Ano 6
Nº 18
1º Trimestre de 1996

 

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Informação e mercado globalizado

 

As empresas que adotaram estratégias de globalização têm clareza de que suas ações devem estar secundadas por planos de comunicação coerentes e eficazes.

por Luciana Uchôa

A queda de barreiras comerciais, o alinhamento dos sistemas produtivos em grandes blocos econômicos e o fenômeno da globalização da produção e dos mercados vêm paulatinamente mudando as estratégias de ação das empresas. Maturada a partir de meados da década de 80, na esteira do desenvolvimento do comércio internacional e dos avanços tecnológicos, a globalização econômica é uma realidade já suficientemente palpável para obrigar organizações a gerir seus negócios balizadas pelos parâmetros da competitividade, qualidade, produtividade e excelência de gestão.

Independente do porte ou do setor de atividade da empresa, sua estratégia de operação deverá sempre levar em conta o objetivo maior da chamada "vantagem competitiva". Quanto mais valor agregar ao produto ou serviço oferecido ao mercado, mais essa vantagem será convenientemente alcançada. E a comunicação joga nesse campo um papel fundamental: seja no sentido de promover a coesão interna em torno da qualidade do produto, dos valores e da missão da empresa, seja no trabalho de aumentar a visibilidade pública da organização e na divulgação de seus produtos e serviços. Num cenário globalizado, a informação (e as formas de se comunicar produtivamente essa informação) revela-se uma arma poderosa de gestão empresarial. Isso se aplica tanto à comunicação interna e corporativa como às ações de fortalecimento da imagem institucional, relações com imprensa e governos, marketing, propaganda e promoção.

A globalização da economia é, em última análise, o começo de um novo estágio – mais exigente, fascinante e desafiador – das relações negociais. As fronteiras nacionais tendem a transformar-se em meras indicações nos mapas escolares quanto mais as tecnologias da informação vão sendo banalizadas mundo afora. Por seu turno, as empresas mais identificadas com a realidade do mercado planetário trabalham intensamente para adequar suas estratégias aos novos paradigmas de qualidade e competitividade, característicos deste final de milênio.

Num aparente paradoxo, atuar globalmente implica saber operar localmente. A ampliação dos mercados trouxe em seu bojo a necessidade de maior sofisticação cultural dos profissionais das empresas globalizadas. Na área de comunicação, essa constatação é ainda mais verdadeira. Respeitar as diferenças e compreender as realidades locais é pressuposto estratégico para o sucesso dos negócios. A falta de critérios claros no entendimento das realidades regionais pode pôr a pique os mais bem-intencionados planos de ação.

"A globalização da comunicação é uma fantasia, um péssimo negócio para o anunciante e a melhor maneira de se jogar dinheiro fora", acredita Francesc Petit, sócio diretor da DPZ, uma das mais conceituadas agências de publicidade brasileiras e que recentemente fechou acordo operacional com sua congênere argentina Capurro, de olho nas oportunidades geradas pelo Mercosul. Petit é enfático ao afirmar que a comunicação não pode ser uniformizada e lamenta que a maioria das empresas ainda se utiliza dessa estratégia. "Embora a empresa globalizada tenha de definir padrões de comunicação e conceitos uniformes, a linguagem, as idéias e as imagens têm de ser diferentes porque cada país tem características diferentes", diz o publicitário. Para ele, as mensagens devem se adequar aos mercados locais, de forma a não impedir que o consumidor se identifique com a propaganda. "A propaganda globalizada desrespeita os costumes e os hábitos de cada cultura, tornando o comercial esdrúxulo e sem significado", afirma.

Valores locais

Quando assumiu a assessoria corporativa de comunicação social do Grupo Brasmotor, em 1994, Rodolfo Witzig Guttilla sabia que ia ter muito trabalho pela frente. Já então era notável o processo de globalização por que passava o grupo e a relevância da comunicação nas estratégias da corporação.

