Comunicação Empresarial - nº 30

Ano 8
Nº 30
1º Trimestre de 1999

          

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A eficiência digital

 

Conectividade e interatividade, além da clareza, são conceitos-chave para a produção de documentos que circulam nas redes corporativas de dados.

por Artur Roman(*)
 

Celulite, estrias e muita gordura localizada. É o que um olhar pragmático vê nas três mulheres nuas em As Três Graças, um dos belíssimos quadros de Rubens, pintor alemão que viveu entre os séculos 16 e 17. O tema básico da obra é a sensualidade feminina, expressa na beleza física das mulheres (segundo os padrões da época), uma delas a jovem esposa do pintor. A obra foi considerada pecaminosa na época e ficou guardada por muito tempo em uma galeria secreta, para que não atiçasse a imaginação dos homens.

Um adolescente deste final de milênio com certeza não colocaria essa obra-prima na parede de seu quarto, ao lado de pôsteres de modelos nuas das revistas masculinas. As Três Graças, com suas opulentas formas mal escondidas sob um diáfano véu, em nada lembram as nossas anoréxicas e quase esqueléticas deusas do mundo fashion. O padrão de beleza e elegância muda através dos tempos, para tristeza, principalmente, das mulheres. O que foi considerado belo e excitante há três séculos leva hoje as mulheres (e também os homens) às academias e às cirurgias plásticas.

O que tem isso a ver com comunicação empresarial? O padrão de texto administrativo também muda no tempo, seguindo a mesma tendência. Na era digital, as mensagens nas empresas devem adotar o estilo enxuto, light e diet. Textos obesos, inflados e prolixos, tributários a uma época em que produzir papel era referencial de produtividade, são substituídos pelo texto just in time, em que se escreve apenas o que é necessário ao destinatário saber, na medida exata. É cada vez menor o espaço para textos com celulites lingüísticas, estrias verbais e gorduras vocabulares localizadas, manifestadas em pregações e bacharelismos desprezados até por muitos advogados.
 

Nua e crua

Ao rastrear o gesto inaugural da linguagem da comunicação administrativa escrita, chega-se ao século 7, quando Carlos Magno, rei dos francos, introduz o cristianismo nas regiões conquistadas e estabelece relações comerciais através de seu império, chegando até o Oriente. Essa expansão do comércio vai exigir organização administrativa dos negócios, com incremento da correspondência comercial.

É provável que a concisão predominasse nas mensagens que circulavam nessa época. Não em consideração ao epíteto do pai de Carlos Magno - Pepino, O Breve -, mas porque nessas correspondências eram adotados os padrões da chancelaria papal. E quais eram esses padrões? Se fossem seguidas as recomendações de Santo Agostinho (século 3), expressas na Rhetorica sacra (livro IV da Doutrina Cristã), deveria ser privilegiada a clareza ("uma caridade"). Explicava Santo Agostinho que o importante era ser claro e ater-se mais à verdade do que à sofisticação dos termos. Reproduzida essa linguagem nas relações terrenas, estabelecia-se a singeleza agostiniana nas correspondências mundanas.

Com um salto até o Renascimento, veremos essa orientação de Santo Agostinho sendo criticada. Arnauld (Logique I, 14), pensador cristão da época, discutindo a melhor forma de propagar as coisas do espírito, explica que um estilo redacional simples, por conter apenas "a verdade nua e crua", não é adequado para despertar na alma os impulsos de respeito e amor que devemos ter para com as verdades cristãs. Deveria se dar preferência à "maneira nobre, elevada e figurada". As verdades divinas não são propostas simplesmente para serem conhecidas, mas, sobretudo, para serem amadas, reverenciadas e adoradas pelos homens. Arnauld argumentava que o prazer da alma consiste mais em sentir estímulos do que em adquirir conhecimentos!
 

Interface amigável

Essa preocupação em transmitir sentimentos de respeito e reverência não só predominou sobre as recomendações de Santo Agostinho, como atravessou os séculos e se consubstanciou em um estilo redacional expresso nas correspondências comerciais que até há pouco tempo ainda passavam por nossas mãos. E por que se tornam esses textos cada vez mais raros nas empresas, elegantes como as vitalizadas beldades de Rubens? Principalmente por conta do correio eletrônico.

O e-mail surge como um dos aplicativos disponíveis nos gerenciadores de rede de comunicação de dados. Chamado inicialmente de netmail, era utilizado estritamente pelos funcionários dos CPD (Centro de Processamento de Dados). Com a informatização crescente dos processos de trabalho nas empresas, o correio eletrônico deixa as refrigeradas salas dos mainframes e invade os terminais de computadores, cada vez mais comuns nas mesas dos funcionários. Sua utilização cresce, principalmente com a implantação de intranets.

