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A Ditadura da Audiência

Marilene Lopes*

  
Os meios de comunicação precisam tomar cuidado com o crescimento de um fenômeno que já se pode chamar de ditadura da opinião pública. Ou, se preferirem, de ditadura da audiência. A expressão parece encerrar um paradoxo, já que a supremacia da vontade da audiência - ou da maioria - seria essencialmente democrática. Mas é aí que entra o equívoco: justificar a veiculação de programas apelativos na TV pela audiência que alcançam é perverter a idéia de vontade. É transferir a responsabilidade da escolha a quem não está exatamente escolhendo.

A ascensão de programas baseados na exploração da degradação humana e da sexualidade reduzida à pornografia, entre outros estímulos grosseiros e violentos, não pode ser explicada apenas como "aquilo que o povo quer ver". A discussão é antiga, e não se deve mais perder tempo com argumentos politicamente corretos - e preguiçosos - do tipo "a televisão é o reflexo da sua audiência". Esta premissa é falsa e irresponsável. A TV reflete hábitos e costumes, isto é óbvio, mas é também um dos principais elementos de formação cultural do país.

Não é preciso recorrer a nenhum artifício sociológico para constatar o que vem ocorrendo por trás das telas: diretores de programação trabalham com aparelhos de medição imediata de Ibope apontados contra suas cabeças. Ninguém irá discutir a lógica comercial da existência de uma emissora. Mas a busca por pontos de audiência não pode se dar de forma angustiada, desesperada, como se essa guerra pudesse ser ganha ou perdida em minutos. É preciso notar que uma guerra de audiência também requer estratégia, planejamento de longo prazo e bom senso.

Se os programas ou quadros apelativos - as chamadas "baixarias" - fossem a melhor arma de uma disputa comercial televisiva, este tipo de recurso dominaria a programação da emissora que lidera o mercado há décadas - o que não é o caso. Está claro que o gosto e a sensibilidade dos telespectadores podem ser "trabalhados" (formados, cultivados e até refinados), e a prova mais evidente disso é o sucesso da teledramaturgia nacional. Sua qualidade pode até ser discutida, mas estará sempre muito acima de qualquer show de variedades bizarras. A formação de uma audiência não se dá do dia para a noite, pelas mãos de caçadores de Ibope com a cabeça eternamente a prêmio. Para formar audiência é preciso imprimir um padrão, e para imprimir um padrão é preciso perspicácia e coragem para saber perder hoje, amanhã ou depois à espera da vitória final, que se bem tramada será questão de tempo.

É hora, portanto, de reconhecer que, quando se trata de discutir festivais de "baixarias" da TV, a metralhadora indignada do moralismo não é suficiente. Faz-se necessário abandonar certos pudores e incluir no debate os interesses comerciais - em tese legítimos - das emissoras. Até porque as programações de TV são importantes demais para ficar apenas nas mãos de programadores, em que pese a reconhecida competência de nossos profissionais. Entre outros aspectos, é preciso que se reflita sobre a discutível estratégia da distribuição de estímulos emocionais primários ao público menos instruído.

A história recente da TV no Brasil mostra que programas apelativos não têm vida longa. Diversos personagens grotescos, na linha do popularesco "homem do sapato branco", já passaram como cometas pelo vídeo e desapareceram. A conclusão é uma só: os espetáculos de vulgaridade são intoleráveis para todo o público, mas a parcela menos instruída precisa consumir algumas doses daquela excitação primitiva antes de fartar-se dela. O problema é que, ainda que seja uma estratégia comercial equivocada, o mau gosto e a estupidez fazem escola. Noutras palavras, uma sociedade não pode ficar esperando que o bom senso ilumine diretores de TV, enquanto a violência verbal, a grosseria e a degradação humana viram epidemia nacional.

A sociedade brasileira já tem maturidade suficiente para saber o que é bom sem necessidade de qualquer tipo de censura. Mas isso não legitima o cinismo da ditadura da audiência, segundo a qual se o povo consome lixo é porque gosta de lixo. Os formadores de opinião, a elite intelectual, ou como se queira chamar a parcela mais esclarecida da sociedade, não pode fugir à responsabilidade de garantir padrões civilizados à comunicação de massa. A idéia de que as emissoras devam tomar a iniciativa de se auto-regular, a exemplo do que faz o setor de publicidade, é positiva mas já não é nova.

O fato é que as empresas de mídia eletrônica precisam ser provocadas por outros setores da sociedade. A constituição de um fórum para este fim deveria contar, de saída, com instituições como o Ministério Público, as entidades de defesa do consumidor, a Igreja, a Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados, o Ministério das Comunicações, além, é claro, da associação das emissoras de TV e outras entidades de classe interessadas.

Uma mobilização institucional desta ordem produziria, com certeza, mil e uma fórmulas de controle democrático da qualidade na TV - incluindo mecanismos conhecidos, como classificação por horário, e outros mais recentes, como o chip capaz de bloquear a transmissão de um canal. O mais importante, contudo, seria a constatação de que a vitória dos departamentos comerciais das TVs não depende da derrota do público. Se ainda resta alguma vida inteligente entre os guerreiros da audiência, não será difícil perceber que transformar a TV numa feira de barbaridades será a derrota de todos nós.
   

* Marilene Lopes, gerente de Comunicação e de Relações com a Imprensa da Xerox do Brasil.
Obs.: publicado no JB no dia 6 de julho de 1998.

  

  

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