A decisão de reestruturar por completo o mapa de atuação das quatro grandes empresas que formam a corporação – Multibrás (linha branca), Embraco (compressores herméticos para refrigeração), Multibrás da Amazônia (processamento de plástico) e Sabrico (revenda de automotivos e prestação de serviços) – havia sido tomada em 1990. Aos poucos, as políticas de negócios e as estratégias financeiras, de produção e de recursos humanos foram se adaptando a uma nova visão globalizada.

Em 1992, o grupo adquiriu 40% da fábrica argentina da Whirlpool Corporation, empresa norte-americana peso-pesado mundial na fabricação e comercialização de artigos de linha branca, parceira de longa data da Brasmotor. Um ano depois, a Embraco abriu a primeira porta para a produção no exterior, formalizando a compra de uma fábrica no norte da Itália. E em 1995 foi a vez da República Popular da China, onde a Embraco opera uma indústria de compressores nas redondezas de Pequim.

Não são nada modestos os objetivos traçados pelo grupo. A Multibrás, hoje líder do mercado brasileiro no segmento de linha branca, será, até o ano 2000, a primeira empresa do setor da América Latina. Pelos planos da corporação, a Embraco, segunda maior produtora de compressores do mundo, será a primeira até 1998; e o grupo Brasmotor, um dos 20 maiores grupos privados do País, deverá conquistar um lugar entre os dez mais.

Metas e conquistas à parte, este é o momento de a comunicação fazer parte ativa do processo. Com todos os instrumentos de que pode dispor, seu objetivo é fazer a ligação entre os quase 25 mil funcionários do grupo no Brasil e no mundo, e também com a opinião pública. Para isso, a estratégia da Brasmotor está montada com vistas a dois alvos principais: consolidar a imagem nacional e coesa do grupo e suas associadas, e apresentá-la às comunidades no exterior tomando, antes, o cuidado de conhecer as características próprias de cada uma delas. "Para atingir o mercado global, é fundamental ter uma identidade nacional forte", afirma Guttilla. E é exatamente neste ponto que algumas empresas tropeçam: muitas delas buscam uma operação global sem antes se tornarem nacionais. "Na globalização, a importância do grupo ser coeso está na produtividade e nos ganhos de escala. Se projetarmos essa força para o mercado internacional, sairemos muito favorecidos."

A estrutura que acomoda os instrumentos de comunicação do grupo é conhecida como "Projeto Visão de Futuro Brasmotor" e mobiliza o trabalho de pelo menos 300 funcionários. No âmbito da comunicação interna, a meta é consolidar os objetivos corporativos e os valores do grupo entre os colaboradores das quatro empresas associadas. Além disso, diz Guttilla, "queremos mostrar ao funcionário o que acontece no mundo e qual é o impacto, por exemplo, de uma lavadora Electrolux chegar ao mercado brasileiro e o que significa um compressor da Matsushita – atual líder mundial – ocupar um lugar que poderia ser de um compressor Embraco na Ásia". Assim, acredita, o funcionário terá noção do que é globalização e de qual seu papel nesse contexto. "Nós sabemos que só com comunicação intensa isso será possível".

No Grupo Brasmotor, a comunicação interna é coberta por 16 publicações, entre elas o jornal mensal da Multibrás Linha Branca, que também produz edições regionais com informações de interesse de comunidades específicas; o Embraco Notícias e a edição familiar Lar e Companhia. Além desses, circulam Novos Tempos, da Sabrico, e a revista corporativa Brasmotor, distribuída para os 22 mil funcionários baseados no Brasil.

Na Itália e na China, os funcionários produzem suas publicações em língua local com supervisão de coordenadores brasileiros. Mais uma evidência de que a imersão na cultura local é característica própria da globalização. Bem diferente do comportamento da antiga empresa multinacional, que tinha espírito e valores contaminados por resquícios do velho imperialismo: a companhia chegava ao país e simplesmente impunha seu modelo de produção e sua cultura. "A globalização serviu como lição para o empresariado perceber que deve atentar aos valores locais, ainda que agindo no sentido de modificar determinadas práticas, quando necessário", diz Guttilla. "A Brasmotor tem uma vocação para ser uma multinacional às avessas. O público-alvo de nossas ações na mídia não é necessariamente o consumidor, mas o formador de opinião."