Intranet é uma rede interna de computadores que usa a tecnologia da Internet. Surge nos Estados Unidos em 1994 e começa a ser utilizada no Brasil a partir de 1996. É uma rede corporativa, semelhante a muitas utilizadas nas empresas, porém mais amigável. Utiliza os mesmos navegadores e o protocolo de transmissão TCP/IP, o padrão da Internet. Assim como na parte interativa da Internet - a Web - navega-se de um assunto para outro, com um clique no mouse. A intranet permite ler informação em rede; controlar o tráfego de documentos; preencher formulários; trocar, arquivar e recuperar mensagens de correio eletrônico; interagir com bancos de dados; participar de grupos de discussão eletrônicos e outras aplicações de gerenciamento de dados.

 
Novo conceito

Existem programas de indexação e busca, que tornam rápido e prático encontrar uma informação na intranet. Esses sistemas ajudam o angustiado leitor a apartar, dentre os textos e mensagens que devem ser lidos, os que precisam ser lidos - amenizando o problema conhecido por "ansiedade de informação", gerado pela dificuldade das pessoas em lidar com volumes cada vez maiores de dados.

Sistemas de segurança (firewall) evitam acessos indevidos, interceptação de mensagens, contaminação por vírus e pirataria, usando esquemas de autenticação, criptografia e tradução de endereços da rede. A "barreira de fogo" permite ainda aos usuários da rede doméstica saírem para um passeio na Internet, sem que a porta fique aberta para a entrada de intrusos no espaço virtual da corporação.

A intranet tem sido vista como uma ferramenta voltada para a gestão empresarial, capaz de baratear e tornar mais flexível a comunicação interna nas organizações. Sua principal utilização ainda é fornecer aos funcionários os meios de que precisam para serem mais produtivos. Com sua rápida disseminação e a evolução das tecnologias da Web, as empresas começam a descobrir nesse novo conceito de rede interna também um poderoso aliado para a estratégia de seus negócios. A tendência é a ampliação de seu uso no relacionamento com clientes e consumidores, em links com extranets e Internet, e através da troca eletrônica de dados (EDI).

 
Carimbos e clipes

Redes de comunicação sempre existiram nas organizações. O grande salto aconteceu quando essas redes incorporaram tecnologia de teletransmissão de dados, substituindo o transporte de átomos pelo trânsito de bits, em uma rapidez e intensidade nunca imaginadas pelos dedicados escriturários e lépidos mensageiros de Carlos Magno. Redes de comunicação de dados também não são mais novidade. Quase tudo o que é oferecido pela intranet já podia ser feito nas redes corporativas tradicionais. O que a intranet traz é a facilidade de interação do usuário com o sistema, em um ambiente multimídia.

Sejam amigáveis para o leigo ou menos interativas, as redes informatizadas de comunicação podem prestar dois serviços importantíssimos: socializar a informação através de acesso a banco de dados e facilitar a comunicação através do e-mail. O modelo burocrático, por ter uma visão segmentada do complexo organizacional, decompõe o sistema de comunicação em subsistemas estanques, cada um deles fonte exclusiva de informação especializada, guardada com muito zelo em arquivos inacessíveis (físicos ou lógicos), ou na cabeça de alguns poucos iluminados. Cada vez que um departamento precisa de uma determinada informação, tem que se dirigir a outro departamento, que precisa falar com um terceiro departamento, que por sua vez depende de outro...

Com a disponibilização de dados na rede, tornam-se sem função os estamentos administrativos, meros escaninhos burocráticos acumuladores de dados. Para continuar constando no organograma da empresa, esses antigos departamentos (entupidos de armários, mesas repletas de papéis, carimbos, grampeadores e clipes) devem assumir novas tarefas: estar atentos às informações do ambiente, captar as que interessam à empresa, reinterpretá-las e torná-las acessíveis e acessáveis para a organização. Perde valor o funcionário concentrador da informação que emperra o livre fluxo da comunicação, como forma de manutenção do poder. O diferencial competitivo do profissional passa a ser a sua capacidade de transformar essas informações em conhecimento produtivo para a empresa.
  

Era do papel

Nas burocracias, a prioridade é fazer a informação chegar a alguém do comando central, a quem cabe todas as decisões. Isso mudou. O grau de complexidade com que se defrontam as empresas hoje é incompatível com poder decisório centralizado e com estruturas em que os funcionários tenham a atenção exclusivamente voltada para os escalões superiores da hierarquia.

