuir para que aqueles 20% virem 40%, estamos trabalhando para o benefício da empresa. Quanto mais rica for a sociedade brasileira, melhor para a Xerox do Brasil.

 
No caso de sua companhia, o foco preferencial das ações comunitárias se concentra na promoção de menores carentes. O que levou a esse caminho?

Salles – Dois ou três anos antes de morrer, o dr. Henrique Gregori sugeriu que precisávamos repensar a forma como exercíamos nossa função de empresa-cidadã. O sentimento dele era de que estávamos dispersando recursos com um grande número de iniciativas e não fazendo nada. Eram patrocínios de atletas, de galerias de arte, de orquestras... Um dia, o dr. Gregori perguntou: "Qual é o problema mais grave que enfrenta a sociedade brasileira?" Ele mesmo respondeu: "É a juventude. Se não cuidarmos da juventude esse país não tem futuro". E acrescentou que havia feito uma avaliação das iniciativas para enfrentar o problema da criança carente no Brasil. Chegou à conclusão de que nenhuma estava fadada ao sucesso porque eram todas assistencialistas, esmoleiras, não-profissionais, às vezes eleitoreiras e demagógicas. Ele então nos mandou pensar num caminho.
Por uma dessas coincidências que ninguém sabe explicar, um dos nossos gerentes de filial aqui no Rio trouxe a informação de que conhecia um professor de educação física, ligado à comunidade do morro da Mangueira. Esse professor tinha um projeto muito interessante na cabeça, mas até então ninguém havia se interessado por ele. Corria o ano de 1986. Chamamos o homem para conversar. Ele explicou o projeto de uma forma muito simples. Começamos a fazer contas e chegamos a uma conclusão chocante: aquilo custava dez vezes menos do que imaginávamos. Nasceu daí o Projeto Mangueira, que está implementado desde 1987 e pelo qual já passaram 12 mil crianças. O projeto ocupa 1,5 mil crianças anualmente, ao ponto de que a Mangueira, hoje, é a única comunidade do Rio de Janeiro onde existe 100% de escolaridade na faixa etária de 7 a 16 anos. Tenho um documento do juiz da 2º Vara de Menores dizendo que, nos últimos quatro anos, nenhuma criança da Mangueira se envolveu em qualquer ato delituoso no Rio de Janeiro. Tudo isso nos estimula a continuar esse projeto. Fizemos uma coisa idêntica em São Paulo, em 1992, com os mesmos resultados. E agora, cada uma das nossas 53 filiais no país tem o seu projetinho, sempre ligado à criança carente. Em resumo: nós suspendemos outras iniciativas e concentramos tudo na criança e no adolescente.

 
Qual o gasto anual da Xerox com o menor carente?

Salles – Um milhão e duzentos mil de dólares. Eu asseguro a você que o Estado brasileiro mais miserável gasta quatro vezes mais do que isso e não faz nada. Eu mostrei ao presidente da República, meses atrás, uma estatística que o deixou de boca aberta. De cada 100 reais que a Xerox do Brasil coloca nesses projetos sociais, 93 reais chegam à criança. A administração do projeto custa 7 reais. Nos programas governamentais, esse custo é dez vezes maior.

 
Qual a razão?

Salles – Tudo é uma questão de gestão séria do recurso. Temos como política não dar um centavo para nenhuma obra social ou órgão do governo. Já disse isso a ministros, governadores e prefeitos. Por princípio e por política, se a Xerox não tem a gestão do projeto não coloca um centavo nele. Nós sabemos que o primeiro ato do governo quando vai fazer um projeto é nomear 500 pessoas e comer o dinheiro todo.

 
Qual sua avaliação sobre a imagem institucional da Xerox? Em que a estratégia de comunicação adotada contribuiu para reforçar a imagem da companhia?

Salles – A comunicação foi a chave para a formação dessa imagem. Evidentemente que também é importante, nesse processo, a consciência de que a empresa está longe da perfeição. Não queremos comunicar uma imagem de que somos uma empresa perfeita. Temos consciência de que possuímos imperfeições sérias, que demandam ainda muita correção. Não vivemos, portanto, na ilusão de querer ser apresentados como uma empresa perfeita, irretocável. Isso não existe. Já nos damos por satisfeitos se a opinião pública tiver tolerância com uma falha nossa e pelo menos entender que sempre estaremos querendo corrigi-la.

 
E o futuro? Quais os planos para os próximos anos?

Salles – A Xerox do Brasil vê com alegria e alívio que foram finalmente tomadas medidas para conter a avalanche inflacionária que estava acabando com o país. Por outro lado, temos a consciência de que o Brasil ainda possui problemas gravíssimos que precisam ser atacados. E o pior de todos os nossos problemas é a improdutividade. Isso ocorre porque temos maus processos gerenciais e uma estrutura governamental despreparada, incapaz de gerir o Brasil. Acho – e agora é uma opinião estritamente pessoal – que os nossos políticos precisam correr para acompanhar o Brasil, porque o país está talvez 30 anos na frente de seus políticos. Vejo, por outro lado, grandes notícias na área da administração municipal. Há prefeitos fazendo administrações exemplares, reconhecidas pela população. No entanto, penso que o Brasil deveria romper com alguns paradigmas. Um deles é o de que o Estado deve fazer tudo por nós, que o governo vai resolver tudo. O governo ajuda mais se não fizer nada.

 
Mas o sr. há de convir que o país mudou bastante e há um sentimento mais forte de cidadania.

Salles – Sim. Acontece que a nossa impaciência é muito grande porque o Brasil poderia ser um país muito maior do que é. Há sempre forças retrógradas segurando, travando, amarrando, e que não deixam o país crescer. Até pouco tempo atrás, a palavra concorrência vinha sempre adjetivada: concorrência predatória. Isso durou até se descobrir que a concorrência é a melhor coisa do mundo. A única coisa que faz a empresa se mexer é a concorrência. A única coisa que faz o ser humano progredir é a concorrência. Entretanto, nós aqui tentamos a vida inteira criar estruturas corporativistas, reservas de mercado e territórios proibidos para garantir o quê? Para garantir a falta de concorrência.

 
O que ainda está nos faltando?

Salles – Falta no Brasil um pouco mais de exercício sério da cidadania. Penso que ela tem de ser exercida localmente. Em nível nacional, geralmente descamba para o show, para o espetáculo das grandes manifestações que no dia seguinte acabam e não agregaram nada. O exercício da cidadania se faz em nível municipal.

 

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