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Comunicação interna

Se, para a Brasmotor, a necessidade de firmar-se como um grupo forte e nacional é tão importante neste momento, para a companhia norte-americana cujos cosméticos são os mais comercializados em todo o mundo a preocupação é bem diferente. Com cem anos de vida e presente em 122 países, a Avon já consolidou sua imagem de grupo coeso e mundial. O que a companhia busca, agora, é aprimorar sua imagem em cada mercado local como forma de fazer avançar a tradicional estratégia do marketing "porta-a-porta" – marca registrada da empresa desde a sua fundação, em 1896.

Globalizada a partir de 1992, a Avon vive hoje um momento de liberdade e descentralização nas suas estratégias de comunicação. Mesmo seguindo um conceito-mestre – o de ser a empresa que melhor entende e satisfaz as necessidades de produtos, serviços e de auto-realização da mulher –, as formas de reproduzir esse conceito sempre são adequadas localmente. "Do ponto de vista da comunicação, qualquer decisão fica a cargo das necessidades dos mercados locais, respeitando-se a identidade visual dos produtos e a logomarca", explica Rosa Maria Alegria, diretora de comunicação da Avon no Brasil.

Nos últimos anos, foram sensíveis os ajustes nas políticas de comunicação da Avon. Se antes, quando o perfil da companhia era o de uma multinacional, a matriz norte-americana era quem ditava as regras, agora as decisões estão a cargo das unidades de negócio, responsáveis por coordenar as filiais dos vários países de uma determinada região estratégica. A mudança foi também determinada pela migração do mercado consumidor: até a década de 80, 60% do faturamento do grupo vinha dos Estados Unidos; hoje, 65% são gerados pelas consumidoras estrangeiras, em especial as brasileiras. Nem mesmo a decisão de voltar a anunciar (o que no Brasil ocorreu em 1992), após 15 anos ausente da mídia, foi tomada na matriz. Também nesse caso, cada unidade de negócio estabeleceu suas próprias estratégias.

Para quem pensa que cosmético deve ter características diferenciadas para cada tipo de mulher, em cada parte do mundo, a Avon prova o contrário. Com raríssimas exceções, o produto Avon é praticamente o mesmo no mundo inteiro. "Nos produtos globais, existe uma diretriz que visa não comprometer a sua identidade, isto é, em qualquer país eles têm o mesmo visual e o mesmo posicionamento mercadológico", explica Rosa. "Se esse produto global não se aplica a determinado mercado, ele simplesmente não é lançado naquele país."

Se a estratégia de vendas permanece a mesma há um século, a comunicação se esforça para dar atualidade aos produtos Avon. Na Europa, o mercado consumidor de cosméticos mais maduro do mundo, este é um dos maiores desafios. "O slogan adotado na América Latina pela Avon no começo de 1993 – "Avon e você, uma bonita amizade" – eventualmente teria sido um fracasso na Europa", pensa a diretora.

Em comunicação empresarial, a regionalização é ainda maior. "Há grande interesse na troca de experiências e informações entre as diversas unidades de negócios e filiais, pois hoje contamos com uma agilidade de comunicação que antes não havia", afirma Rosa Alegria. O desafio agora é afinar a comunicação interna da empresa e tornar mais efetivas as ações destinadas a oferecer aos funcionários uma visão abrangente do negócio, até que se sintam parte de uma empresa global.