Estruturas participativas precisam de um sistema que distribua a informação. As redes informatizadas de comunicação interna promovem virtualmente uma "desfronteirização", ou seja, a eliminação de barreiras que existem nas organizações. Fazer a informação fluir com rapidez por toda a organização não é opção, mas necessidade de sobrevivência. Melhores serão os sistemas de comunicação de uma empresa quando conseguirem captar, produzir e fazer circular a informação, de forma rápida e confiável, tanto no sentido vertical quanto no horizontal.

As redes informatizadas propõem nova configuração aos sistemas de comunicação e sugerem flexibilização à arquitetura organizacional. É ingenuidade, porém, acreditar que a implantação de redes de comunicação de dados garante mudanças nas empresas. Práticas gerenciais não são facilmente substituídas, uma vez que são cristalizações estabilizadas de comportamentos historicamente interiorizados. Porém, se a informatização da comunicação, por si só, não promove revoluções, é inquestionável que a sua adoção é capaz de desencadear transformações nas relações de trabalho se partir de um programa de inovações tecnológicas, inserido em um processo mais amplo de reestruturação global da empresa.

Utilizar uma rede informatizada de comunicação não é apenas uma substituição de mídia; implica reposicionamento diante do mundo do trabalho. Na era digital em que estamos ingressando, o trabalho passa a se constituir mais de ações que reinterpretam informações e menos de manipulação de matéria física. A aprendizagem para esse novo mundo de trabalho, onde se perde a fisicidade e a concretude do objeto de trabalho, começa com a utilização do correio eletrônico, pois propicia a oportunidade de se experienciar processos interativos virtuais. A era do papel, que chega aos seus estertores, demandou nas empresas excelentes administradores de papel - hoje as primeiras vítimas do desemprego tecnológico. A importância pedagógica do uso do correio eletrônico já é percebida por muitas organizações. A familiaridade do usuário com o terminal diminui resistências para atividades com o computador.

 
Ações coletivas

Graças aos recursos e facilidades de edição, a possibilidade de uso particular do e-mail nas empresas tem gerado a proliferação de mensagens. Muitas empresas têm controlado sua utilização, limitando-o estritamente ao "interesse do serviço". Um dos mais graves problemas internos hoje nas organizações é a dificuldade de articulação comunicativa entre os vários setores. Ora, são as pessoas que participam dos processos de comunicação. Independente dos conteúdos veiculados nas mensagens, dificultar o acesso ao correio eletrônico é eliminar uma das poucas oportunidades que restam hoje no mundo do trabalho para a a intensificação dos processos comunicacionais.

Esgotou-se a época da genialidade individual. A criatividade, tão exigida hoje nas organizações, é resultado de ações coletivas. As criações do espírito humano dependem cada vez mais da participação de várias pessoas; portanto, da capacidade de articulação e das possibilidades de interação. Se as redes de comunicação trouxeram às empresas o conceito de conectividade, o e-mail agregou a ele o de interatividade, oferecendo um ambiente que facilita o enredamento comunicativo e a integração de esforços não raramente dispersos pela organização. A utilização do correio eletrônico racionaliza o processo produtivo e aumenta a competência comunicativa dos trabalhadores.

 
Pena e pincel

A desdogmatização da linguagem administrativa trazida pelo e-mail facilita a produção de mensagens. Diante do terminal, autorizado a utilizar uma linguagem com estrutura e vocabulário próximos da oralidade, o redator se sente menos inibido para escrever. Redatores tradicionais, saudosos da "maneira nobre, elevada" de escrever nas empresas, reclamam do que denominam "banalização" dos textos. O mundo do trabalho anda muito carrancudo. É saudável que se tire a gravata dos textos administrativos; a linguagem coloquial sugere relacionamentos interpessoais amistosos e descontraídos.

Rubens, autor de As Três Graças, além de pintor foi um influente diplomata. Habilidoso com a pena, tanto quanto com o pincel, destacou-se como missivista, desincumbindo-se com muita competência de missões a serviço dos reis espanhóis. Rubens contava, lá pelos idos de 1630, apenas com uma rede de comunicação tocada por cavalos e navios. Tivesse à sua disposição a rapidez de um correio eletrônico, certamente teria conseguido melhores resultados em suas tentativas de amenizar as relações estremecidas entre a Espanha e a atual Holanda, o que poderia ter rendido ao nosso ambicioso e profano pintor um posto de ministro. Mas essa já é outra história.

(*) Artur Roberto Roman é mestre em Lingüística, doutorando em Comunicação Institucional na ECA/USP e instrutor do Centro de Desenvolvimento Profissional Banco do Brasil. E-mail: artur@avalon.sul.com.br.

 

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