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Dimensão cultural da Olimpíada é mal explorada

06/11/2015

Por Diego Viana, Valor Econômico

Não só de medalhas, estádios e linhas de metrô se faz uma Olimpíada, mas também de teatro, música e grafite. Com inspiração nos ideais do Barão de Coubertin, fundador dos jogos modernos, a Olimpíada contém em seu documento-base, a Carta Olímpica, a obrigação de realizar um programa cultural, cujo legado é tão importante quanto o esportivo e o urbano. Mas a dimensão cultural do evento tem sido mal explorada, adverte a socióloga espanhola Beatriz García, pesquisadora da Universidade de Liverpool, no Reino Unido.

Nos últimos 30 anos, os Jogos Olímpicos passaram por um forte processo de expansão financeira, centrado sobre direitos de mídia e exploração da marca. Segundo Beatriz, porém, a dimensão cultural ficou ao largo dessa expansão. Embora haja bons exemplos de iniciativas culturais, como as de Londres e Barcelona, elas têm pouco retorno de mídia e deixam um legado aquém do possível. Para 2016, o Rio decidiu concentrar a programação cultural no ano do próprio evento, ao contrário de cidades como Pequim e Sydney, que se dedicaram ao programa desde o fim dos jogos anteriores.

Natural de Barcelona, a socióloga passou a estudar os Jogos Olímpicos a partir de um trabalho sobre o legado do evento em sua cidade após dez anos. Barcelona sediou os jogos em 1992 e foi considerada uma experiência de grande sucesso ao colaborar para a recuperação da cidade. Desde então, ela pesquisa a dimensão cultural dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, em Sydney (2000) (Austrália), Atenas (2004), Pequim (2008) e Londres (2012). Responsável pela coordenação da Olimpíada Cultural de Londres, a socióloga veio a São Paulo para participar do 10º Fórum Permanente de Gestão do Conhecimento, Comunicação e Memória.

Valor: Por que a programação cultural não recebe muita atenção da mídia?

Beatriz García: As Olimpíadas mudaram muito desde os anos 80, quando teve início um novo e grande modelo de negócios. Edições como a de Montreal em 1976 levaram a cidade à falência. Ela perdeu muito dinheiro com a Olimpíada. Nos anos 80, perceberam que era preciso um modelo para lidar com a mídia, vendendo direitos de transmissão, por exemplo. Isso tornou os Jogos Olímpicos um negócio muito lucrativo. O impacto foi grande no programa de esportes, que ficou muito profissionalizado. Mas o projeto cultural não era parte disso. Enquanto o esporte se tornou industrial, o programa cultural continuou muito belo e simpático, mas sem patrocínio e direitos de mídia.

Valor: Em seus artigos, a senhora afirma que a maior parte dos projetos culturais falharam. Por quê?

Beatriz: Os projetos falham porque não têm orçamento vinculado e porque o comitê organizador dos jogos, que se tornou uma estrutura altamente profissionalizada, não tem uma equipe cultural com o mesmo apoio que as demais áreas. Cada cidade-sede é obrigada a apresentar um programa cultural. É compulsório. Mas não há diretrizes. As equipes operam com pouco dinheiro. Há exemplos muito interessantes de cidades que fizeram programas culturais incríveis, mas sem cobertura midiática. Ninguém fica sabendo, exceto quem participou. E não tem transferência cultural para a cidade seguinte, então cada um tem que começar do zero.

Valor: O Rio preferiu concentrar o programa cultural no último ano. Qual é a diferença entre espalhar em quatro anos e concentrar em um?

Beatriz: É conseguir testar as coisas e correr riscos. Começar mais cedo implica pressão sobre a equipe organizadora, porque tem de começar a preparar as coisas desde o instante em que a cidade é escolhida. Mas permite que se faça uma travessia. O programa cultural não tem tanta demanda quanto o esportivo e permite uma abordagem mais humana. Sou favorável ao programa de quatro anos, porque permite ser mais diverso e exploratório. O programa cultural é sobre complexidade, conectar grupos diferentes. Fazendo ao longo de bastante tempo, é mais fácil ser inclusivo. Mas exige muito dinheiro e o esforço de fazer parcerias. O financiamento sempre vai ser pequeno e é preciso muita colaboração. Ou, como foi na China, um governo que diga: "Aqui está o dinheiro, façam de uma vez, como projeto nacional".

Valor: E como se faz com o programa mais curto?

Beatriz: O Rio é a primeira Olimpíada a decidir isso desde 1992. Parte da razão é a pressão que os organizadores estavam sofrendo, já que haveria também a Copa do Mundo. Isso torna o programa cultural mais uma demonstração da cidade durante os jogos ou logo antes. É menos uma jornada. Tem menos chance de correr riscos e provavelmente significa que o programa vai ser mais sobre o que reconhecemos como cultura brasileira ou carioca. Muita gente tem a sensação de que é impossível fazer um programa cultural em quatro anos. Sem dinheiro, sem patrocinadores. E é muito difícil usar os anéis olímpicos, porque a marca é pesadamente protegida, não querem que seja usada por alguma organização que possa ter acordos comerciais com uma corporação que não é um patrocinador oficial. Então a proposta é simplificar, fazer menos e melhor. Essa é a lógica em ação no Rio. A ideia é focar em atividades-surpresa, coisas que se apoiam em mídias sociais.

Valor: Mas também inibe a conexão com outras cidades.

Beatriz: Isso fica bem mais difícil. Em Londres, em 2012, tinha uma iniciativa interessante chamada "Ocupações Rio", em que artistas brasileiros eram levados a Londres para intercâmbio. Um dos grandes legados de 2012 é o programa cultural durante os Jogos Paralímpicos, que se chamava "Ilimitado". Ele está sendo transferido para o Brasil. Certamente os jogos serão lindos, e muita gente considera que visualmente o Rio vai superar Barcelona. Vai funcionar bem na TV. A grande questão é: será possível exibir algo inesperado sobre o Rio ou a cultura brasileira? Esse é o desafio da equipe cultural. Será preciso pensar sobre as conversas que podem ser criadas e em como lidar com a tecnologia, para criar plataformas em que se debata o que é o Brasil hoje, como sentimos nossas identidades e o que queremos apresentar ao mundo. O programa vai ser um sucesso se conseguirem trabalhar conectando as diferentes regiões e os diferentes espaços no Rio, uma cidade desafiadora. Pode ajudar a garantir que os jogos não são só sobre novas conexões de transporte, mas novas conexões culturais.

Fonte: Valor Econcômico

 

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