A preocupação com a comunicação interna é também uma constante na Metal Leve, empresa brasileira na qual o conceito de globalização já há muito tempo não é novidade. "A comunicação tem de dar ao empregado algo mais do que apenas os problemas internos da fábrica", analisa May Rubião, assessora da diretoria da companhia. "O funcionário está ávido por informações e precisa desse valor agregado." Para May, a comunicação nas empresas precisa mudar a concepção de que o funcionário é tão-somente um espectador do negócio. "Ele deve se sentir participante do processo", afirma. "Ao mesmo tempo, o empresário tem de ver a comunicação como um investimento e não como despesa – mesmo porque será difícil, sem comunicação, que a empresa consiga os resultados que a globalização exige." Nesse quadro, segundo ela, o profissional de comunicação deve ter um perfil mais amplo. "Ele não deve se prender apenas aos meios e à forma, mas atentar para o conteúdo das mensagens que produz e processa."

Nova imagem

Na Xerox, empresa globalizada e presente em cerca de 110 países, a cada ano é eleito um tema que será explorado na comunicação interna, na institucional e a na mídia. "A cada ano, o direcionamento estratégico é marcado por uma determinada característica", conta José Aristides de Moura, diretor-executivo de relações externas da Xerox do Brasil. "No ano passado tivemos o 'Time to Grow', neste ano é o 'Time to Win', isto é, são motes em torno dos quais vão girar todas as estratégias de comunicação da empresa."

Nos meses de janeiro, os gerentes das filiais da Xerox se reúnem e são comunicados dos objetivos e metas estipulados para o ano. A partir daí, começa o desenvolvimento do novo tema. A reunião se repete em julho, quando são feitos os eventuais ajustes de procedimentos. "Criamos um comitê estratégico integrado que procura assegurar consistência na transmissão das informações, de forma a que todos os funcionários, sem exceção, tenham consciência do que estão fazendo", diz Moura. Esse trabalho, cujo alvo vai do alto executivo ao vendedor e ao chão da fábrica, é sustentado pelos jornais internos, murais e mensagens gravadas.

As decisões de comunicação externa são tomadas em cada filial isoladamente, após a análise das necessidades de seus mercados. No entanto, revela Moura, a decisão final sobre uma nova postura nas relações com a imprensa ou sobre o lançamento de uma campanha publicitária cabe sempre à matriz. Mesmo assim, ele assegura tratar-se de um processo altamente participativo, e comemora o fato de a filial Brasil da Xerox ser considerada pelas demais como modelo de relacionamento com a imprensa.

Seja qual for o timing escolhido pela Xerox, uma estratégia que deverá ser mantida por muitos anos é a que visa desassociar a empresa do estigma da reprodução pura e simples. A companhia não quer mais ser sinônimo de fotocópia e trata de expandir sua imagem de produtora de documentos.

Dois peixinhos

Tendo iniciado seu processo de expansão para o mercado internacional ainda na década de 80, a Hering é hoje um exemplo de empresa globalizada que centraliza na própria marca suas táticas de comunicação com o público consumidor. Atualmente com fábrica na Espanha e uma unidade de transformação de produtos nos Estados Unidos, a Hering está presente nos mercados da América Latina, Estados Unidos e boa parte da Europa (Itália, Espanha, Alemanha, Suíça e Holanda).

As campanhas, promoções e investimentos em comunicação externa têm o mesmo objetivo: manter a força que a marca conquistou. "Todo brasileiro sabe qual é a marca dos dois peixinhos e assim tem sido no resto do mundo", afirma Ulrich Kuhn, diretor-superintendente de mercado internacional da Hering. "Nosso maior patrimônio é a nossa marca, e é em torno dela que giram nossas estratégias".

Marcas consolidadas não nascem da noite para o dia. E se a força está na marca, e nos que a fazem existir, a Hering investe pesado na comunicação interna para que cada funcionário da empresa desenvolva uma consciência global e sintonizada com a atualidade. "Em nossas publicações internas, vídeos e reuniões, procuramos sempre deixar claro a cultura Hering, os desafios e projetos da companhia", diz Kuhn. "Nosso objetivo é formar uma massa crítica dentro da empresa, de modo a que cada funcionário tenha real consciência do seu papel nesse contexto global."

Como deve ser, aliás.

 

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