Os novos códigos da geração digital
Minha filha de 10 anos lê o cartaz de um hotel que diz: “Café da manhã, ar-condicionado, internet sem fio”. Em seguida, pergunta: o que significa internet “com fio”?
A pergunta surge porque ela faz parte de uma geração que não conheceu a tal internet “com fio”. Ela faz parte dos chamados “digital natives”, uma geração nascida já num mundo em que as interfaces comunicacionais e eletrônicas já tinham como base um contexto digital. Já nós, os pais deles, somos “adaptados” a esse mundo digital, e convivemos (por boa parte de nossa existência) com a era analógica.
Nesse mundo atual, vários conceitos cunhados há apenas alguns anos, perderam o sentido (em parte ou totalmente). Por exemplo, produtos outrora inovadores, como o BIP, a extensão telefônica, a TV a cores, o controle remoto, o videocassete, o 3 em 1, o toca-fitas, o CD, o disquete, o Palmtop...
Mas a grande transformação em curso nessa geração não é tanto a relação com os equipamentos “vintage” – até porque algumas interações deles com essas peças rendem experiências bastante divertidas (como colocar uma criança, pela primeira vez, diante de uma máquina de escrever!).
A grande mudança está na velocidade de resposta que eles esperam em todos os processos comunicacionais. A necessidade de um imediatismo na resposta.
Em palestra recente, o professor Silvio Meira lembrou que, em 1860, enviar uma carta de Nova York para São Francisco, de costa a costa nos EUA, demorava cerca de 30 dias para chegar, caso fosse de vapor; se fosse de carruagem, chegaria mais rápido, seriam só 23 dias! Brincou o professor que aquele era o “whatsapp” do século XIX, e podia demorar mais de 60 dias para ser respondido...
Hoje, ao usar o WhatsApp ou outros aplicativos similares, conseguimos até saber quando foi que nosso interlocutor esteve conectado pela última vez. É um bom exemplo da era da conectividade 24/7.
Na era desses aplicativos (WhatsApp, Netflix, Snapchat), tudo é urgente, tudo pode ser acessado “on demand”, o acesso à informação não depende mais do “broadcast”, tudo deve ser respondido imediatamente. No caso do Snapchat, pode-se até definir quantos segundos a imagem enviada ficará disponível para seu contato, antes que ela se autodestrua.
Estamos vivendo uma revolução digital, um tempo de ressignificação de um conceito da sociedade de consumo bastante estudado, o da “obsolescência programada”. Este conceito está sendo transformado em uma espécie de “obsolescência não-programada”, pois em poucos anos, algumas criações digitais aclamadas como geniais em seu lançamento podem cair em desuso ou simplesmente desaparecer.
As redes sociais surgem e desaparecem numa velocidade incrível. Para nós, “adaptados”, as principais redes são recentes, mas para os “digital natives”, Facebook (que se popularizou a partir de 2006), Twitter (2006) e LinkedIn (2003) já são criações “antigas”. Se olharmos as redes sociais numa perspectiva histórica, vamos nos deparar com várias que, se não morreram, estão definhando – como o ICQ (lançado em 1996), Napster (1997), Blogger (1997), AIM (1997), Orkut (2004) e o SecondLife (2003). Nesse mundo dos negócios digitais, a curva de aprendizado de um novo “business” pode ser extremamente acelerada em relação à “velha economia”, o que proporciona a possibilidade de sucesso muito mais rápido. Mas por outro lado, a infidelidade dos usuários assusta os empresários, pois o sucesso de hoje não significa a perenidade do negócio.
O imediatismo e a mobilidade transformaram os negócios digitais, os negócios tradicionais e principalmente a comunicação. Dados recentes dão conta que 21% do comércio eletrônico já é feito em dispositivos móveis. O WeChat, aplicativo que só funciona em celulares, já tem 355 milhões de usuários e ganha 40 mil novos a cada hora. No Snapchat, 350 milhões de fotos são compartilhadas a cada dia. O Facebook já passou de 1,35 bilhão de usuários mensais, sendo 864 milhões de active users por dia – e 703 milhões deles usando dispositivos móveis. No Facebook, são postadas por dia 350 milhões de fotos e são dados 4,5 bilhões de “likes”. No YouTube, são assisitidos, a cada mês, 6 bilhões de horas de vídeos – e 68% dos usuários compartilham os vídeos que assistem. No Twitter, 40 milhões de tuítes são postados por dia.
Em resumo: a forma de consumir mídia e de se comunicar com os outros mudou radicalmente. Se antes ligávamos o rádio do carro para saber a previsão do tempo ou nos julgávamos com o “poder” de escolha diante da TV – apenas por termos o controle remoto na mão –, essa nova geração é totalmente on demand, quer e consegue tudo no momento desejado.
Esse imediatismo é justamente o que mais desafia as empresas em como endereçar as expectativas e como lidar com os “digital natives”. Às companhias e seus líderes, cabe entender os novos valores e comportamentos que caracterizam esses jovens profissionais. Eles fazem parte de uma primeira geração “global”, que tem uma perspectiva mais horizontal em relação ao mundo e às relações pessoais e profissionais. Possuem novos códigos de trabalho.
No passado, as empresas eram uma “janela para o mundo”. Hoje em dia, como o mundo está a um clique de distância, as empresas passaram de “janela” a limitadoras dessa perspectiva de desenvolvimento.
E o que devem fazer os líderes das empresas diante desses novos profissionais?
Essa é a pergunta do milhão. Mas uma pista de resposta pode estar em trabalhar com transparência, dar espaço para criarem e inovarem, entender que a vida, para eles, é uma jornada com um propósito. E compreender que, se a empresa também não tiver um propósito que seja aderente ao deles, essa relação terá vida curta.
A nós, os adaptados, cabe compreendê-los e aprender com eles – da mesma forma que eles irão aprender conosco. Do contrário, estaremos atuando como blockers, limitando o espaço para a inovação e para a liberdade para criar. E, em consequência, criando as condições perfeitas para evasão de talentos.
A velocidade com que as tecnologias estão se desenvolvendo pode até assustar a nós, que somos adaptados. Mas não podemos nos assustar com os novos códigos dessa geração. Em até 10 anos, eles serão mais de 50% da força do trabalho. Como futura minoria no ambiente de trabalho, caberá a nós entender esses novos códigos e encarar esse desafio. Afinal, somos adaptados, mas jamais poderemos ser defasados.
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